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sexta-feira, 29 de junho de 2012

O nosso uirapuru, conhecido como "o Caruso da selva"


O uirapuru-verdadeiro (Cyphorhinus aradus) é uma ave canora conhecida pelo seu canto particularmente elaborado, o que justifica que também seja conhecido vulgarmente como músico ou corneta. É reconhecido, também, apenas por uirapuru ou arapuru, guirapuru, rendeira, tangará ou virapuru. O termo é originário da língua Tupi-guarani "wirapu 'ru" e aplica-se ainda a outros trogloditíneos e pipríneos amazônicos. É famoso pelo seu canto e pelas lendas que o envolvem. É usado como talismã para trazer sorte na vida e no amor, sendo empalhado ou utilizado a sua pele.
No folclore do norte do Brasil, o uirapuru é conhecido por ter um dos mais belos cantos entre as aves, fazendo com que todos os outros pássaros param de cantar para ouvi-lo. Também se diz que, por lembrar um flautim, flauta ou clarinete, o canto do uirapuru inspiraria poetas.
O compositor Villa-Lobos compôs em 1917 o poema sinfônico "Uirapuru", baseado em material do folclore coletado em viagens pelo interior do Brasil. Na lenda que inspirou a obra, o pássaro encantado - "rei do amor" - é flechado no coração por uma moça embevecida com a suave canção e transforma-se em um bonito jovem.
O canto do uirapuru pode ser curto e forte, quando pretende demonstrar domínio do território; ou longo e melodioso, quando sua intenção é a atração sexual. Dura de 10 a 15 minutos ao amanhecer e ao anoitecer, na época da construção do ninho, e canta apenas cerca de quinze dias por ano.
Algumas lendas sobre o uirapuru:
  • "Um pássaro de canto perfeito é atingindo por uma flecha de uma moça apaixonada e se transforma em um belo guerreiro. Cheio de inveja, um perverso feiticeiro toca uma bela canção em sua flauta encantada e faz com que o rapaz suma. A partir daí, só a maravilhosa voz do guerreiro permaneceu na mata. É raro observar o uirapuru, entretanto frequentemente seu canto é ouvido na mata."
  • "O homem que obtiver uma pena, terá sorte nos negócios e com as mulheres. A mulher que conseguir um pedaço do ninho terá a pessoa que ama apaixonada e fiel pelo resto da vida. Quem ouvir o canto deverá fazer um pedido, que será rapidamente realizado."
  • " Havia uma tribo de índios, onde duas índias lindas amavam o cacique. Com dúvida em qual escolher, o cacique prometeu casar-se com aquela que tivesse melhor pontaria, então propôs um desafio: a índia que acertasse a flecha no alvo seria sua amada. Apenas uma das índias acertou a flecha no alvo, e foi a que casou-se com o cacique, a outra, triste, pediu ao deus dos índios, Tupan, que a transformasse em um pássaro para poder observá-los discretamente e hoje, dizem que o homem que obtiver uma pena terá sorte nos negócios e com as mulheres. A mulher que conseguir um pedaço do ninho terá a pessoa que ama apaixonada e fiel pelo resto da vida. Quem ouvir o canto deverá fazer um pedido, que será rapidamente realizado."

Os brinquedos perigosos das crianças de antigamente

Veja exemplos do que não dar de presente a seu filho. Ou coisas com as quais seu pai se divertiu no passado

por Redação Galileu
Quando encontramos peças muito pequenas que se soltam ou tinta tóxica, em brinquedos é um verdadeiro escândalo na mídia. Logo a fabricante faz recall, sofre processos e corrige os erros. Mas nem sempre foi assim. No passado, alguns brinquedos eram verdadeiras armas. O site Cracked fez uma lista dos mais perigosos:

Soprar vidro
Aparentemente era divertido soprar um tubo de vidro fundido até que ele tomasse forma. Para os jovens americanos de 50 anos atrás era útil ter essa habilidade para que fizessem seus próprios tubos usados nas aulas de química. Mesmo assim, a brincadeira do Gilbert Glass Blowing é um tanto perigosa para ser feita por pessoas sem treinamento, á que o vidro deve ser muito aquecido para chegar ao ponto maleável.

