quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Conheça a rota da fuga dos bandidos para o Morro do Alemão
Marcos Uchôa relembra os passos da invasão à Vila Cruzeiro com os policiais do Bope e mostra lembranças deixadas para trás: motos abandonadas, marcas de destruição e até o corpo de um rapaz
A cena mais marcante desta semana de luta contra o crime no Rio de Janeiro ocorreu na quinta-feira (25). Centenas de traficantes fogem da Vila Cruzeiro, que naquele dia tinha sido ocupada pela polícia, em direção ao conjunto de favelas do Alemão, alvo da operação deste domingo (28).
Na sexta-feira, o repórter Marcos Uchôa voltou ao lugar da fuga e descobriu quem são os policiais da tropa de elite que desembarcaram de um blindado da Marinha e botaram os bandidos pra correr.
Era manhã de sexta-feira (26) e, no alto da favela da Vila Cruzeiro, uma estrada levava ao caminho de fuga dos traficantes. A tensão da véspera ainda estava presente. Depois da primeira curva, o repórter encontrou um soldado do Bope, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar.
E encontrou também uma das muitas motocicletas abandonadas. Pouco depois, mais alguns integrantes do Bope. Desde a invasão da favela na quinta-feira, eles estavam montando guarda sobre o território recém-conquistado.
“Eles ficaram na mata ontem. A gente chegou, desembarcou no blindado, trocamos (tiros) com eles. Depois eles fugiram. A única equipe que chegou ao local foi a nossa. Com o poderio que eles estavam, só com blindado da Marinha. Desembarcamos em cima deles. Nossa tropa desembarcou por trás do blindado, confrontamos com eles. Eles correram para a mata. Da mata a gente não conseguiu subir”, explicou o policial.
A patrulha do Bope, alerta, sobe estrada acima. Eles não sabem o que está pela frente e, tampouco, se algum traficante ainda está à espreita em toda a área. Eles conversam e lembram o confronto.
“Cada um deu um disparo ou dois. Só atirávamos quando estávamos vendo. Eles atiravam muito”, conta.
“Tem que ter cuidado. Pode ser um morador. O que não falta é morador querendo sair no meio do tiroteio”, conta um policial, enquanto outro completa: “Pessoal desesperado, doido pra ir embora”.
Era hora de continuar, mas não só a placa avisava o perigo. O repórter segue adiante sem a companhia do Bope, na estrada que em um pedaço ainda era asfaltada, e, pouco depois, encontra o que procurava.
No local, começa a estrada de terra por onde os traficantes fugiram no cerco à Vila Cruzeiro. O repórte fez exatamente o mesmo caminho de fuga deles, quando eles foram surpreendidos, como o Bope disse, com a rapidez com que os policiais chegaram e os cercaram. A fuga, a debandada dos traficantes, começou na parte de baixo e as imagens que a foram vistas, capturadas pelo Globocop, são as imagens da fuga através dessa estrada de terra.
Uma cápsula das armas dos traficantes que deram tiros foi encontrada exatamente no local. Foi em uma curva onde um franco atirador da polícia acertou um dos traficantes que caiu e depois foi ajudado por um comparsa para atravessar para o outro lado da estrada. No local, ainda havia uma sandália, provavelmente de um dos bandidos.
Um dos grupos que foi pela estrada decidiu não continuar e cortou caminho pelo meio do mato. É possível ver o início da trilha que eles pegaram.
E depois de uma das curvas, está o Complexo do Alemão, que era exatamente o ponto onde eles queriam chegar.
É com certa apreensão que o repórter avança um pouco mais. A curiosidade fala mais alto. O Bope não chegou até o local mostrado no vídeo, não foi até lá. Então, de certa maneira, o limite dos repórteres também é ali, já que é possível que encontrem os traficantes do Complexo do Alemão se prosseguirem pelo caminho.
A última imagem que o Globocop capturou foi exatamente de um grupo, um bando grande de traficantes, descendo em segurança do lado do Complexo do Alemão.
Na volta, o reencontro com os soldados do Bope. Homens que, de certa forma, foram a vanguarda, os heróis do ataque à Vila Cruzeiro, foram os primeiros a chegar e a ficar até o fim.
" Quando chegamos nesse ponto, o coronel falou ‘vamos, agora, dar à ré, colocar a parte traseira do blindado para o muro, e nós vamos desembarcar protegidos pelo blindado’. Aí que nós conseguimos desembarcar. Mesmo assim, recebemos muito tiro. Quando nós rechaçamos, eles seguiram para o mato", lembra um policial.
O curioso era que, no grupo que estava na frente, eram poucos. "Éramos doze. Tiramos 150", destaca o policial.
