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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Férias na África ou lições para a vida? - André Caldeira

Publicado por Revista Exame



Agora no final de janeiro tirei férias com minha família, por conta do aniversário de 40 anos da minha mulher. O destino, selecionado no ano passado depois de muitas pesquisas e cotações, foi a África do Sul.
Dias inesquecíveis: convivência 24 horas com minha mulher e nossos 2 filhos, paisagens maravilhosas, correria e cansaço, distância do trabalho, dos e-mails (OK, uma ou outra olhada na caixa de entrada de vez em quando), do I-Phone, da rotina de maneira geral. E algumas passagens que me fizeram pensar muito na perspectiva do dia-a-dia, do trabalho e de nossas vidas.
A primeira tem a ver com a interpretação de nossas intenções e gestos, e acho que isso vale também para a vida profissional, por conta de tantos ruídos e confusões que vejo como a dinâmica central de muitos times e empresas. Emissão e recepção da mensagem, intenção e resultado, causa e consequência.
Estávamos no alto da Table Mountain, um lugar espetacular na Cidade do Cabo, que fica a uns 500 metros de altura, com vista panorâmica da cidade. Em uma das centenas de fotos que tiramos, sentei na mureta, de costas para o precipício, para fazer uma pose para a foto que seria tirada por minha mulher, enquanto o Lucas, meu filho de 11 anos, me olhava. Resolvi brincar que tinha perdido o equilíbrio, e que estava caindo para trás… Depois dos gritos e da bronca da minha mulher em seguida, vejo meu filho sair correndo para um canto, de cabeça abaixada. Vou até ele para me desculpar e vejo que está chorando, muito nervoso.
“Desculpe, filho, papai só estava brincando. Não foi nada… Não é para tanto. Por que você ficou desse jeito?”
“Pai, eu pensei que você estava caindo. Não queria ficar sem você…”
“…” 
(eu, chorando junto, querendo me enforcar de ter feito aquilo, ao mesmo tempo que tomado por um amor tão grande, tão forte, que nem consigo expressar)
Passados alguns dias, fomos para o Kruger Park, para as experiências de safari no meio da selva africana. No primeiro passeio, o motorista nos avisa que haviam localizado um bando de elefantes, e que tínhamos que correr para chegar a tempo. Depois de algumas voltas e retornos, comunicação no rádio e sensação de protagonizar um episódio do Discovery Channel, paramos numa estrada deserta, com o pedido para ficar em silêncio. Alguns minutos de espera, somente os sons da floresta e mais nada. Eis que, a não mais de 5 metros do nosso carro, surge a mãe e dois filhotes, seguidos pelo pai, como que os protegendo. Elefantes enormes, imponentes, majestosos, passando por nós como se fôssemos simples pedras. A África se manifestando para mim por meio daqueles animais, mostrando a vida, a natureza, o planeta. E o mais forte: nosso tamanho no meio disso tudo. Fiquei pensando no quanto nos focamos somente em nossas vidas, em nosso pequeno mundo, em nossa sequência de dias de trabalho e entregáveis no escritório, e esquecemos que somos um pequeno grão de areia em uma engrenagem tão mais grandiosa, que não depende e não espera nossa contribuição para seguir em frente, e que faz isso todos os dias, enquanto estamos debruçados nos relatórios ou no computador. É a vida real e grandiosa que segue enquanto estamos no microscópio, no micro cosmos do capital, do market-share e do Excel, do próximo carro ou trabalho.
Outra passagem foi com o nosso tracker, que é o parceiro do motorista nos safaris, responsável por encontrar pistas e pegadas (tracks) dos animais. Elliot, nosso tracker, tinha 18 anos de experiência e um amor profundo por seu trabalho. Mas o mais impressionante era seu foco absoluto e uma capacidade de ver e ouvir o que nós, homens e mulheres de negócios, escolados e cultos, seres tecnológicos e modernos, não conseguimos sequer perceber. É como se ele estivesse em outra dimensão, com algum tipo de conexão especial incompreensível para nós. Uma história incrível que ele me contou foi a de que os animais herbívoros prestam atenção na direção do vento na savana, pois sempre que comem uma planta, a seguinte tem que ser no sentido contrário ao do vento. A razão? Porque as plantas emitem um sinal químico transmitido para a planta seguinte, uma espécie de SOS enviado com o vento, que faz com que a segunda planta libere componentes químicos, tornando suas folhas amargas. As plantas fazem isso, os animais sabem disso, o tracker me conta sobre isso e, por conta de minha cara de espanto e incredulidade, me olha como seu eu fosse um alienígena ou uma criança de 05 anos de idade… Novamente, tive a sensação de só estar vivendo na ponta do iceberg, de estar vendado e colocar a ponta dos pés em um oceano, achando que se trata de uma pequena poça d’água.
A próxima lição foi em um safari noturno. Estávamos tentando encontrar os leões, que haviam sido vistos por um outro grupo em algum lugar que eu jamais saberei sequer tentar explicar onde era. Depois de algumas horas, achamos os leões, um bando de uns 10, sendo um grande leão macho, duas leoas enormes e uns 8 filhotes. Já era quase de noite, e uma das leoas, gigante e caçadora, começa a rodear o carro. O tracker nos pede silêncio e imobilidade absoluta, dado o perigo. Clara, minha filha de 7 anos, está ao meu lado, e com muito medo. Na fileira da frente no carro, estão minha mulher e meu filho. A leoa para atrás do carro.
“Pai, vamos passar para o banco da frente, junto com a mamãe e o Lucas, pois a leoa está aqui atrás!!”
“Filha, vai você, pois não podemos nos mexer e sou muito grande”.
“Mas se a leoa atacar, ela vai pegar você primeiro?”
“Ela não vai atacar, Clara.”
“Mas se atacar, ela vai pular aqui atrás, né?”
“Filha, passe para a frente, no colo da mamãe!”
“Não, nem pensar. Vou ficar aqui atrás com você.”
“…”
Me senti protegido pela minha pequena leoa, disposta a vencer seu próprio medo e a brigar pelo pai, a não abandonar, a enfrentar o perigo e o eventual ataque (na cabeça dela) comigo. E agradeci pelo amor, pela lealdade, pela entrega. E pensei, de novo, na relevância de nossos gestos e palavras, na importância de defendermos aquilo ou aqueles que acreditamos ou amamos.
Por fim, fiquei profundamente impactado pela barbárie do apartheid, o quão recente tudo isso aconteceu, e pela figura de Nelson Mandela. Mandela é um herói para seu país, um exemplo de homem, de líder, de grandiosidade de propósito. Uma figura que mostrou ao mundo a força da determinação, a tenacidade na briga por uma causa e a importância da disciplina. Quando comparado a um homem santo, ele disse
“Lembre-se que um santo nada mais é do que um pecador que não desistiu”.
Férias na África ou lições para a vida?


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