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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Discurso de 1300 palavras sem usar uma única vez a letra ‘A’

DISCURSO SEM A LETRA “A”

Antonio Araujo Gomes de Sá
1918

O Dr. Hernani Lopes de Sá, de Ilheus, BA, recebendo cópia do discurso pronunciado por seu pai, o médico Antônio Araujo Gomes de Sá, que em 1918 foi admitido no Instituto Histórico e Geográfico da Bahia. Poeta, escritor e jornalista, foi também autor de um discurso sem verbos, publicado no seu livro Exotismo. A originalidade do discurso aqui publicado é que, em 1.300 palavras de texto para agradecer a indicação de seu nome naquele instituto, o Dr. Gomes de Sá não usou uma única vez a letra ‘A’ (Publicado na revista Pulso de 29/06/1966)



“Meus ilustres e digníssimos consócios. Meus Senhores.

Por mim, humilde membro que vou ser deste Instituto, eu vos direi sem orgulho em que me oculte: errou no que pretende, perdeu no que colime, esse que de mim muito esperou em prol deste luzido Grêmio que, sem o meu débil concurso, vive com brilho e vence com fulgor.

Sim. Porque eu, que neste momento vos dirijo um verbo simples e despretensioso, cumprindo somente o desejo de exprimir o sentimento de júbilo de que me possuo, por ser tido no vosso doce e utilíssimo convívio, no meu viver, quer como homem público, quer como eficiente de um tempo ido, sem dons que me nobilitem, sem luzes que me guiem no presente o rumo do futuro, em pouco, em muito pouco, posso proteger o curso luminoso deste conjunto de homens eminentes deste Grêmio benemérito. Por isso que, nem de leve, fulgem em mim resquícios de primor.

Fizestes, escolhendo-me vosso consócio, o que só costumo ver nos espíritos superiores e que, por isso mesmo, surtem vôos por sobre míseros preconceitos.

Eis o motivo por que me deixei prender nos elos do vosso gentil convite, e devo dizer-vos, sincero, quem fui, quem sou e quem serei, vencendo o pórtico deste Templo, repleto de fulgores.

Quem fui?

O débil rebento de um tronco bom e, sobretudo, honesto, em cujo viver de espíritos só virtudes vi florirem e vícios, nem de longe, pretenderem prender.

Eduquei-me sob o influxo do bem e tive por complemento dos meus humildes e virtuosos genitores um excelente mestre, conhecido de todos vós, que tem sido entre nós erguido em mil louvores, que nem lhe podem dizer o seu merecimento, entre os velhos, entre os moços e entre os que recebem no presente o brilho do seu espírito de eleito, fulgindo como um sol que incidisse nos pequenos cérebros, sequiosos de luz.

Do colégio, de que conservo vivo o exemplo do bem e do honesto, fui vencer o tirocínio superior, onde, por muito feliz, entre docentes e condiscípulos, conservei, desde o início, ouvindo Filinto, Leovegildo e Guerreiro, um nome sem deslizes, que desgostos me desse no meio de muitos outros, estudiosos como eu.

Tenho por mim, neste recinto, quem vos pode dizer se me exprimo sincero neste ponto.

Depois, colhido o louro de um torneio vencido, penetrei no mundo de desilusões, supondo – ingênuo que fui – fosse o viver somente um eterno sorrir.

Dentro em pouco, porém, vi que o sorriso dos moços nem sempre é o prenúncio de um futuro venturoso, e, sim, o prólogo de um sofrer contínuo ou de um existir repleto de desgostos...

E eu sofri!

Sem que desperte dores no recesso do meu dorido peito, eu vos direi: fúnebre dobre de sino, ouvido por mim, filho extremoso, pelo espírito desse que me deu o ser e que se foi, morrendo como um justo, entre outros golpes bem fundos, foi o primeiro que me fez sentir negrumes no viver.

Superior, porém, fui vencendo os óbices do existir, tendo, como tive e, felizmente, tenho, consorte e filhos, meus enlevos, que me impelem, cheio de vigor, no trilho em que me tenho conduzido neste mundo, rico de dores, e pobre, muito pobre mesmo, de momentos bons e felizes, como este.

Quem sou?

Um pequenino servo de Themis, que fiz do direito em si o ponto em que reside o imenso bem dos homens, e que Deus quis fosse tido por nós como virtude de virtudes, e que dele mesmo nos veio por intermédio do conhecimento que todos devemos ter dos nossos e dos direitos de outrem.

Quem serei?

Se fui o zero que vos disse, hoje sou um número entre vós e, no futuro, hei de escrevê-lo com um orgulho que eu mesmo nem sei como conte.

