Às vezes me surpreendo parado, a caneta imóvel entre os dedos e no papel uma frase
simplesmente incompleta.
Noutras é alguém que me cutuca, percebendo que fiquei ausente, o olhar atravessando
tudo, perdido num pensamento qualquer.
Estou ficando velho, distraído ( assim diz minha mulher ), e
então me dou conta que hoje o que mais me agrega valor à vida é o sonho,
o devaneio...
Quem sabe não seja a leitura de um belo romance ambientado numa
terra distante e desconhecida, aquilo que nos falta pra ativar a
imaginação, que nos fará também ter vontade de escrever a um amigo,
qualquer coisa, uma pequena bobagem que seja.
Percebo que o que dá cor à vida é dar descanso ao carro num fim de semana e sair por
aí, colhendo uma paisagem que se descortina e passa correndo pela
janela de um trem, bem diante da gente como verdadeiras telas em
movimento, substituídas a cada instante
por outra, outra e mais outra.
E ficar no fim da tarde embevecido ao escalar um pequeno platô de modo a assistir a um
mágico por do Sol, cheio de cores, gradualmente substituído por um crepúsculo de paz.
Mais tarde, imerso na noite de um sítio bucólico, sentar num
banco de madeira tendo lá em cima na vastidão de um céu profundo, uma
imensa Lua cheia, muito clara, que se desloca veloz numa ilusão de ótica
de encontro a núvens brancas e ralas , que vão se dissolvendo em novas
formas ao sabor do vento. Sentindo de vez em quando um leve arrepio
causado pela brisa suave que também mexe com as folhas das árvores,
inclinando delicados arbustos, espargindo o perfume das flores,
principalmente a fragrância adocicada de uma solitária dama da noite,
plantada alí perto por um poeta do passado. Tudo isso misturado ao
farfalhar das plantas rasteiras, do rumorejar de um córrego bem próximo,
e à orquestra natural de sapos e grilos, reunidos numa disputa inocente
por uma felicidade táo simplória.
Se pudermos estar a dois num momento como esse, tanto melhor.
Depreendo que quase nada dá mais sentido à vida que as pequenas
coisas gratuitas da natureza. Dentre as quais podemos escolher uma
infinidade de opções ao longo do mes.
Desde dias de chuva, com neblina espalhada pelos campos, manhãs radiosas de Sol
com mar em movimento, tardes em sossegadas cachoeiras, circundadas
por árvores guardiãs, noites escuras pontilhadas por pirilampos e
estrelas mil, distribuídas por galáxias infindáveis pelo universo... E
depois ainda, intercambiar tudo isso.
Não existe depressão que sobreviva na alma de quem num rítmo de reflexão serena,
observa assim a natureza a sua volta.
Há que se trabalhar, mas sem exageros, sem essa de workaholic,
nada de correria insana no dia a dia, horas e horas repletas de
atividades vazias de valor para no fim ficar com aquela sensação
desagradável ( um frio no estômago ) de que o tempo não foi suficiente
pra resolver tudo; gerando sem querer a insatisfação por algo que nem
sabemos definir direito, compensada quase sempre com a falsa euforia das
festas arranjadas via internet, pelos encontros sem identidade nas
baladas e boates, com noites mal dormidas,
substituídas por dias enfiados numa cama guarnecida por black-outs
nas vidraças, mantendo lá fora a alegria colorida do Sol, numa completa
inversão de valores, que tanto
mal faz ao nosso desprezado metabolismo.
Impossível não despertar com a cabeça pesada, gosto amargo na
boca e pensamentos ruins, maldizendo mais uma rotina que recomeça.
E assim o triste hábito se perpetuando, pessoas até à tampa de
ressentimentos, casais em eternas discórdias, vivendo dias sempre
iguais, sem poder sequer distingui-los um do outro, numa entediante
mesmice.
Podemos e devemos viver a vida de forma completa, utilizando um
pouco de tudo; trabalhando, estudando , lendo, conversando com amigos,
dançando, amando, meditando,
mas sobretudo vivendo em comunhão com a natureza, partilhando com ela a maior parcela do nosso tempo. A maior parcela, sempre.
Não há depressão que aguente, angústia que resista.
Nilson Ribeiro, poeta ao acaso desde menino, fluminense de 57 anos, dos quais 42 de labuta, lidando com gente de todo quilate, fiz disso inspiração diária pra aguentar os trancos da vida.
Nilson Ribeiro, poeta ao acaso desde menino, fluminense de 57 anos, dos quais 42 de labuta, lidando com gente de todo quilate, fiz disso inspiração diária pra aguentar os trancos da vida.
Um comentário:
Boa noite!1
Que lindo texto de Nilson Ribeiro..Viver em comunhão com a natureza nos faz mto bem em qualquer lugar, pois é dela qq se emana a nossa força para viver..Depressão, angústia é para quem não sabe sentir a beleza da vida..Amei!!!!
Um abraço,
Ana Maria
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