Editora Globo
Moldar chumbo
A mesma empresa que dava vidro quente para crianças moldarem com a boca, tem o Gilbert Kaster Kit, um equipamento para fazer soldados e armas de chumbo. Se o vidro precisa ficar muito quente para fundir, imagine o chumbo. Segundo o site Cracked, o brinquedo foi comercializado entre os anos 1920 e 1930.

Editora Globo

Locomotiva de verdade
Só em 1843 a empresa Stevens criou o primeiro trem que se movia sozinho. Mas nada de pilhas nessa época. O combustível era querosene ou álcool que deveria ser acendido e deixava um rastro pelo chão.
Editora Globo
Ferramentas de verdade
O Powermite Working Tools é uma caixa de ferramentas para crianças, mas os objetos não são de plástico ou borracha. É tudo de metal mesmo, só o tamanho é menor, afinal, as crianças são menores. Furadeira e serra podem ser usadas normalmente.
Editora Globo
Fogão e ferro de passar
Outra vez, nada de plástico. O fogãozinho, da década de 1930, esquenta de verdade, só deveria ser difícil cozinhar alguma coisa de verdade. O ferro elétrico em miniatura é perfeito para passar roupinhas de boneca, a propaganda diz que as meninas poderão ajudar a mãe com as tarefas de casa.
Editora Globo
Química
O jogo de química da Gilbert, a mesma empresa do vidro e chumbo fundidos, poderia ser mais um educativo comum, mas continha 56 produtos químicos. Alguns deles bem perigosos. O permanganato de potássio, além de tóxico, pode provocar explosões, por exemplo. O kit vinha até com instruções para fazer uma bomba. O brinquedo fez sucesso na década de 1920, mas acabou entrando em declínio nos anos 60.
Editora Globo

Arma
A Autstin Magic Pistol, lançada nos anos 50, conta com a ajuda de produtos químicos que, em combinação com água – ou saliva – , provocam uma explosão e lança a bola para seu oponente, quer dizer, amiguinho. Veja:
Editora Globo
Laboratório de Energia Atômica
O pior ficou para o final. Na década de 1950, a energia nuclear era bem vista pela maioria das pessoas, mas nada justifica dar urânio radioativo como presente de natal. O kit, feito pelo Clube Americano de Ciência Básica, continha urânio e rádio, ambos radioativos.

Editora Globo
Fonte: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/1,,EMI274323-17770,00.html

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Cartas do meu tempo

Por aqui, os dias são de cansaço. Há uma crescente exaustão que viceja aos poucos, contra a atual ordem de coisas.
O que eu posso dizer?
Estou tão cansada quanto e, por mais que escreva, ainda serei uma voz fina, melhor dizendo, um fio de voz.
Remanejo algumas questões, busco pistas e, dando uma de Sherlock, quase pretendo resolver o caso [ou é no plural?].
Vejam, eu poderia estar escrevendo apenas poesia, mas alguma coisa fica ali, batendo na minha janela durante as noites em que vou montando o que pretendo que seja um livro. E o que bate?
Sim. São as mazelas de um país que era do futuro que não chegou.
Agora, nem mais os planos de saúde nos amenizam a vida, tampouco nos dão uma sensação legítima de segurança. Antes, brigávamos dizendo que nem deveríamos pensar em pagá-los, pois que temos um sistema de saúde público,; no entanto, nós os pagávamos e nos sentíamos mais seguros e com uma garantia a mais por isso.
Pronto. Tudo isso acabou.
Não há, neste momento, uma diferença substancial entre usuários de planos de saúde - e que por isso têm acesso a hospitais particulares- e usuários do nosso SUS [sistema único de saúde, que, para ser único, precisaria ainda galgar todos os degraus da escadaria da Penha, por exemplo!].
É isso.
E ainda ouvi, como muitos de vocês devem ter ouvido, ainda hoje, o sr. Dante Montagnana[presidente do Sindihosp-SP] afirmando que o problema é o fato de os planos de saúde continuarem vendendo e que, com isso, os hospitais 'levam a fama'.
Bem. Começou o jogo do 'empurra-empurra', pois agora, é claro, ninguém quer saber o que se faz com os milhões de usuários dos planos de saúde que pagam [e caro!] para terem acesso garantido a consultas eletivas e atendimentos de emergência nos hospitais particulares que não estão dando "conta do recado".
Ora. Sai perdendo quem, de novo?
Que pergunta!
Isso, isso. Nós. Sempre.
É...gostaria de dar boas notícias ao tempo que vem. Mas...como?
Do lado de cá, estamos nos virando como podemos: e sempre, infelizmente, à mercê e nossa própria incompetência, porque ainda não apendemos a bater panelas pelas ruas ou, ainda, boicotar todo e qualquer tipo de abuso.
Não. Não tenho soluções práticas.
Ainda que me debruce sobre isso noite adentro, dificilmente as encontrarei.
Do meu jeito, cumpro minha parte. Escrevo. E escrevo. E me enlaço, num abraço, ao povo que também sou eu.



