Aquela família era
o protótipo da família ideal, um pai e uma mãe que se amavam, e dois filhos
lindos, um menino e uma linda menina com quem a mãe gostava de brincar de
boneca. Moravam em zona nobre. Foi em uma época que uma importante estatal se
instalou na capital e para estimular os seus funcionários ofereceu várias
regalias, entre estas o financiamento de casas de alto padrão como forma de
compensação pela mudança de Estado e também um aumento significativo no
salário. Foi com toda essa mordomia que a família se instalou na nova cidade.
Foi a explosão imobiliária e demográfica e a pacata capital, com suas praias e
topografia linda, logo se tornou o paraíso na terra. Como sempre tem um porem,
com a chegada do alto escalão também chegaram os alpinistas sociais. Foi
simples, os jovens funcionários da empresa chegaram ao topo muito rápido sem
tempo para digerir todas as oportunidades, ficaram deslumbrados e passaram a
ser assediados pelas mulheres disponíveis que buscavam uma forma de melhorar
seu status. Para os homens ser fiel não era mais ponto de honra e logo ter
casos foi se tornando algo corriqueiro. Eles até gostavam de alardear seus
casos extraconjugais. Coisa bem de macho contar para o outro macho que estava
tendo um caso. E foi aí que a jovem mulher ficou sabendo do caso de seu marido
que negou tudo mas que logo estava caindo em tentação. E assim ainda viveram
juntos por mais alguns anos, até que o casamento acabou. Tudo foi dividido, até
os talheres e a samambaia, fora as colchas de crochê da mamã da cabeça do
casal. Com o dinheiro da venda da casa que ainda não estava quitada, eles
compraram dois pequenos apartamentos. O ex-marido foi morar com a eleita e a
ex-mulher ficou com os dois filhos. Foram levando a vida meio aos trancos, com
as crianças em idade escolar. Foram anos de penúria. Isso durou até a entrada
do filho na universidade. O rapaz foi estudar medicina. O pai do rapaz viu aí a
oportunidade de fazer uma pequena economia, e propôs ao filho ir morar com ele
em troca de um carro. O rapaz concordou, a mãe foi avisada do acordo e não
concordou pois a filha mais nova ainda estava cursando o colegial e as suas
despesas eram muito grandes. A mãe implorou para que o filho ficasse, e se não
por amor, mas por compaixão porque ela tinha um sub emprego que não dava sequer
para pagar o aluguel do imóvel onde estavam morando; porque para fazer frente
as despesas com a educação dos filhos, ela vendeu o pequeno apartamento que
comprara na época da separação. O filho não se compadeceu e foi morar com o
pai. A avó das crianças para ajudar a filha, como recebia uma pensão do
falecido marido, foi morar junto. E foi este arranjo que possibilitou a entrada
da neta na faculdade. A menina foi estudar bioquímica e o pai mais uma vez
apareceu para propor a compra de um apartamento financiado ou carro. A moça
estava morando em uma cidade próxima dividindo um sala e quarto com mais três
meninas, mas não aceitou qualquer oferta. Enfrentou anos de penúria, via a mãe
a avó passarem a morar em um quarto alugado em casa de uma família. Arranjou
trabalho na faculdade onde estudava, era uma excelente aluna e concluiu o curso
com louvor. Nunca se reconciliou com o pai ou o irmão que se formou em medicina
e foi morar no interior paulista sem procurar pela mãe ou pela irmã. O jovem
médico conheceu um enfermeiro durante o curso de medicina e se apaixonou.
Depois de formados foram morar juntos. Ele era muito grato pelo que o
companheiro fez por ele. Durante o curso quem deu suporte financeiro para que
ele conseguisse estudar e mesmo depois quando foi fazer residência, foi o seu
companheiro, porque o jovem foi deixado à deriva pelo pai. A bioquímica está
muito bem financeiramente e recebeu uma proposta irrecusável. A moça é uma
vencedora e as três mulheres continuam vivendo juntas. A avó, aconselhada pelo
médico amigo da família, foi fazer um curso de canto e conheceu um maestro,
senhor de setenta e três anos, que faz um trabalho social muito importante
junto a jovens carentes. Houve uma empatia entre os dois e ela aos setenta anos
está namorando. Não pensa em casar, ele até tentou convencer a eleita, mas
segundo ela, como estão vivendo já está de bom tamanho, e que o casamento não
vai fazer diferença, é só mera formalidade. A filha sofreu duas cirurgias no
coração, mas já está recuperada. Foi aposentada por motivo de saúde, mas está
começando um pequeno negócio. Ela está comercializando arte sacra e artesanato
estilo barroco fabricado em Minas Gerais. Conheceu um delegado da polícia
federal aposentado, estão namorando e ela não deseja casar, e também não deseja
morar junto. Está feliz e isso é que importa. A neta é pesquisadora, faz parte
da equipe de famoso cientista norte americano. Aos trinta e dois anos não pensa
em casamento, mas está de namoro assumido com um cientista que vem com
freqüência ao Brasil só para acompanhar sua amada. O irmão da doutora continua
morando no interior de São Paulo com o seu companheiro. O pai dos dois está com
saúde debilitada por conta do alcoolismo e como saiu da empresa onde trabalhava
só para receber o dinheiro da demissão incentivada, hoje sem aposentadoria vive
de uma pensão que sua ex-mulher lhe dá espontaneamente. Continua no mesmo
apartamento apertado. Teve mais duas filhas que são vendedoras de lojas no
shopping e não puderam estudar. Não se sabe se foi por falta de verba ou de
estímulo, mas, seja lá o que for, a vida para ele foi bem mais difícil, caráter
fraco, se enterrou no alcoolismo, e vive a margem da vida, sem o carinho e o
respeito de seus familiares, recebendo ajuda financeira justamente de onde
menos se esperava. Explica-se: aquelas mulheres são grandes guerreiras, elas
sofreram mas não desistiram de conquistar o seu lugar ao sol.
Restaurandora
de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi
classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros
publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais
domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura,
cinema, e a paixão de escrever.
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