Arno era oriundo dos países baixos, com mestrado e doutorado
na Holanda. Moço de boa índole, após o término do curso resolveu se estabelecer
no país do samba, futebol e cerveja. Não, não, não foi bem assim. Pela sua
capacidade ele foi convidado para trabalhar em São Paulo, sua função seria
supervisionar obras na América do Sul. No início a adaptação de Arno foi
difícil. De temperamento retraído, porém muito querido entre seus colegas de
trabalho, não se sabe porque que era tão assediado pelas colegas. Teve apenas
um breve romance com uma engenheira que conheceu em uma de suas viagens. Já
trabalhava na empresa há alguns anos, os seus amigos iam casando e Arno não se
resolvia. Era um holandês sonhador. Viajou muito, conheceu vários países, mas
coisas do coração nada. Filho amoroso costumava trazer seus pais para o Brasil
durante o período de inverno para fugir do frio glacial. E sempre que podia
voltava para o seu país de origem para visitar seus familiares. Isso durou até
Arno conhecer Mirabel que era oriunda de local bem abaixo da linha do Equador.
Mirabel não nasceu ela explodiu e, da explosão, saíram partículas de falta de
caráter para todos os lados. Cedo descobriu que possuía um trunfo nas mãos. De
família descendente de bugres era a única de pele clara. Á medida que foi
crescendo, no meio de dificuldades, tudo que desejava era ser rica um dia. Seus
pais eram de bom caráter. Costumavam dizer, Mirabel a vida não é bem assim. Aos
treze anos ela fugia no meio da noite e como moravam no subúrbio, costumava
pegar carona. Teve muita sorte por não ter sido molestada. Seus pais acordavam
no meio da noite e era sempre o mesmo suplício: Mirabel deixava a sua cama
desarrumada e fugia na calada da noite. Aos treze anos ela fugia para passear
na orla e ver as moças bem vestidas, os carros, os rapazes ricos. Caminhava
horas e horas até cansar e passava horas a observar os jovens, seu
comportamento, seu vestuário. Depois retornava para sua casa. Nos seus devaneios
ela se via entrando nas boates da moda com roupas de gente rica, bem calçada,
com uma bolsa cheia de dinheiro e um homem ao seu lado. O pior era quando
chegava o inverno. Ela passava o inverno inteiro torturando a sua família
dentro de casa. Aos dezoito anos ela já correra todas as agências de modelo,
hotéis, etc. Sua finalidade era caçar um pato rico. Amor ela não sabia o que
significava. Foi contratada para posar em eventos de carros com vestidos de
gala. Foi trabalhar em eventos duvidosos. Sua carinha era bonita e tinha corpo
de menino. Era uma tábua, como se dizia na época. Logo ficou manjada nos
eventos e resolveu ficar loira. Na sua fase de loira foi trabalhar numa boate,
sua função, entretenimento. Entreter os clientes. Porém logo foi despedida por
ser mal caráter, arrogante, agressiva. Apanhou um bocado e foi jogada no olho
da rua. Sua falta de caráter já estava lapidadissima. Era a encarnação do mal.
Certo dia foi convidada para fazer um comercial de chuveiro. Foi numa mostra de
decoração e não encontraram entre as jovens da cidade quem se dispusesse ficar
horas dentro de um biquíni reduzido, tomando banho ora na hidromassagem, ora no
chuveiro. Nesse evento ela foi convidada para outro evento. Esse era mais
interessante, sua função seria ficar dentro de um tubo de policarbonato,
pendurado num poste, onde ela deveria passar o dia, dentro do cubo, e se
comportar como se estivesse na sua própria casa. Mirabel não quis saber de
detalhes, perguntou apenas o valor e em que moeda. O cachê foi em dólares. Ela
aceitou na hora. Isso representava sua carta de alforria e seu sonho de ir para
capital. Ela agüentou firme o dia dentro do cubo, trocava de roupa várias vezes
ao dia, à noite dormia. Os primeiros dias foram muito movimentados, todos
queriam ver a moça dentro do cubo transparente e logo o povo perdeu interesse
pelo tal cubo e a moça. Mirabel recebeu o cachê, arrumou uma sacola e foi
direto para rodoviária. Embarcou para uma viagem que ia durar dezoito horas,
rumo ao futuro. Chegando na cidade, no primeiro dia procurou um hotel modesto.
Foi ao shopping fazer compras. Comprou um vestido de moça rica, sandálias e
mais algumas roupas. Maquiagem e perfumaria ela trouxe na sua sacola, pois
quando entrou no cubo ela recebera maquiagem, vestuário, etc. De posse das
novas compras ela voltou para o hotel onde se produziu, apanhou um taxi e foi
para se hospedar em outro hotel de luxo. Bingo para Mirabel! No hotel, ela se
arrumou, deixou suas coisas no quarto e desceu para o bar, já vestida para a
caça ao pato. E não esperou muito, logo apareceu um jovem senhor elegante. Ele
se aproximou, olhou discretamente, porque era educado, para a moça no bar. Ela
retribuiu com o seu melhor sorriso e perguntou para o bartender se ele conhecia
algum boliche pelas imediações. O bartender respondeu que ela estava muito
elegante para quem desejava jogar boliche. Mirabel afirmou que era para matar
as saudades do papai, pois ele costumava jogar boliche nos finais de semana.