Aglaé Gil,  de Curitiba – com formação em revisão e produção de textos; pesquisadora de História e Literatura; aprendiz de viver; poeta;mãe; cidadã. [não necessariamente nessa ordem]

Orquestra de Ukulele da Grã-Bretanha!

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Dois maestros se encontram - Zuenir Ventura

No sábado passado, o Teatro Municipal do Rio viveu momentos inéditos. Pela primeira vez, uma plateia de cerca de 2 mil pessoas aplaudiu, e com entusiasmo, uma escola de samba paulista e cantou em coro “Trem das Onze”, de Adoniran Barbosa. Também aplaudiu um cirurgião que só opera, não canta e nem toca. Extasiou-se com a voz do tenor Jean William, um jovem de 25 anos oriundo da periferia de São Paulo. E, sobretudo, se emocionou vendo o maestro João Carlos Martins segurando a batuta e regendo com desembaraço, um mês e meio após uma cirurgia que lhe devolveu os movimentos do braço e da mão esquerda, cujos dedos enrijecidos não se abriam. Há oito anos, quando os médicos lhe disseram que nunca mais poderia tocar piano (e até isso ele fez nessa noite) profissionalmente, por causa do golpe que recebeu na cabeça num assalto na Bulgária, ele decidiu se dedicar à regência.

Seis meses depois, já estava estreando na função, justamente no Rio, na sede do Centro Cultural Banco do Brasil. Ultimamente, porém, uma atonia muscular acometeu seu braço e mão, paralisando-os e fazendo necessária a recente e tão bem-sucedida operação. Agora, ele interrompia o concerto para lembrar isso e, chegando às lágrimas, homenageava o autor da façanha, o neurocirurgião Paulo Niemeyer, chamado pelo maestro de gênio. Presente ao espetáculo, o médico recebeu do público demoradas palmas.

O programa começou com Vivaldi, passou por Bach, autor preferido do maestro, e chegou a Villa-Lobos, acompanhado por percussionistas da Vai-Vai, cujo enredo, vitorioso do carnaval de 2011, foi “Venceu a música”, sobre a capacidade de superação do maestro. A partir daí o público delirou, principalmente quando veio a surpresa prometida: o Hino Nacional tocado em ritmo de samba, misturando instrumentos clássicos de sua Filarmônica Bachiana com os surdos, cuíca, pandeiro e tamborins da bateria da escola. Emocionante. O puristas podem não ter gostado, embora esse mesmo espetáculo já tenha sido aplaudido em importantes casas de várias cidades do mundo, inclusive no Carnegie Hall. De qualquer maneira, missão cumprida para quem já disse que seu objetivo é “chegar ao coração das pessoas”.

Mais tarde, num jantar na casa de Niemeyer, médico e paciente recordavam o procedimento, que consistiu na abertura de dois orifícios no cérebro, por onde foram introduzidos eletrodos que restituíram os movimentos perdidos. A operação, que durou mais de nove horas, teve que ser realizada com anestesia local, com o paciente acordado, para que o cirurgião fosse informado das reações.

