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terça-feira, 5 de março de 2013

A mãe de Naná - Nadia Fóes


Ela sempre foi uma pessoa determinada. E não permitia afrouxamentos. Não era de se esperar de sua progenitora um temperamento tão arredio. Sua família era abastada. Seu pai teve o controle de imprensa nas mãos. Como não poderia deixar de ser sua governanta era inglesa. Aprendeu música, conhecia a história da Grécia antiga e sabia tudo sobre o império romano. Sua cultura geral era vastíssima. Era uma jovem bonita e muito inteligente e moderna. Casou cedo, já sabendo o que desejava da vida e do casamento. Seu marido era banqueiro como fora seu avô e seu pai. O casal teve três filhos, duas meninas e um menino. Era uma época em que as mulheres circulavam pela alta sociedade. A mãe da mãe de Naná montou a boutique mais badalada dos anos sessenta e Carnaby Street era a sua referencia fashion, o berço efervescente do movimento swiming. London, que ficou mundialmente conhecida por abrigar originais lojas de música e boutiques como o atelier da estilista Mary Quant, inventou a mini-saia. Sem dúvida a avó de Naná era vanguardista. A mãe de Naná era a segunda filha, era uma menina muito tímida, dizia que moda não era com ela, porém entendia muito bem de moda, só não era adepta, porque só usava uniforme escolar. Estudava em regime de semi internato. Se não estava no colégio, estava agarrada à saia da mãe. Quando completou doze anos era tão retraída que ganhou sua primeira máquina fotográfica, ficou tão encantada que passou a fotografar tudo e se aprimorou, fez estágio no estúdio de famoso fotógrafo da época. Já de posse de uma máquina fotográfica e ninguém segurou mais a menina. Nos desfiles de moda de sua mãe ela já fazia desde a iluminação à cobertura fotográfica com direito a créditos. Passou a viajar com sua mãe para abastecer as boutiques. Não perdia um lançamento de moda. Tornou-se braço direito de sua mãe. Certa ocasião sua mãe encomendou um vestido de alta costura de renomado costureiro. Seu motorista foi apanhar o vestido para a festa anual da mulher do chanceler do Reino Unido. Era um belo vestido, com saia em camadas e cada camada era assentada com fio de nylon para fazer flu-flu. O motorista colocou o vestido que estava em um cabide e com uma capa, no assento de trás do carro, e levou o vestido com todo o cuidado até a cobertura. Pois um dos fios ficou preso no elevador e a medida que o elevador subia o vestido se retorcia no cabide. O rapaz carregava outros pacotes que colocou no chão para ver que metamorfose era aquela. Foi aí que ele viu o fio transparente preso. Já era tarde, ele imediatamente voltou ao atelier do costureiro que acabara de sair com sua contramestre rumo ao aeroporto. Ele voltou e foi até a boutique onde a avó de Naná costumava ficar para dar conta do estrago. A avó de Naná não gostou da história porém entendeu que a culpa não foi do motorista e sim do costureiro que não colocara o vestido dentro de uma caixa como era de costume. O vestido era para ser usado com um magnífico colar de esmeraldas e diamantes. Pois Naná foi com a sua mãe pára a sala de costuras da boutique e escolheu um dos vestidos que estavam nas araras à espera do próximo desfile, que seria dentro de poucos dias. Naná escolheu um vestido roxo de Jersey modelo que elas trouxeram na última viagem à Europa. O vestido era um modelo transpassado com ousado decote em V, que Naná fez sua mãe usar nas costas, e ainda teve a ousadia de fazer sua mãe usar sapatos verdes com carteira igual. O vestido serviu para ressaltar as lidas jóias de sua mãe que foi capa de badalada revista de circulação nacional. A mãe de Naná, como jovem bonita, só foi descoberta no seu baile de debutante. Ela foi a debutante mais bela, passou a ser convidada para desfilar, ela até achava divertido um desfile ou outro porém a sua paixão era a fotografia, Amava tanto fotografar que resolver ir para a França, foi morar em Paris. Sua mãe tinha uma amiga cuja filha morava em Paris e Naná herdou o apartamento