Arno ouviu a conversa e convidou Mirabel para acompanhá-lo. Ela lhe disse que
não costumava sair com desconhecido. Ele apresentou todas as suas credenciais e
combinaram sair para jogar boliche na noite seguinte, pois naquele momento ele
estava aguardando alguém para jantar. Um jantar de negócios. Delicado, convidou
Mirabel que se mostrou surpresa, mas aceitou prontamente o convite. Durante o
jantar, ela se atrapalhou com os copos e os talheres, mas entendeu direitinho
que o negócio girava em torno de muito dinheiro e deduziu que Arno era um
magnata. Após o jantar eles saíram para dar um giro pela noite e convidaram
Mirabel, que não só aceitou como se revelou ótima companhia. Calava quando era
preciso, ligava suas antenas e sorria o tempo todo. Eles adoraram a sua
companhia. Na volta ela agradeceu e se despediu deles no saguão do hotel, pois
era moça de família. Arno não dormiu naquela noite pensando na moça
encantadora. Na manhã seguinte Mirabel acordou com o café da manhã servido no
quarto, flores que Arno mandou para lembrar o compromisso à noite: jogar
boliche. À noite Mirabel usou calça e camisa confortáveis, pecou pelo salto
altíssimo, usou pouca maquiagem, Arno achou que ela estava um encanto. A noite
estava agradável e eles foram caminhando até o boliche. Ao chegar, Arno notou
que o sapato de Mirabel não era apropriado para jogar e resolveram esticar em
um bar à beira mar. Arno contou a vida dele para Mirabel. Falou da família,
falou do trabalho, e Mirabel contou a dela. Contou estar na cidade para fazer
uma avaliação no sistema educacional, queria estudar e seus pais possuíam umas
economias e que eram pessoas simples. Arno ficou encantado e na volta disse que
ia viajar na manhã seguinte, porém estaria de volta dentro de cinco dias.
Mirabel explicou a ele que não podia lhe esperar. Não trouxera dinheiro
suficiente para pagar as despesas durante tantos dias, pois combinara com seus
pais estar de volta o mais rápido possível. Arno delicadamente pediu licença
para arcar com as despesas. Ela se mostrou preocupadíssima, porém aceitou. No
retorno de Arno eles foram para a cidade dela. Antes ela ligou para casa e explicou
toda a situação: que acabara de conhecer o homem de sua vida e que ele queria
conhecer os pais dela. Na viagem de volta ela passou boa parte explicando a
Arno que seus pais eram simples, porém muito honestos; o que era verdade. Ao
chegar próximo de sua casa, ela se desculpou junto a Arno que ficou
impressionado com tanta simplicidade. E naquela noite ele pediu a mão de
Mirabel e marcou a data do casamento. Não queria esperar. Três meses após eles
estavam casados e ele prometeu fidelidade e uma vida de muita alegria para sua
mulher. Os pais de Arno não gostaram da nora. Arno carregava Mirabel para todos
os lados. Viviam de malas prontas. Ela conheceu vários países até Arno resolver
que queria se estabelecer em local tranqüilo para criarem os filhos. Estava na
hora de formar uma família. Mirabel não gostou da idéia. Ele comprou uma
cobertura de frente para o mar, com peças de arte que arrematara em leilão e
foi ali que deu início à sessão de brigas e cobranças. Mirabel que alegou ter
se casado com ele pensando que ele fosse um magnata. Está certo que seu salário
era alto, mas a essa altura para Mirabel tudo era pouco. Ela começou a beber e
perder a compostura. Até que certo dia, cansado, Arno contratou um advogado
para fazer o divórcio do casal. Ele queria fazer tudo direitinho. Entregou um
cartão de visitas do advogado para Mirabel. Ela procurou o advogado e teve um
envolvimento amoroso. Arno cobrou agilidade do processo ao advogado. Ele tinha
pressa, pois pedira sua transferência para outro país. Dois dias após a última
consulta com o advogado, Arno foi encontrado morto. Sem divórcio Mirabel
tornou-se uma viúva rica, pois o seguro de vida de Arno era polpudo e ele ainda
estava recebendo uma pensão vitalícia do governo do país dele. Ela herdou tudo
e passou a dividir o edredom com o advogado. O moço não gostava de trabalhar e
a vida dos dois foi uma festa, vivendo de herança, como se o dinheiro fosse
eterno. Acabaram se separando e ela já não possuía quase nada. Hoje para
sobreviver ela aluga quartos para casais que não podem aparecer. Os encontros
são com hora marcada e à luz do dia. Tudo muito tranqüilo, num local familiar e
nobre. Mirabel tornou-se cafetina de luxo. Algumas vezes ela arruma alguns
amantes que vem passam uns tempos com ela, consomem drogas juntos e depois
desaparecem. Ela confidenciou a uma amiga que o advogado, seu ex, levou quase
toda a herança de Arno. Tudo o que restou foi a pensão e uma casa. Hoje ela se
droga para esquecer que já foi rica e desconhecia a lei do retorno. Vamos dar à
Mirabel o benefício da dúvida.
É na família que cultivamos nossas raízes. Se elas são
fortes, poderemos crescer e ter uma copa encorpada.
Um comentário:
Boa tarde!!!!
Realmente, a família é o nosso alicerce para a vida..É nela, qq acontece o nosso primeiro contato social e por meio dela nos são passados os valores morais, éticos e religiosos..Apesar de hoje ela estar desfacelada,é nosso dever promovê - la e dar continuidade aos laços afetivos qq nos unem.É mto importante salvaguardar a "Família"..pensando nas gerações futuras.Esse artigo nos tras uma baita reflexão..
Um abraço,
Ana Maria
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