Uma das maiores alegrias profissionais de Paulo Niemeyer foi quando, ao final, ordenou: “Agora rege... agora toca piano.” E foi obedecido, com uma batuta e um piano imaginários. Era um pequeno milagre realizado pelo maestro da neurocirurgia no maestro da música.


Fonte: O Globo

A mecânica de um braço - Ruy Castro

À fratura na cabeça do úmero esquerdo, quebrado em quatro pedaços, seguiu-se uma cirurgia de cinco horas. Mas precisei ter o local imobilizado durante dois meses e só então começar a fisioterapia para me dar conta da maravilha que é o funcionamento de um braço. É uma mecânica de absurda sofisticação, e da qual só nos damos conta quando ela nos causa incômodo e dor.

A princípio, ao conforto da tipoia e proibido de qualquer atividade, ainda brinquei de listar coisas que exigem os dois braços e talvez eu nunca voltasse a fazer -como se as fizesse todo dia-, como bater um lateral, cobrar um lance livre no basquete, levantar a Copa do Mundo, dar bananas para os desafetos ou enviar mensagens com bandeirinhas no convés do porta-aviões. Pois bastou o ortopedista me liberar para os primeiros movimentos para eu descobrir que mesmo o gesto mais simples pode ser uma obra-prima.

Levar a mão ao bolso traseiro para puxar a carteira, por exemplo, envolve um complexo de ossos, músculos, nervos, ligamentos e articulações numa operação quase desproporcional à banalidade do ato.
Levar água à boca com as mãos, conduzir o cinto pelos passadores da calça, lavar o cabelo, cortar um bife com garfo e faca, bater palmas no teatro, digitar com sete ou oito dedos, abraçar uma mulher -todos se tornam proezas, metas a se atingir um dia.

Mulheres com o mesmo problema me dizem que sofrem com tudo isso e até mais -impossível prender um colar ao pescoço ou desprender o fecho do sutiã nas costas.

Mas, a cada sessão de fisioterapia, o braço abre mais um grau ou sobe mais um centímetro. São grandes conquistas. Daqui a muitos graus e centímetros, conseguirei fazer de novo os movimentos que fazia e todo mundo faz, e temo que voltarei a dá-los de barato, como se não fossem nada demais.

Folha de S.Paulo

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Frio no sul do Brasil: atração turística - Martha Medeiros

"O pessoal não vem pra cá pelos nossos espetáculos ou por nosso patrimônio histórico. Eles vêm conhecer de perto esse tal de inverno"

O Rio tem o Corcovado, Salvador tem o Pelourinho, o Amazonas tem a floresta. Cada região possui um foco de interesse para estimular o turismo: natureza, monumentos, teatros. Em Porto Alegre, onde vivo, tem tudo isso também — até praia! — mas é o que menos se divulga. Nossa atração turística é peculiar. O pessoal não vem pra cá pelos nossos espetáculos ou por nosso patrimônio histórico. Eles vêm conhecer de perto esse tal de inverno.

Entre numa agência de turismo e procure um cartaz divulgando o Sul. É certo que encontrará imagens de vinho, fondue e lareira — essa composição fotográfica virou nosso Pão de Açúcar. A promessa é: você vai enfrentar temperaturas abaixo de dez graus: brrrrrr. Para muitos brasileiros do Norte, isso é tão inusual como é para nós gaúchos o fenômeno da pororoca.


São curiosas as entrevistas de rua realizadas com os turistas que se deslocam para a serra, onde estão Gramado e Canela. Por mais belezas naturais que estas cidades ofereçam, os viajantes não comentam sobre o que estão vendo, e sim sobre o que estão sentindo. E o que eles sentem é um frio de enrijecer ossos, de congelar mandíbulas. É aí que a viagem se paga. O adolescente que veio do Recife fica perplexo com a fumacinha que sai da sua boca. A moça que veio de Alagoas telefona pra mãe para contar que está vestindo gorro, casacão, cachecol e luvas, jura por Deus. O casal que veio de Goiânia tira dúzias de fotos segurando toda a neve que conseguiu juntar e que cabe na palma da mão. Não há suvenir mais cobiçado.