onde a moça morava e mais uma estudante, moça também retraída que também estudava na renomada Sorbonne. A mocinha passava os dias lendo Balzac e algumas vezes encarnava Serafita. Chegava a passar dias só a base de frutas para encarnar melhor a personagem. Era pura fixação. A mãe de Naná fazia ponte aérea Paris-Rio até encontrar no restaurante da universidade um lindo estudante de sociologia de quem ficou amiga e Serafita conheceu um estudante de artes cênicas e os quatro passaram a sair juntos. Levavam uma vida de estudantes, freqüentavam os restaurantes do Quartier Latin, o bairro dos estudantes com pouco dinheiro. Dois anos depois Serafita terminou o curso, e foi para os Estados Unidos com o seu namorado. A mãe de Naná já estava namorando firme e trouxe o namorado para conhecer os seus familiares. Os pais do pai de Naná na época viviam na Espanha. A mãe de Naná engravidou e casaram. Eles eram jovens belos e inteligentes e foram adotados como mascote de intelectuais famosos e todos envolvidos com o jovem casal, a mãe de Naná conta que Naná fez sua estréia na vida com cenário e figurino. O casal morava em um apartamento charmoso na Rue de Sommercard, vizinhos da Sorbonne. Ela conta que o apartamento era cheio de livros e de bom gosto. Tudo ali era muito gracioso, pois foi nesta época que o pai de Naná ficou mais envolvido com os acontecimentos políticos e passou a dar palestras e a lutar contra a ditadura militar que torturava o país. Ela ajudou muita gente abrigando e encaminhando, deu muito dinheiro para ajudar seus amigos saírem do Brasil, muitos dos amigos eram jovens de família que estavam na mira. Foi quando eles vieram para o Brasil, ele dava palestras e se mantinha no anonimato para proteger Naná e sua mãe. Não procuraram os familiares, pois nesta época o pai de Naná que temia pela integridade de sua família, estava aliado á família de famoso médico que muito contribuiu com o momento em que estavam vivendo. Eram momentos de terror e o médico ajudou muita gente a sair do país. O avô de Naná que financiou muitas obras públicas teve seus bens indisponíveis. O regime era autoritário. O banco ficou anos se segurando para não quebrar e o dinheiro mudou de mãos, e tudo foi se desmoronando. O avô de Naná adoeceu, foi fazer tratamento nos Estados Unidos. Tudo graças aos negócios do avô de Naná e acabaram ficando por lá, pois o tio de Naná já morava em Boston há alguns anos. A tia de Naná, que era casada com militar da aeronáutica se afastou dos familiares para se proteger e proteger os seus. Quando o pai de Naná desapareceu Naná e sua mãe foram levados para a residência dos médicos, onde viveram sob a proteção da família. A mãe de Naná teve que viver na clandestinidade e durante anos ela cultivou o hábito de falar com Naná sobre sua vida e quanto eles foram felizes com o amado Dadou, e como carregavam aquele baú de livros, perdeu a conta que quanto os livros foram despachados, foi o presente mais importante que Dadou deu à noiva. Naná não esquece dos passeios com seu Dadou, enquanto sua mãe assistia às aulas. Eles visitavam os jardins de Luxemburgo, o Panteão, e percorriam todas as tardes o Boulevard de Saint Germain, A mãe de Naná viveu para esperar a volta do homem amado. Como disse Victor Hugo no enterro de Balzac: “ele adormeceu jovem e acordou velho”. A mãe de Naná não viu sua juventude passar. A mãe de Naná afirma que o sol nunca deixou de brilhar porque Naná é o seu sol particular. Os seis anos em que ela viveu com Dadou ela foi muito feliz. A mãe de Naná é uma avó moderna que viaja, trabalha, costuma passar longas temporadas em Londres onde tem amigos e onde suas netas estudam no Royal College of Art. Ela gosta muito de visitar a Escócia. A palavra que a mãe de Naná desconhece é rotina, ela se renova todos os dias. Foi o que ajudou a moldar o caráter de Naná. Sem dúvida Naná é a dona da história.



Restaurandora de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura, cinema, e a paixão de escrever.

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