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sábado, 26 de janeiro de 2013

Em busca do amor - Nadia Foes


Corria o ano de 1960! Na época eu contava 13 anos, vivia em colégio de freiras e costumava passar as férias em casa de minha mãe. Não era minha casa! A casa de minha mão sempre foi dela, lá eu estava apenas de passagem. Pois foi naquela época que eu conheci dona Risoleta Schlosser. Dona Risoleta era viúva de um aviador, como se dizia na época. Era uma senhora idosa, hoje ela seria uma senhora “de meia idade”. De porte ereto e pernas finas, barriga saliente e busto grande, quadril estreito e por isso pariu uma única filha, que, na ocasião que a conheci, já poderia ser considerada senhora de meia idade. Ela era alta como Dona Risoleta porém com o corpo mais definido. Tinha um corpo bonito. As duas viviam juntas, pareciam dois troncos da mesma árvore e como a filha não era bonita ou agradável, porque saiu a mãe, de temperamento arrogante. Foi difícil arranjar namorado. Todas as moças da época já estavam comprometidas e a filha de dona Risoleta nada de alinhavar um bom partido, porque ela foi educada para casar bem. Dona Risoleta costumava dizer, em alto e bom som, minha princesa não se passa para qualquer um. No fundo dona Risoleta não desejava um casamento para sua filha, até porque ela, segundo as más línguas, só teve aquela filha para ter alguém garantido para cuidar dela na velhice. Sua filha chamava-se Rachel. Rachel aos trinta e seis anos e com medo de morrer sem ser “inaugurada” conheceu um oficial da aeronáutica que veio ao Brasil em missão especial. Que missão era essa nunca se soube. Poucas pessoas conheceram o ilustre oficial. O fato é que Rachel se perdeu de amores e no fogo da paixão foi inaugurada e o amor virou cinzas. Ela ficou, como se dizia na época, em estado interessante e aquilo foi uma bomba na sociedade conservadora da época. O noivo voltou para sua terra, era americano, e quem ficou a ver navios foi Rachel. Dona Risoleta, mulher decidida, não se amofinou, arrumou as malas, pegou Rachel e foi para a terra do Tio Sam onde permaneceu até o bebê nascer. Jack foi o nome escolhido para homenagear Jaqueline Kennedy. Pois Jack nasceu forte e linda. Só pode ter herdado a genética do pai. Nos Estados Unidos elas permaneceram até Jack completar dois anos e o dinheiro acabar. De volta para o Brasil trazendo a notícia da trágica viuvez de Rachel, ficaram as três: duas viúvas e uma órfã. Resumindo, elas mataram o Sr. Thompson, que era o pai da Jack, e voltaram para casa. Venderam a casa grande onde Rachel foi criada para se casar com o príncipe não se sabe de que casa real. Com a venda da casa, foram viver em uma rua de comércio popular onde possuíam uma casa assobradada que na parte de baixo funcionava uma loja de aviamentos e na parte de cima era um apartamento. O referido imóvel foi herança de dona Risoleta. Elas se alojaram na parte de cima da loja. As duas viúvas e a órfã viviam no apartamento escuro, sem ventilação, porém, no verão, e nas férias de julho, elas mudavam para o litoral, para a casa de praia onde uma varanda foi fechada para servir de quarto para pequena órfã. Na realidade a casa era uma edícula inacabada e, de puxadinho em puxadinho, se transformou em uma casa. Elas eram muito caprichosas. O local era muito simples, mas de efeito; tinha um jardim bonito na frente onde foi instalado um balanço para a pequena brincar. Era uma cortininha de crochê aqui, uma colcha estampada lá, bancos cheios de almofadas coloridas, espelho ladeado de anjinhos na parede, uma foto do pai de Rachel com modura oval, alguns vazinhos de porcelana de pendurar na parede que elas enchiam de plantinhas quando chegavam, uma poltrona velha coberta com tecido rústico, mesa e bancos toscos, mas muitas plantas e alguns trastes de gosto duvidoso, porem bonitinhos. Como a casa não tinha sala de jantar as refeições eram feitas na varanda da frente com direito a cortina para manter a privacidade. Na única sala mencionada acima também funcionava a cozinha e elas eram especialistas em “dar um jeitinho”. Dona Risoleta também se esmerou na arte de continuar arranjando um casamento para Rachel. Foi nessa época que ela teve a idéia luminosa que o marido ideal para sua filha seria o dono do cartório. Senhor de família tradicional e solteiro, como convinha. Porém o senhor em questão estava comprometido e casou com outra mulher. Jack foi crescendo com muito carinho da mãe e da avó e também foi preparada para casar bem. Era bonita e educada, possui pernas longas, tronco curto e um lindo rosto e uma cabeleira castanho clara muito bem tratada. Seu luxo era uma viagem anual para Miami, pois para bancar as despesas sua mãe e sua vó costumavam comprar coisas em Miami e vender para as amigas em casa. Era jogo de lençol de tergal, que era novidade, camisolas de nylon para as noivas, chinelinhos, cremes, perfumes, tudo sob encomenda. Elas contavam com um parente que era piloto da aviação civil e se encarregava de trazer todas as compras. Nada faltava para Jack. Estudou em bons colégios, mas não tinha vida social como suas amiguinhas. Aliás, nem tinha amiguinhas, porque a situação de sua mãe não era vista com bons olhos. Nunca se soube se sua se casou realmente com o Sr. Thompson, nem sequer se o Sr. Thompson existia, tudo era mera especulação. Aos 14 anos, bem desenvolvida e linda, Jack passou a usar um adesivo em forma de bicho na altura da coxa. Ela aparecia no primeiro dia de verão com o dito adesivo e só o tirava depois de bem bronzeada com Rayto de Sol. Era a moda entre a moçada usar Rayto de Sol para ficar bem morena. Depois de bronzeada ela retirava o adesivo que marcara a sua pele muito branca, parecia uma tatuagem cor de pele. Foi nesta época que dona Risoleta começou a dar explicações para todos os veranistas conhecidos e não conhecidos, o que significava aquilo. Era o amuleto da sorte dos guerreiros de uma tribo de índios americanos. Dizia que o Sr. Thompson era o herdeiro das pajelanças da tribo. Eram uns índios riquíssimos que tinham poderes tanto para curar como para destruir e que Rachel fora escolhida pelo pajé para ser mãe da reencarnação do pajé. E com a morte do pajé os poderes passaram para Jack que eram múltiplos. Esse fato correu de boca em boca. A sociedade ficou surpresa e curiosa pois correu de boca a boca, porem as portas continuaram fechadas para a moça de tão ilustre dinastia. E no final das férias ninguém mais comentava nada, para o desgosto de dona Risoleta. Aos dezoito anos Jack se enamorou e ficou noiva de um rapaz muito leviano em matéria de amor. Ela costumava andar sempre muito bonita e seu vestuário era muito diferente das meninas da época. Sua mãe costurava lindos vestidos bem rodados, coloridos e por medida de economia, na época, era comum encontrar sapateiros que fabricavam calçados para festas. A mãe de Jack encomendava duas solas, uma de salto brotinho e outra rasa, como se dizia na época. Nas laterais das solas haviam quatro alças onde Jack passava as tiras de tecido de retalhos de seus vestidos. Mas o vestido que ela mais usava era um vestido violeta com as tiras de mesmo tecido amarradas no tornozelo e nos cabelos longos ela transava uma tira do mesmo tecido e usava flores naturais coloridas do jardim de sua casa ou roubadas de algum vizinho. No dia de seu noivado, ela e o noivo, percorreram toda a cidade, de casa em casa, para participar o evento. Ela estava linda de violeta. O noivado durou um verão e o noivo achando que Jack merecia algo melhor, terminou o noivado. Jack foi se refugiar em casa de amigos de sua avó nos Estados Unidos, com passagens compradas a duras penas e amargou três verões sem namorado ou candidato a namorado, pois moça que foi noiva, naquela época, era considerada moça perdida. Na volta de seu auto exílio elas foram se refugiar na praia. No mesmo balneário onde Jack veraneava tinha um senhor que morava em uma casa de veraneio. A construção era de madeira, pintada de marrom com portas e janelas brancas, na frente um lindo jardim. Ele morava, durante os verões, nesta casa com sua mãe viúva e uma irmã solteirona. Jack apaixonou-se pelo jardim e acabou tornando-se amiga da irmã do senhor. E seis meses depois entrou na igreja de véu e grinalda e na vida social em grande estilo. O senhor, muito mais velho, muito alto, era riquíssimo, mas não ostentava. Ele aprendeu com Jack a viver a vida. Construíram a maior e mais bela casa de veraneio que se noticia até os dias de hoje e despertaram toda a sociedade da capital de seu sono profundo; todos queriam conhecer a casa de Jack e desfrutarem suas festas regadas do mais delicioso champagne francês e da companhia de astros do cinema, teatro nacional e internacional. Jack virou moda, ela tornou-se referencia. Tua o que ela usava virou moda. Até o carro que Jack dirigia passou a ser o sonho das mulheres e os seus maridos para se penitenciarem das escapadelas tratavam de comprar o mimo para suas esposas. Dona Risoleta passou a ter bons motivos para se orgulhar da neta e da filha. Até esqueceu da ilustre dinastia da neta ou do ventre abençoado de sua filha. Não precisou mais inventar histórias, porque a vida de Jack ultrapassou todos os limites do imaginário. Jack era a história.

Restaurandora de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura, cinema, e a paixão de escrever.

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