Ela sempre foi uma pessoa determinada. E não permitia
afrouxamentos. Não era de se esperar de sua progenitora um temperamento tão
arredio. Sua família era abastada. Seu pai teve o controle de imprensa nas
mãos. Como não poderia deixar de ser sua governanta era inglesa. Aprendeu
música, conhecia a história da Grécia antiga e sabia tudo sobre o império
romano. Sua cultura geral era vastíssima. Era uma jovem bonita e muito
inteligente e moderna. Casou cedo, já sabendo o que desejava da vida e do casamento.
Seu marido era banqueiro como fora seu avô e seu pai. O casal teve três filhos,
duas meninas e um menino. Era uma época em que as mulheres circulavam pela alta
sociedade. A mãe da mãe de Naná montou a boutique mais badalada dos anos
sessenta e Carnaby Street era a sua referencia fashion, o berço efervescente do
movimento swiming. London, que ficou mundialmente conhecida por abrigar
originais lojas de música e boutiques como o atelier da estilista Mary Quant,
inventou a mini-saia. Sem dúvida a avó de Naná era vanguardista. A mãe de Naná
era a segunda filha, era uma menina muito tímida, dizia que moda não era com
ela, porém entendia muito bem de moda, só não era adepta, porque só usava
uniforme escolar. Estudava em regime de semi internato. Se não estava no
colégio, estava agarrada à saia da mãe. Quando completou doze anos era tão
retraída que ganhou sua primeira máquina fotográfica, ficou tão encantada que
passou a fotografar tudo e se aprimorou, fez estágio no estúdio de famoso
fotógrafo da época. Já de posse de uma máquina fotográfica e ninguém segurou
mais a menina. Nos desfiles de moda de sua mãe ela já fazia desde a iluminação
à cobertura fotográfica com direito a créditos. Passou a viajar com sua mãe
para abastecer as boutiques. Não perdia um lançamento de moda. Tornou-se braço
direito de sua mãe. Certa ocasião sua mãe encomendou um vestido de alta costura
de renomado costureiro. Seu motorista foi apanhar o vestido para a festa anual
da mulher do chanceler do Reino Unido. Era um belo vestido, com saia em camadas
e cada camada era assentada com fio de nylon para fazer flu-flu. O motorista
colocou o vestido que estava em um cabide e com uma capa, no assento de trás do
carro, e levou o vestido com todo o cuidado até a cobertura. Pois um dos fios
ficou preso no elevador e a medida que o elevador subia o vestido se retorcia
no cabide. O rapaz carregava outros pacotes que colocou no chão para ver que
metamorfose era aquela. Foi aí que ele viu o fio transparente preso. Já era
tarde, ele imediatamente voltou ao atelier do costureiro que acabara de sair
com sua contramestre rumo ao aeroporto. Ele voltou e foi até a boutique onde a
avó de Naná costumava ficar para dar conta do estrago. A avó de Naná não gostou
da história porém entendeu que a culpa não foi do motorista e sim do costureiro
que não colocara o vestido dentro de uma caixa como era de costume. O vestido
era para ser usado com um magnífico colar de esmeraldas e diamantes. Pois Naná
foi com a sua mãe pára a sala de costuras da boutique e escolheu um dos
vestidos que estavam nas araras à espera do próximo desfile, que seria dentro
de poucos dias. Naná escolheu um vestido roxo de Jersey modelo que elas
trouxeram na última viagem à Europa. O vestido era um modelo transpassado com
ousado decote em V, que Naná fez sua mãe usar nas costas, e ainda teve a
ousadia de fazer sua mãe usar sapatos verdes com carteira igual. O vestido
serviu para ressaltar as lidas jóias de sua mãe que foi capa de badalada
revista de circulação nacional. A mãe de Naná, como jovem bonita, só foi
descoberta no seu baile de debutante. Ela foi a debutante mais bela, passou a
ser convidada para desfilar, ela até achava divertido um desfile ou outro porém
a sua paixão era a fotografia, Amava tanto fotografar que resolver ir para a
França, foi morar em Paris. Sua mãe tinha uma amiga cuja filha morava em Paris
e Naná herdou o apartamento onde a moça morava e mais uma estudante, moça
também retraída que também estudava na renomada Sorbonne. A mocinha passava os
dias lendo Balzac e algumas vezes encarnava Serafita. Chegava a passar dias só
a base de frutas para encarnar melhor a personagem. Era pura fixação. A mãe de
Naná fazia ponte aérea Paris-Rio até encontrar no restaurante da universidade
um lindo estudante de sociologia de quem ficou amiga e Serafita conheceu um
estudante de artes cênicas e os quatro passaram a sair juntos. Levavam uma vida
de estudantes, freqüentavam os restaurantes do Quartier Latin, o bairro dos
estudantes com pouco dinheiro. Dois anos depois Serafita terminou o curso, e
foi para os Estados Unidos com o seu namorado. A mãe de Naná já estava
namorando firme e trouxe o namorado para conhecer os seus familiares. Os pais
do pai de Naná na época viviam na Espanha. A mãe de Naná engravidou e casaram.
