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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O Alzheimer, pelo paciente

Arthur Rivin – O Estado de S.Paulo de 03/02/2010

 Sou médico aposentado e professor de medicina. E tenho Alzheimer. Antes do meu diagnóstico, estava familiarizado com a doença, tratando pacientes com Alzheimer durante anos. Mas demorei a suspeitar da minha própria
 aflição.
 Hoje, sabendo que tenho a doença, consegui determinar quando ela começou, há 10 anos, quando estava com 76. Eu presidia um programa mensal de palestras sobre ética médica e conhecia a maior parte dos oradores. Mas, de repente, precisei recorrer ao material que já estava preparado para fazer as apresentações. Comecei então a esquecer nomes, mas nunca as fisionomias. Esses lapsos são comuns em pessoas idosas, de modo que não me preocupei.
 Nos anos seguintes, submeti-me a uma cirurgia das coronárias e mais tarde
 tive dois pequenos derrames cerebrais. Meu neurologista atribuiu os meus
 problemas a esses derrames, mas minha mente continuou a deteriorar. O
 golpe final foi há um ano, quando estava recebendo uma menção honrosa no hospital onde trabalhava. Levantei-me para agradecer e não consegui dizer uma palavra sequer.
 Minha mulher insistiu para eu consultar um médico. Meu clínico-geral
 realizou uma série de testes de memória em seu consultório e pediu depois
 uma tomografia PET, que diagnostica a doença com 95% de precisão. Comecei a ser medicado com Aricept, que tem muitos efeitos colaterais. Eu me ressenti de dois deles: diarreia e perda de apetite. Meu médico insistiu
 para eu continuar. Os efeitos colaterais desapareceram e comecei a tomar
 mais um medicamento, Namenda. Esses remédios, em muitos pacientes, não surtem nenhum efeito. Fui um dos raros felizardos.
 Em dois meses, senti-me muito melhor e hoje quase voltei ao normal.
 Demoramos muito tempo para compreender essa doença desde que Alois
 Alzheimer, médico alemão, estabeleceu os primeiros elos, no início do
 século 20, entre a demência e a presença de placas e emaranhados de
 material desconhecido.
 Hoje sabemos que esse material é o acúmulo de uma proteína chamada
 beta-amiloide. A hipótese principal para o mecanismo da doença de
 Alzheimer é que essa proteína se acumula nas células do cérebro,
 provocando uma degeneração dos neurônios. Hoje, há alguns produtos
 farmacêuticos para limpar essa proteína das células.
 No entanto, as placas de amilóide podem ser detectadas apenas numa
 autópsia, de modo que são associadas apenas com pessoas que desenvolveram plenamente a doença. Não sabemos se esses são os primeiros indicadores biológicos da doença.
 Mas há muitas coisas que aprendemos. A partir da minha melhora, passei a
 fazer uma lista de insights que gostaria de compartilhar com outras
 pessoas que enfrentam problemas de memória: tenha sempre consigo um
 caderninho de notas e escreva o que deseja lembrar mais tarde.
 Quando não conseguir lembrar de um nome, peça para que a pessoa o repita e então escreva. Leia livros. Faça caminhadas. Dedique-se ao desenho e à
 pintura.
 Pratique jardinagem. Faça quebra-cabeças e jogos. Experimente coisas
 novas. Organize o seu dia. Adote uma dieta saudável, que inclua peixe duas
 vezes por semana, frutas e legumes e vegetais, ácidos graxos ômega 3.
 Não se afaste dos amigos e da sua família. É um conselho que aprendi a
 duras penas. Temendo que as pessoas se apiedassem de mim, procurei manter a minha doença em segredo e isso significou me afastar das pessoas que eu amava. Mas agora me sinto gratificado ao ver como as pessoas são
 tolerantes e como desejam ajudar.
 A doença afeta 1 a cada 8 pessoas com mais de 65 anos e quase a metade dos
 que têm mais de 85. A previsão é de que o número de pessoas com Alzheimer nos EUA dobre até 2030.
 Sei que, como qualquer outro ser humano, um dia vou morrer. Assim,
 certifiquei-me dos documentos que necessitava examinar e assinar enquanto ainda estou capaz e desperto, coisas como deixar recomendações por escrito ou uma ordem para desligar os aparelhos quando não houver chance de recuperação. Procurei assegurar que aqueles que amo saibam dos meus desejos. Quando não souber mais quem sou, não reconhecer mais as pessoas ou estiver incapacitado, sem nenhuma chance de melhora, quero apenas consolo e cuidados paliativos.
 ARTHUR RIVIN FOI CLÍNICO-GERAL E É PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA

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