O meu íntimo sentir, que os vossos ouvidos percebem nos breves termos do meu singelo dizer, é tudo que de sincero reside nos refolhos do meu peito, todo cheio desse mesmo vigor e nobres volições com que tendes erguido o ‘Instituto Histórico’, que de mim só pode ter fogosos elogios.

No intuito que tive e bem vedes que cumpri, louve-se menos em mim o esquisito escopo, que o meu ilustre e glorioso mestre, doutor Ernesto Ribeiro, que recebe de um seu discípulo, num excêntrico discurso, os meus íntimos encômios, pois dele eu só tenho tido luzes e conselhos com que pudesse ser recebido neste Grêmio.

Ele, o emérito cultor do verbo que o celebrizou entre os profundos conhecedores do português, que encontre no meu gesto o empenho que tive de querer ser-lhe gentil, dizendo-lhe, de público, o muito bem que lhe quero e o respeito que lhe voto.

Consócios, sede indulgentes comigo!

Recebei-me como se eu fosse um proscrito que buscou o recolhimento deste teto, em que vejo luzindo os espíritos superiores dos conselheiros, nutrindo, como nutro, o desejo imperecível de tudo empreender em prol do brilho, em bem do progresso do ‘Instituto Histórico’, conhecidos, ‘urbi et orbi’, o seu merecimento e o seu fim, úteis de todo e de todo proveitosos.

Tenho dito!”

DISCURSO SEM VERBOS

Antonio de Macedo Costa

D. Antonio de Macedo Costa (Bahia, 1830-1891) estudou em Paris e doutorou-se em Roma. Teólogo notável, foi bispo no Pará e juntamente com D. Vital de Oliveira (bispo de Olinda) combateu a Maçonaria. Ambos foram presos e anistiados após um ano e meio.

Primeira regra de estilo, uma das principais e porventura a mais esquecida de todas: naturalidade por oposição a afetações ridículas.

Quanto no galarim da fama réu deste delito e quantos oradores, aliás dignos de encômios pelos dotes singulares de seu engenho e imaginação, responsáveis perante a crítica sisuda, pela falta de uma nobre simplicidade de estilo e boleio das frases.

Muita atenção, orador noviço, para este ponto capital.

Nada de ornatos supérfluos, apegados como parasitas ocos a cada palavra: miserável ouropel por cima de pensamentos muitas vezes ocos e sem solidez alguma, só para engano da vista de espíritos superficiais ou de mau gosto. Um brilho fosforescente e um deslumbramento passageiro, como o de um fogo de artifício, tal o único mérito desses campanudos oráculos do púlpito cristão.

Idéias porém sólidas e bem dosadas, ordem rigorosa de raciocínio, doutrinas exatas luculentamente expostas, isso nunca. Não assim Bossuet, os Bourdalouse, os Massilon e todos os outros grandes modelos da eloqüência do púlpito do grande século de Luís XIV.

Que nobre simplicidade! Que naturalidade sublime! Que opulenta sobriedade! Qual rio caudaloso por entre margens, ora severa e escarpadas, ora floridas e risonhas, mas sempre formosas de naturalidade, assim o pensamento desses famosos gênios, por entre a frase ora simples, ora mais ornada, sempre porém em relação com o assunto cheio de graças ingênuas, de louçainhas despretensiosas.

A cada um desses grandes gênios o seu merecimento próprio: a Bossuet sobretudo, em suas orações fúnebres, uma grandeza e majestade incomparáveis; ao nosso Vieira, apesar dos seus senões, uma sutileza, uma retentiva e uma fecundidade pasmosa; e assim os mais, cada qual com seus primores e as suas qualidades características, em todos porém a naturalidade e a simplicidade no seu último auge!

A frase sempre límpida, tersa, louçã; o estilo sempre acomodado ao pensamento, modestamente ataviado, sem arrebiques, sem enfeites pretensiosos e ridículos, sem todas essas lentejoulas tão em voga nas épocas de decadência literária.

Mas sobretudo no orador sagrado, no homem do Evangelho, no Ministro de Deus morto na Cruz, nada mais desairoso, em verdade, do que essas afetações de estilo! Ai! Onde aquele espírito dos varões apostólicos, onde aquela abnegação aos vãos ornatos da eloqüência do mundo?

Ministros do Altíssimo, culpados desta espécie de profanação da palavra santa! Desgraçados de vós por este abuso tão estranho dos dons de Deus e das graças do nosso divino ministério! Mas nem mais palavra! Sobre desvios como estes, só lágrimas e muitas lágrimas!"

FONTES:
http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.phtml?cod=713&cat=Discursos

http://augustovieira.trix.net/Estorias%20de%20Outras%20Plagas.htm

O texto foi enviado pelo meu amigo Nilson Ribeiro.

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