Há fartura de sol neste Brasil abençoado por São Pedro. E dá-lhe biquíni, cerveja, samba, futebol, surfe, tudo o que compõe nosso cartão-postal oficial. Já o Rio Grande do Sul, pra quem é do Sudeste pra cima e pros lados, não é o Brasil oficial. É terra estrangeira onde são experimentadas sensações térmicas abaixo de zero. É onde o inverno não acontece numa manhã de julho, e sim uma estação que dura três meses inteirinhos. É o Brasil que troca o chinelo de dedo pela bota de couro, o tomara que caia pela gola rulê, a displicência pela elegância. Sai o Brasil escaldante, entra o Brasil freezer. Sai o Brasil multicolorido, entra um Brasil gris, com uma atmosfera de cinema europeu. Um Brasil com cara de Brazil.


Aqui de Porto Alegre mando notícias para o Brasil com “s”: também temos praia, mulatas, samba, cerveja e um verão tórrido, de derreter concreto. Mas neste instante faz seis graus lá fora. É a época ideal para ficar na frente do fogo — e não raro de fogo: não esqueça que o vinho é tinto, farto e premiado. Se é nestas condições que somos mais atraentes, então que se cumpra o destino de sermos novidade para os sem-inverno. Venha e confirme que somos o Brasil que faz frio, mas não um Brasil sem calor.


 

Fonte: O Globo

Las Ocho Regiones Naturales del Peru


Via_shivi
Las Ocho Regiones Naturales del Peru, fueron reconocidas en 1941 por el Instituto Panamericano de historia y geografía, gracias a la propuesta del eminente geógrafo Javier Pulgar Vidal.

sábado, 23 de junho de 2012

A soma e o resto: um olhar sobre a vida aos 80 anos - Fernando Henrique Cardoso

No fundo estamos condenados ao mistério. As pessoas dizem, eu gostaria de sobreviver além da minha materialidade... Eu não acredito que vá sobreviver, mas , pelo menos na memória dos outros, você sobrevive.
Vivi intensamente isso com a perda da Ruth. Olhando para trás, é claro que ela estava com um problema grave de saúde. Apesar disso fizemos uma viagem longa e fascinante à China. É como se o problema não existisse. A gente sabe que um dia vai morrer e no entanto vive como se fosse eterno.
Depois da morte de Ruth e, mais recentemente, de outros amigos, como Juarez Brandão Lopes e Paulo Renato, eu me habituei a conversar com os que morreram. Não estou delirando. Os mortos queridos estão vivos dentro da gente. A memória que temos deles é real.
À medida que vamos ficando mais velhos, convivemos cada vez mais com a memória. Conversamos com os mortos. Por intermédio da Ruth, passei a lembrar mais dos outros que morreram, dos meus pais, meus avós. Os que morreram e nos foram queridos continuam a nos influenciar. O que não há mais é o contrário. Não podemos mais influenciá-los.
Eu não penso na morte. Sei que ela vem. Já senti a morte de perto. Não em mim. Senti a morte de perto nos meus. E procuro conviver com ela através da memória
Os que se foram continuam na minha memória e eu converso com eles. Minha mãe, meu pai, minha avó, minha mulher, meu irmão, meus amigos que se foram são meus referentes íntimos. Tudo isso constitui uma comunidade – posso usar a palavra – espiritual, que transcende o dia a dia.
Então, a morte existe, ela é parte da vida, é angustiante, não se sabe nunca quando ela vai ocorrer. Eu só peço que ela seja indolor. Não sei se será.
Ninguém sabe como e quando vai morrer. Pessoalmente, tenho mais medo do sofrimento que leva à morte do que da morte propriamente dita.
Se não é possível ter a pretensão utópica de sobreviver como pessoa física, é possível ter a aspiração de viver na memória, começando por conviver com a memória dos que se foram. Isso tem alguma materialidade? Nenhuma. Isso é científico? Não é. Mas é uma maneira de você acalmar sua angústia existencial.