Como isso foi possível? Tão poucos botarem tantos para correr? Para o Bope, os blindados da Marinha fizeram toda diferença. Eles passaram por cima, atropelaram, ignoraram os obstáculos colocados pelos traficantes. Por isso, foi muito mais rápido do que se imaginava. E pôde-se ver o resultado pouco depois, no fim da tarde de quinta-feira.
A entrada da favela era quase um cenário de guerra. Em um dos largos, a visão que foi emblemática: um caminhão que ficou pegando fogo durante muito tempo e arrebentou um pouco da fiação. Do caminhão não sobrou praticamente nada. Andar pelo local é tentar imaginar o terror de quem vive perto do que foi o inferno.
Os policiais do Bope encontraram um arsenal que parecia vir do quartel deles próprios. Tinha tudo o necessário para um soldado do Bope: fardas, coletes, armas. Drogas e a aparelhagem normal do tráfico faziam parte do negócio e também foram deixados para trás. A quantidade de motos que estava na Vila Cruzeiro era impressionante, todas abandonadas pelos traficantes que fugiram, centenas.
Saiu o pessoal do movimento, porque o que se movia pela Vila Cruzeiro eram outros ‘pesos-pesados’. É possível ver a saída do blindado da Marinha, que entrou no começo da tarde desta quinta-feira e ia embora da Vila Cruzeiro, batendo, passando e assustando todo mundo. É claro que, quando eles entraram, o susto tinha sido muito maior para todos.
A noite vai caindo. A polícia ainda está naturalmente tensa, desconfiada. A falta de energia traz problemas imediatos e torna tudo mais fantasmagórico. Luz nessa hora só dos faróis dos blindados que continuam a ser utilizados. São refúgios para os policiais. Por dentro de um dos blindados, 20 soldados se acomodam até o inicio da operação.
A concentração principal de tropas é na parte de baixo, mas durante à noite precisam proteger a favela em vários pontos. É hora de ir embora e encontrar um lugar seguro para se passar a primeira noite dessa ‘transformada’ Vila Cruzeiro.
Dentro da comunidade, o breu é total. Mas a rua principal na entrada da favela ainda tem luz. Está tudo deserto.
“Hoje foi um dia de guerra. É uma força que veio para nos libertar, então, que realmente nos liberte desse problema, não pode recuar”, diz um morador.
Iluminada, a Igreja da Penha vela por todos. As horas passam e só os que não têm ideia dos perigos se atrevem a placidamente desfilar pelas ruas, como os porcos que caminham durante à noite.
Ainda está escuro e um trabalhador, relutante, cumpre o seu dever e vai à luta. Mas estranha estar sozinho. “Isso aqui é muito movimentado a essa hora, descem muitos trabalhadores, a maioria não está descendo porque está com medo”, diz.
Finalmente amanhece. Ainda atordoados, ressabiados, os moradores da Vila Cruzeiro tateiam, dão os primeiros passos dessa nova vida. E foi nessa hora que o caminho da fuga dos traficantes foi refeito.
Mas na volta, a Vila Cruzeiro ainda não estava pacificada. O repórter ouve barulho de tiros, primeiro era hora de se proteger e, depois, de correr. Caminhar pelo lugar não era passeio.
“Cuidado porque eles podem estar perto”, aconselha um policial.
O repórter entrou na favela: um beco, um labirinto e, no fim de uma escada, a surpresa: uma espécie de clínica, um pequeno hospital improvisado dos traficantes na Vila Cruzeiro. Maca, bandagens, instrumentos cirúrgicos. O necessário pra fazer, pelo menos, um curativo, algum tipo de operação nos traficantes, já que eles não podem ir pra nenhum hospital.
Do lado de fora, para os moradores da Vila Cruzeiro, a ocupação policial ainda era um pouco estranha. Todos aparentavam a tranquilidade de quem conhece o terreno. Mas para o Bope, cada casa, cada viela, podia ser uma ameaça. É um convívio ainda delicado.
Pouco depois, são os moradores que indicam o que era pior de tudo. Sobe a escada, atravessa um lixão, passa por alguns obstáculos e no alto, encontram o corpo de um rapaz. Aos poucos, os moradores se aproximam para ver. Ninguém reconhece o rapaz. Uma morte horrível. Infelizmente tão comum num local como a Vila Cruzeiro.
Marcos Uchôa se preocupa com as crianças: “Não leva as crianças até lá, não”, pede. Conviver com imagens de corpos e mortes violentas não deveria fazer parte da infância de ninguém.
Um garoto recolhe os cartuchos espalhados por tantos tiroteios. Já seria triste se fosse para brincar. Mas é para sobreviver. "Vendo no ferro velho por R$ 9, R$ 20, por aí", conta ele.
Postado por
ORACY
às
18:00
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Marcadores:
NOTÍCIAS
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário