Ana Badoglio Gentile Garofalis Michelotto, Anitinha,
cursou o primário, o ginásio e o clássico no mesmo colégio de freiras francesas
só para meninas. De origem greco romana, seu pai chegou da Grécia para tentar a
sorte, e no mesmo navio embarcaram a sorte e a sua família. A sorte contava 15
anos, Kanes, uma italianinha linda e muito falante. O pai de Anitinha contava
vinte anos. Seus pais estavam cansados da Europa pós-guerra e como alguns
parentes que já estavam no Brasil contavam maravilhas do povo brasileiro. A
viagem foi maravilhosa, o navio muito confortável, os senhores costumavam se
reunir para conversar no convés e as senhoras no salão. A família do pai de
Anitinha tornou-se amiga da família do pai da mãe de Anitinha. Aqui no Brasil
nasceu o primeiro filho varão do pai de Anitinha e foi batizado pelo seu novo
amigo grego. As famílias tornaram-se inseparáveis e como era de se esperar, a
sorte mãe de Anitinha casou com o filho do grego. A família de Anitinha era do
ramo têxtil, o negócio deles era seda. Eles sabiam que o melhor bicho da seda
existia em dois lugares, na Ásia e no Brasil. Só que para surpresa deles, aqui
no Brasil nada acontecia nesta área e o negócio foi importar seda até abrir a
sua própria tecelagem. A mãe de Anitinha já estava casada quando seus pais
abriram a tecelagem. A mãe e o pai de Anitinha tornaram-se sócios do avô de
Anitinha. A viga mestra nos negócios era a mãe de Anitinha. O pai de Anitinha
sonhava e esperava tudo cair dos céus. A mãe de Anitinha trazia o marido o seu
marido em rédea curta e cabeça ocupada para não dar trabalho. Formavam uma
família lindíssima e elegantíssima. Nas férias as crianças eram despachadas
para os parentes na Europa. Eles circulavam e recebiam com muita desenvoltura.
Foi neste meio que Anitinha, sua irmã e seu irmão foram criados. Aos dezoito
anos Anitinha foi morar na Europa onde permaneceu até os vinte e quatro anos.
Passou uma temporada em Paris, capital da moda, e na volta estava preparada
para trabalhar com seus pais. Menina calma, discreta, elegante e bonita foi a
coqueluche da época. Era assim que se dizia a respeito de que está acontecendo.
Ana, Anita aconteceu e encontrou o seu priancipe, lindo, alto, loiro de olhos
azuis, elegantíssimo, filho de família conceituada, advogado, sócio de seu pai,
advogado renomado, namoraram durante um ano, tudo da maneira tradicional. Ele
concordou em deixar Anitinha trabalhar na fábrica. O casamento foi suntuoso, a
festa belíssima. Foi realizada nos salões do clube mais freqüentado da época. O
vestido de noiva foi confeccionado por renomado estilista italiano, aquele da
Praça de Espanha próximo da escadaria, em Roma, cujos portões têm suas
iniciais, o rei da alta costura. Anitinha estava deslumbrante. Seu noivo usou
um fraque muito bem talhado e estava elegante e lindo! A festa foi um caso à
parte. A tecelagem trabalhou praticamente para a família durante dois meses. As
toalhas eram de sede pura pérola bordada.Todas as mesas vestidas. No centro de
cada mesa uma ânfora de cristal lalique com rosas champagne e dois castiçais de
cristais lalique. A porcelana foi Rosental, As cadeiras do clube receberam capa
de seda pura com as iniciais dos noivos bordadas. Na mesa de doces, candelabros
da ilha de Murano, belíssimos. A igreja foi ricamente ornamentada. Unindo os
bancos, laços de seda pura arrematavam drapeados ricamente bordados; os
tocheiros ouro de ferro forjado, com donzelas de cristal Murano; passadeiras
marrom com detalhes em rosas. A amostra veio dos tapeceiros que fazem a conservação até os dias de hoje
no Palácio de Versalhes. São gerações de famílias tapeceiras. Eles costumam
vender seus produtos em lojas na cidade de Versalhes, sede de importantes
acontecimentos históricos de interesse francês e internacional. Foi em
Versalhes que se assinou, em 28 de junho de 1919, o tratado entre a França,
seus aliados e a Alemanha, o qual pôs fim à primeira guerra mundial. Pois foi
de lá que chegaram as amostras de tapeçaria para ornamentar a cerimônia
religiosa do casamento de Anitinha. A orquestra de violinos foi importada de
São Paulo e, como não podia deixar de ser, Antonio Vivaldi entrou na festa. O
grande compositor veneziano, o padre vermelho como era conhecido,em virtude da
cor de seus cabelos. Para esta festa compareceram gregos e italianos. Um hotel
foi alugado para hospedar os convidados, as expensas do pai da noiva. Foi o
casamento do ano, até parecia comemoração de coroação da família real. Na
entrada da noiva, o cortejo foi de seis damas ricamente vestidas. Na nave da
igreja duas meninas tocam flauta doce, vestidas de princesas. Foi com todo este
aparato que Ana Badoglio Gentile Garofalis uniu a sua vida à vida de Manfredo
Strozzi Micheletto. A viagem do casal foi nas Ilhas Gregas e Costa Azul.
Quarenta dias depois eles voltaram para habitar o famoso Casarão das Rosas,
onde Manfredo nasceu. Anitinha continuou trabalhando na tecelagem, coisa rara
na época. Na ocasião eles tinham um séquito de nove empregados domésticos. No
ano seguinte ao casamento Anita deu a luz uma menina e ano seguinte um menino.
