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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

25 anos sem as Cataratas de Sete Quedas




Apesar do nome, eram constituídas por 19 cachoeiras principais, sendo agrupadas em sete grupos de quedas. Recordistas mundiais em volume d'água, as Sete Quedas eram o principal atrativo turístico de Guaíra, cidade que, à época, chegou a ter 60 mil habitantes, rivalizando em importância com as cataratas de Foz do Iguaçu. À época, Guaíra era um dos destinos brasileiros mais visitados por estrangeiros. Atualmente, a população da antiga cidade real espanhola é inferior a 30 mil habitantes.
Quando da construção da usina hidrelétrica de Itaipu, ocorreu uma super visitação ao parque nacional das sete quedas. Milhares de pessoas, de todas as partes do Brasil e do mundo, iam a Guaíra para presenciar os últimos dias das Sete Quedas. Devido à superlotação, em 17 de Janeiro de 1982 ocorreu a queda da ponte Presidente Roosevelt, que dava acesso ao salto 19, tendo como consequência a morte de 32 pessoas. No entanto, 6 pessoas sobreviveram, salvas por pescadores de Guaíra. A investigação apontou para uma dupla causa: primeiro, a falta de cuidado com a manutenção das pontes sob a presunção de que em breve as Sete Quedas seriam inundadas; e depois, o aumento descontrolado da visitação, pois todos queriam ver os saltos antes de seu desaparecimento para a formação do lago de Itaipu.
Em 1982, às vésperas dos 80 anos, o poeta Carlos Drummond de Andrade expressou sua inconformidade com a destruição do Salto de Sete Quedas, um patrimônio natural do Brasil e da humanidade.
Na edição de 9 de setembro, quando afinal se anunciava o fechamento das comportas para a criação do lago da hidrelétrica de Itaipu, Drummond publicou este poema no Jornal do Brasil. Em letras grandes, os versos ocuparam uma página inteira, a capa do Caderno B:

Sete quedas por mim passaram,
e todas sete se esvaíram.
Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele
a memória dos índios, pulverizada,
já não desperta o mínimo arrepio.
Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes,
aos apagados fogos
de Ciudad Real de Guaira vão juntar-se
os sete fantasmas das águas assassinadas
por mão do homem, dono do planeta.

Aqui outrora retumbaram vozes
da natureza imaginosa, fértil
em teatrais encenações de sonhos
aos homens ofertadas sem contrato.
Uma beleza-em-si, fantástico desenho
corporizado em cachões e bulcões de aéreo contorno
mostrava-se, despia-se, doava-se
em livre coito à humana vista extasiada.
Toda a arquitetura, toda a engenharia
de remotos egípcios e assírios
em vão ousaria criar tal monumento.

E desfaz-se
por ingrata intervenção de tecnocratas.
Aqui sete visões, sete esculturas
de líquido perfil
dissolvem-se entre cálculos computadorizados
de um país que vai deixando de ser humano
para tornar-se empresa gélida, mais nada.

Faz-se do movimento uma represa,
da agitação faz-se um silêncio
empresarial, de hidrelétrico projeto.
Vamos oferecer todo o conforto
que luz e força tarifadas geram
à custa de outro bem que não tem preço
nem resgate, empobrecendo a vida
na feroz ilusão de enriquecê-la.
Sete boiadas de água, sete touros brancos,
de bilhões de touros brancos integrados,
afundam-se em lagoa, e no vazio
que forma alguma ocupará, que resta
senão da natureza a dor sem gesto,
a calada censura
e a maldição que o tempo irá trazendo?

Vinde povos estranhos, vinde irmãos
brasileiros de todos os semblantes,
vinde ver e guardar
não mais a obra de arte natural
hoje cartão-postal a cores, melancólico,
mas seu espectro ainda rorejante
de irisadas pérolas de espuma e raiva,
passando, circunvoando,
entre pontes pênseis destruídas
e o inútil pranto das coisas,
sem acordar nenhum remorso,
nenhuma culpa ardente e confessada.
(“Assumimos a responsabilidade!
Estamos construindo o Brasil grande!”)
E patati patati patatá...

Sete quedas por nós passaram,
e não soubemos, ah, não soubemos amá-las,
e todas sete foram mortas,
e todas sete somem no ar,
sete fantasmas, sete crimes
dos vivos golpeando a vida
que nunca mais renascerá.

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