 "Os mortos queridos vivem dentro de nós.
Os que morreram continuam a nos influenciar. Nós é que não podemos mais influenciá-los."
 SENTIDO DA VIDA

Aos 80 anos creio que cada um cria o sentido de sua vida. Não há um único sentido. Isso é muito dramático. Cada um tem que tentar criar o seu sentido.
Nesse ponto os existencialistas têm razão. É muito angustiante. Tem uma dimensão da existência que é inexplicável. Ou você consegue conviver com isso no dia a dia sem apelar para a transcendência – digo no dia a dia porque, de vez em quando, todo mundo apela... – ou você tem que criar algum sentido para justificar, se não explicar, o sentido das coisas.
Eu criei, imagino que sim. Achei que devia ter uma ação intelectual para entender e para mudar o Brasil.
Na verdade é isso que eu queria, mudar as condições de vida no Brasil. A literatura me influenciou muito, sobretudo a nordestina, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado. Depois as Vinhas da Ira, de John Steinbeck, sobre a revolta social na América da Grande Depressão. Ou mesmo Roger Martin Du Gard com Os Thibault e, já noutra direção, André Gide e, também, a metafísica de A montanha mágica, de Thomas Mann. Esse caminho da literatura me contagiou e me levou à política.
Passei a vida inteira tentando entender melhor a sociedade, os mecanismos que podem levar a uma sociedade mais decente, como digo hoje, não apenas mais rica, e sim mais decente.
Tem que haver, é claro, algum grau de riqueza, senão a miséria, a escassez, predomina e então não se tem nem liberdade nem igualdade. A escassez é a luta, a guerra pela sobrevivência. Tem que haver um certo bem-estar material. Além disso, porém, é preciso criar uma condição humana de dignidade, de decência, de aceitação e respeito pelo outro.
Tentei entender isso do ponto de vista intelectual e fazer a mesma coisa do ponto de vista político. Então acho que dei um certo sentido à minha vida. Esse sentido tem que ser dado por cada um. Não está dado que todos tenham que ter o mesmo sentido e haverá quem nunca encontre sentido na vida e fique batendo cabeça.
"Quando se vai ficando velho e, portanto, mais maduro, você tem que valorizar mais a felicidade, a amizade, essas coisas que, no começo da vida, parecem secundárias."
 Essa angústia vai ser permanente. Não tem solução. É parte da condição humana. Não sabemos de onde viemos, não sabemos para onde vamos. Tampouco sabemos por que e para que estamos aqui. O que não podemos é deixar que essa angústia da morte e da ausência de um destino claro nos paralise.
Cada um tem que inventar sua resposta. Cada um tem que dar sentido à sua vida. Ela não tem sentido em si. Esse sentido não está dado. Cada um tem que construir o seu sentido. E vai sofrer para encontrar.
Uma resposta está no próprio convívio com os outros. Inclusive com os mortos. Talvez isso arrefeça um pouco a angústia. Não se vive sem amizade, sem amor, sem adversidade.
Quando se vai ficando velho e, portanto, mais maduro, você tem que valorizar mais a felicidade, a amizade, essas coisas que, no começo da vida, parecem secundárias. Você continua querendo mudar o mundo, mas sabe que as pessoas contam
Embora eu tenha sempre me definido como mais intelectual do que como político, na verdade minha vida foi muito mais dedicada ao público. Isso vem da minha ancestralidade, da minha convivência familiar.
O sentido, para mim, sempre consistiu em buscar fazer alguma coisa que mude a situação mais ampla do que a minha própria. Nunca fui uma pessoa voltada em primeiro lugar para alcançar o meu bem-estar. Eu tenho bem-estar. Diria que quase sempre tive bem-estar. Mas esse não foi o meu valor.
Mesmo em termos subjetivos, a ideia de felicidade, nunca busquei com denodo a felicidade pessoal. Eu a tive de alguma forma, nunca me senti infeliz. Eu me dediquei muito mais a ver a situação dos outros. De uma maneira modesta, sem proclamar. Nunca andei proclamando, sou solidário, sou do bem. Mas levei a vida inteira pensando no mundo, pensando na sociedade, pensando nas pessoas, nos outros. O sentido que dei à minha vida foi construir isso.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Tempo de Rio+20 - Cora Rónai

