Quem viu não esquece aquele professor de literatura carismático que subverteu a caretice de uma escola conservadora, exaltando a liberdade e a poesia, e ensinando seus alunos a pensar por si mesmos. Carpe diem significa "aproveite o dia de hoje", ou seja, desconfie do amanhã, não se preocupe com o futuro, não deixe passar as oportunidades de prazer e gozo que lhe são oferecidas aqui e agora.
Neste texto, o conselho não tem nada a ver com a proximidade do carnaval. Ou pode ter, mas essa não é a intenção. Ele me foi lembrado por um amigo numa conversa em que lamentávamos algumas ameaças à saúde que atingiram pessoas queridas. Em proporções mais dramáticas, era um pouco daquilo que Ronaldo Fenômeno resumiu na sua emocionante despedida. Como as dele, eram derrotas para o corpo. Trapaças que ele apronta na forma de um tombo traiçoeiro ou do defeito de uma peça do nosso mecanismo.
Falávamos de quanto tempo se perde com bobagens que nos aborrecem além da conta, deixando passar momentos preciosos como, por exemplo, uma dessas nossas luminosas manhãs que nenhuma
outra cidade consegue produzir com igual esplendor. Desprezamos por piegas as emoções singelas e vivemos à espera das ocasiões especiais, de um estado permanente de felicidade, sonhando com apoteoses e sentindo saudades do passado e até do futuro, sem curtir o presente. Só quando surge a perspectiva da perda é que damos valor a deleites simples ao nosso alcance, como ler um bom livro, ouvir uma boa música, ver Alice sorrir, assistir a "O discurso do rei", ver o "Sarau", de Chico Pinheiro, receber o afago de leitor(a), voltar a andar no calçadão, beber uma água de coco ou admirar o pôr do sol no Arpoador. Foi depois desse papo de exaltação hedonista que meu amigo concluiu que, como o destino nem sempre avisa quando vai aprontar, urge curtir enquanto é tempo — carpe diem. O grande poeta pernambucano Carlos Pena Filho, que morreu aos 31 anos num acidente de carro, em 1960, disse mais ou menos o mesmo num dos mais belos sonetos da língua portuguesa, "A solidão e sua porta", que termina assim:
Lembra-te que afinal te resta a vida
Com tudo que é insolvente e provisório
E de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório.
ZUENIR VENTURA - Caros leitores
Tudo isso vem a propósito do último artigo que escrevi, "Amar o transitório", uma homenagem a amigos que estão com sérios problemas de saúde. Embora triste, ou por isso mesmo, eu falava do carpe diem, da importância de curtir o momento e valorizar os pequenos prazeres do dia a dia, em vez de perder tempo com certas preocupações e angústias que afinal se revelam inúteis. Não me lembro de outro texto que tenha provocado tanta repercussão em e-mails, telefonemas e pessoalmente. Falo sem risco de cabotinismo porque sei que o mérito é do assunto, não da crônica. Ou da sintonia de sentimentos entre quem escreveu e quem leu.
Meu sobrinho Antonio, de 17 anos, me telefonou: "Parece que você escreveu pra mim." Essa frase e outras semelhantes apareceram em mensagens de mulheres e homens de várias idades, cujas identidades omito porque não pedi autorização para revelar. De uma leitora: "Você adivinhou o que eu precisava ouvir. Retomei ontem uma relação de cinco anos que já teve muitas idas e vindas, porque, justamente, acho que eu não estava dando o justo valor ao aqui e agora." De outra: "Acabo de recortar o seu quadrado do jornal e pendurar na porta da geladeira, para ler, como uma espécie de antídoto, todas as manhãs." Mais uma: "Sua crônica me fez um bem danado." De um médico: "Por que te escrevo? Afeto e gratidão: como foi refrescante ler teu texto hoje no GLOBO."
De um jornalista: "Sua crônica me fez lembrar a letra da música Mrs. Vanderbilt, de Paul McCartney, cujo refrão ‘What’s the use of worrying’ (algo como ‘Que utilidade tem a preocupação?’) defende que se viva a vida. Combina muito bem com ‘Don’t worry be happy’ (‘Não se preocupe seja feliz’), canção de Bob Marley. Ambas fazem a apologia do prazer imediato em oposição às preocupações com pequenas coisas que muitas vezes indevidamente perturbam nossa vida."
De um poeta: "Adorei. Sua crônica é uma bela celebração da vida." Pois então, leitores, viva a vida!
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