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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O candidato

Muito tempo atrás, no tempo em que o Rio de Janeiro era Distrito Federal, no tempo em que a Rádio Nacional era o maior veículo de comunicação de massa, no tempo em que O Cruzeiro era a grande revista nacional, no tempo em que o Brasil era o País do futuro, havia um comediante muito famoso: Silvino Neto. Para quem não sabe, ele era pai do Paulo Silvino, da Globo. Silvino Neto fazia um personagem conhecidíssimo, um herói atrapalhado, chamado Pimpinella (Pimpinella Escarlate). Era muito conhecido no Brasil inteiro e seus programas conseguiam audiências fantásticas.

Como eram tempos de pudicícia, seus programas de rádio eram maliciosos, cheios de subtextos e segundas intenções mas, aos nossos ouvidos de hoje, pareceriam as coisas mais inocentes do mundo. Piadinhas de recreio de velhinhas religiosas. Mas faziam um tremendo sucesso, pois as pessoas adoravam descobrir os significados ocultos sob uma superfície de humor inocente. Exatamente por isso, algumas gravações clandestinas feitas por ele eram disputadas a tapa e copiadas aos milhares.

Eram novelas pornográficas (“A pensão do Pimpinella”, “A escolinha da professora Pimpinella” e muitas outras). Eu tenho no meu arquivo algumas obras-primas de sua autoria, como “Uma corrida de cavalos” e a narração de uma suruba feita por um locutor de futebol. Momentos inesquecíveis de humor! Na suruba narrada pelo locutor de futebol, Silvino faz todas as vozes, inclusive as dos repórteres de campo, comentaristas e dos participantes, homens, mulheres e bichas. Toda vez que eu toco, a plateia chega a passar mal de tanto rir. Bem, o que importa é contar que um dia Silvino Neto resolveu se candidatar a deputado na Assembleia do Distrito Federal, também conhecida como Gaiola de Ouro.

Nem sei (nunca se soube) se ele queria mesmo se eleger. Pode ser que ele pretendia fazer apenas mais uma galhofa. Seu tema foi um dos mais honestos e ao mesmo tempo mais cínicos de toda a história da política no Brasil: “Eu também quero me arrumar”. E assim era seu discurso. Total desprezo para o exercício de qualquer atividade política. Como um Severino enlouquecido, Silvino pedia votos, pois achava que merecia se dar bem, arranjar uma boquinha e sair da merda. Não prometia nada em troca, nem ao menos gratidão aos seus eleitores. Os registros de sua campanha não apontam para nenhuma promessa, a não ser mercenarismo e malandragem.

Pois bem. Quando os votos foram apurados, descobriu-se que Silvino Neto tinha sido eleito por uma margem consagradora, inédita até então. Para surpresa geral, foi o candidato mais votado. O Ibope não fez pesquisa para determinar a razão dos eleitores em votar no Silvino. Se era uma maneira de protestar, como os eleitores já fizeram com Macaco Tião, Rinoceronte Cacareco, Cacique Juruna (o do gravador) e outros menos votados, ou se era uma sincera homenagem à sinceridade do candidato. Você acha que a história para aí? Tem mais, muito mais.

Tal como o personagem daquele filme do Rosselini, interpretado pelo Vittorio de Sicca, o General della Rovere (“De crápula a herói”, na versão nacional), baixou o santo no Silvino Neto, o deputado que só queria se dar bem. E ele fez um mandato excelente. Trabalhou como um desvairado na defesa dos interesses dos cidadãos. Não fez uma única falcatrua, não nomeou ninguém da família para coisa alguma, não trocou votos, não levou o seu, não arranjou cargos, não negociou nada. Só lutou para melhorar a vida dos cidadãos do Rio de Janeiro, sobretudo os mais pobres. Foi um exemplo de parlamentar. Nunca se soube porque ele resolveu trair os princípios que o elegeram. Mas existem muitos registros de sua atuação irretocável. Com este currículo, candidatou-se à reeleição, mostrando apenas o resultado de seu trabalho. Você deve estar adivinhando o que aconteceu: não foi reeleito.
Fonte: Coluna de Lula Vieira para o Propmark

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