 



Tive a sorte de não precisar aprender ecologia na escola; se precisasse, estaria em maus lençóis, apesar de ter estudado no progressivo Brasileiro de Almeida. É que sou do tempo em que ecologia era só uma palavra no dicionário. Lá em casa, porém, o substantivo era verbo do dia a dia. Laura e eu crescemos com plena consciência de que nem o planeta nem nossos pais tinham recursos infinitos; assim, desde crianças, éramos orientadas a apagar a luz nos cômodos onde não estivéssemos (“Não somos sócios da Light!”) e a não ficar horas no chuveiro. A primeira lição foi muito bem aprendida. A segunda, nem tanto — mas, até hoje, quando extrapolo no banho, sinto dor na consciência pelo desperdício de água.


A preocupação dos meus pais com o ambiente ia além dessas medidas simples. Quando construíram o sítio, nos anos 60, instalaram uma composteira, onde o nosso lixo doméstico era transformado em adubo, e correram atrás de aquecimento solar para a água que usávamos. O conceito era tão novo que Mamãe só teve sucesso na busca dessa tecnologia muitos anos depois.


Embalagens plásticas eram evitadas lá em casa sempre que possível. Desde que me tenho por gente, vejo Mamãe levando uma sacola de pano na bolsa. Durante muito tempo, aliás, bolsas assim não atendiam por “ecobag”, mas sim por “esquisitice”; Mamãe, porém, não estava nem aí. Outra coisa muito útil que aprendemos com ela foi não nos preocuparmos com a opinião alheia.


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Quando moramos nos Estados Unidos, estranhamos o uso alucinado de pratos, copos e talheres de plástico: será que poupar o trabalho de lavá-los compensava a poluição perpétua do planeta? Também não entendíamos os microcopinhos plásticos que continham uma colher de sopa de leite para o cafezinho. Custava deixar o leite numa jarrinha, junto ao café? Quatro décadas se passaram, e nada mudou por aquelas bandas. Continuo perplexa com o descarte de um copinho não biodegradável a cada pingado que se tome, com o uso indiscriminado de produtos plásticos descartáveis e com a quantidade de embalagens ecologicamente irresponsáveis.


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Reciclávamos tudo quando eu era criança, de pedaços de barbante a vidros de geleia. Até hoje não consigo jogar fora potes vazios, caixas bonitas, laços de fita. Mas o que menos se jogava fora lá em casa era comida. Isso ia além de princípio ecológico, e entrava na categoria pecado. Crescemos ouvindo falar das criancinhas da África e da Índia, e aprendemos a não pôr no prato nada além do tamanho da nossa fome.


Hoje o mundo produz mais alimentos do que se imaginava possível naqueles tempos, mas a noção de que comida é algo sagrado não se apaga só assim do DNA. Fico impressionada com a quantidade de frutas e legumes que ficam pelas calçadas nas feiras livres, e me faz muito mal saber que a comida que sobra nos restaurantes que servem por bufê ou por quilo vai para o lixo no fim do dia. Confirmando essa impressão de desperdício, o Ancelmo informou, domingo passado, que somos um dos países que mais jogam comida fora: segundo pesquisa recente do Banco Mundial, 61% do nosso lixo são restos de alimentos. A título de comparação, no lixo alemão encontram-se apenas 14% de material orgânico.


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Li uma reportagem, há alguns anos, sobre um grupo de resistência cultural californiano que só consumia o que encontrava nas lixeiras dos supermercados. Seus membros, que não faziam isso por razões econômicas, argumentavam que era um absurdo deixar de consumir um produto no dia 15 porque algum burocrata estabelecera que seu prazo de validade ia só até o dia 14. Para evitar ações do grupo, muitos supermercados passaram a destruir os alimentos antes de jogá-los fora. A polícia prendeu algumas pessoas que tiraram comida do lixo, mas não prendeu nenhum comerciante que destruiu comida. Isso me deu muito o que pensar.
Fonte: Jornal O Globo