Eles eram jovens belos e inteligentes e foram adotados como mascote de
intelectuais famosos e todos envolvidos com o jovem casal, a mãe de Naná conta
que Naná fez sua estréia na vida com cenário e figurino. O casal morava em um
apartamento charmoso na Rue de Sommercard, vizinhos da Sorbonne. Ela conta que
o apartamento era cheio de livros e de bom gosto. Tudo ali era muito gracioso,
pois foi nesta época que o pai de Naná ficou mais envolvido com os
acontecimentos políticos e passou a dar palestras e a lutar contra a ditadura
militar que torturava o país. Ela ajudou muita gente abrigando e encaminhando,
deu muito dinheiro para ajudar seus amigos saírem do Brasil, muitos dos amigos
eram jovens de família que estavam na mira. Foi quando eles vieram para o
Brasil, ele dava palestras e se mantinha no anonimato para proteger Naná e sua
mãe. Não procuraram os familiares, pois nesta época o pai de Naná que temia
pela integridade de sua família, estava aliado á família de famoso médico que
muito contribuiu com o momento em que estavam vivendo. Eram momentos de terror
e o médico ajudou muita gente a sair do país. O avô de Naná que financiou
muitas obras públicas teve seus bens indisponíveis. O regime era autoritário. O
banco ficou anos se segurando para não quebrar e o dinheiro mudou de mãos, e
tudo foi se desmoronando. O avô de Naná adoeceu, foi fazer tratamento nos
Estados Unidos. Tudo graças aos negócios do avô de Naná e acabaram ficando por
lá, pois o tio de Naná já morava em Boston há alguns anos. A tia de Naná, que
era casada com militar da aeronáutica se afastou dos familiares para se
proteger e proteger os seus. Quando o pai de Naná desapareceu Naná e sua mãe
foram levados para a residência dos médicos, onde viveram sob a proteção da
família. A mãe de Naná teve que viver na clandestinidade e durante anos ela
cultivou o hábito de falar com Naná sobre sua vida e quanto eles foram felizes
com o amado Dadou, e como carregavam aquele baú de livros, perdeu a conta que
quanto os livros foram despachados, foi o presente mais importante que Dadou deu
à noiva. Naná não esquece dos passeios com seu Dadou, enquanto sua mãe assistia
às aulas. Eles visitavam os jardins de Luxemburgo, o Panteão, e percorriam
todas as tardes o Boulevard de Saint Germain, A mãe de Naná viveu para esperar
a volta do homem amado. Como disse Victor Hugo no enterro de Balzac: “ele
adormeceu jovem e acordou velho”. A mãe de Naná não viu sua juventude passar. A
mãe de Naná afirma que o sol nunca deixou de brilhar porque Naná é o seu sol
particular. Os seis anos em que ela viveu com Dadou ela foi muito feliz. A mãe
de Naná é uma avó moderna que viaja, trabalha, costuma passar longas temporadas
em Londres onde tem amigos e onde suas netas estudam no Royal College of Art.
Ela gosta muito de visitar a Escócia. A palavra que a mãe de Naná desconhece é
rotina, ela se renova todos os dias. Foi o que ajudou a moldar o caráter de
Naná. Sem dúvida Naná é a dona da história.
Restaurandora de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura, cinema, e a paixão de escrever.
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