Três anos após outra menina. A vida do casal era um conto de fadas, era o que a
cidade comentava. Seus filhos cresceram, foram bem sucedidos. A filha casou, a
festa foi quase tão suntuosa quanto a de sua mãe. O casarão foi tombado pelo
patrimônio histórico, porém continuava lindo e bem cuidado. Neste ambiente de
conto de fadas que Anitinha sempre recebeu os amigos. Foram levando a vida e
foram levados pela vida. O filho de Anitinha foi morar na Itália. Ela ficou só
com a filha mais nova em casa que já estava trabalhando com a família na
tecelagem. Seu marido continuava lindo, soberbo e educadíssimo. O casal era a
imagem da felicidade. Anitinha levava uma vida super ativa, até que em certo
dia estourou uma bomba que fez um estrago na sociedade conservadora. Anitinha
estava divorciada. Saiu da audiência divorciada e de mãos dadas com Manfredo. E
Ana Badoglio Gentile Garofalis Michelotto e Manfredo Strozzi Michelotto estavam
oficialmente divorciados e amigos. Ao sair do fórum de mãos dadas eles deram uma
lição de civilidade. As amigas esperando com ansiedade o encontro mensal em
casa de Anitinha. A mais afoita ligou para Anitinha para saber onde seria o
encontro. Anitinha confirmou, todos compareceram, alguns com certa tristeza,
outros por curiosidade. Anitinha e Manfredo receberam da mesma maneira natural
como sempre fizeram durante quase quarenta anos (o filho mais velho do casal
estava com trinta e cinco anos). A filha recebeu os jovens, foi tudo perfeito.
O último a sair da festa foi Manfredo. Neste meio tempo o filho de Anitinha
voltou da Europa e anunciou o seu casamento. Anitinha ficou encarregada de
organizar a festa à sua maneira. Os pais da noiva não eram tão ricos. E pelo
gosto dos noivos quanto mais simples melhor, porque diante da situação da mãe
do noivo, os jovens sabendo o quanto ela gostava de receber deixaram tudo ao
seu encargo e foi uma temporada de correrias dentro do casarão. Anitinha e
Manfredo pensaram em tudo, organizaram a festa, vestido de noiva, cerimonial.
Durante seis meses Manfredo e Anitinha, Anitinha Manfredo, estiveram
ocupadíssimos. O casamento foi como não poderia deixar de ser, magnífico. A
festa perfeita, a noiva linda. O cortejo teve cenário e figurino. Famosa
revista fotografou o casamento. Anitinha e Manfredo estavam emocionados e
felizes. Circulavam durante a festa sempre de mãos dadas e atenciosos.
Continuavam elegantes, lindos e felizes. Todos os convidados afirmaram que
Anitinha estava lindíssima, chic e o Manfredo um lord. Os noivos foram viajar
para Espanha. Na volta se instalaram no apartamento novo e seis meses após
nasceu a primeira neta e Anitinha e Manfredo. Foi uma alegria imensa, A festa
de batizado foi realizada nos jardins do casarão; um altar foi montado ao ar
livre. Foi inesquecível, e bebê usou o mesmo camisolão que seu pai usou quando
foi batizado. Logo depois deste acontecimento Anitinha passou mal e foi para os
Estados Unidos onde permaneceu durante oito meses e sem diagnóstico. Os exames
mais sofisticados foram realizados. Ela perdeu dez quilos e os médicos já não
sabiam mais o que fazer, até que seu filho viajar para um congresso e um médico
amigo acompanhou o rapaz e na volta foram visitar Anitinha. O diagnóstico do
amigo foi doença psicossomática. Não deu para entender, Anitinha tão em paz com
a vida, mas a separação mexeu com os seus ânimos e agora isso. Manfredo se
desesperou e foi buscá-la. Na volta ele se instalou por alguns dias na sua
antiga morada para fazer companhia para a mãe e seus filhos. A cidade apostou
em uma reconciliação e a família também. Anitinha se recuperou, voltou a
receber os amigos e ao trabalho, sempre muito discreta e elegante. Manfredo
voltou para a casa dele e tudo voltou ao normal. No dia do aniversário de
Anitinha ela resolveu comemorar à tarde no jardim. Ela ofereceu um almoço e a
noite ela reservou para seus familiares. A festa, como sempre, foi perfeita. Pois
no meio da tarde com todas as senhoras e senhores presentes o portão da entrada
para garagem que fica nos fundos emperrou. São dois portões para carro. Um deles
já estava emperrado, só estava funcionando um. Manfredo buzinou e um dos
senhores foi saudar o ex-marido da anfitriã, seu amigo. O portão estava
emperrado mesmo, o antigo mordomo da casa que já estava aposentado ajudou a
abrir o portão. Manfredo estava usando o conversível de capota baixa. Ao seu
lado, o jovem mais lindo que aquelas senhoras já tinham visto. Forte, queimado
de sol e irradiando felicidade. Cumprimentou a todos os presentes. O jovem foi
apresentado como amigo de Manfredo. Anitinha caiu sentada em uma poltrona e não
pronunciou mais uma palavra e uma de suas amigas entendeu a situação e convidou
todos para se retirarem, pois a festa estava chegando ao final, que Anitinha
devia descansar para a segunda rodada. Todos se despediram, Anitinha continuou
muda. Foi para seu quarto. Se produziu para a festa noturna. Seus convidados
chegaram na hora marcada. Anitinha puxou sua cadeira estilo Josefina, ou
melhor, estilo Império, e se posicionou bem no meio da sala e permaneceu
estática, não falou mais com ninguém. Foi levada para Nova York, porém não se
descobriu o que ela tem. Continua muda. Seus cabelos estão caindo. Ela
atualmente está morando em Miami com Manfredo e o fauno amante dele. Os dois
estão se revezando nos cuidados e mais duas enfermeiras cuida dela que está
alheia a tudo, continua em estado de choque. A mãe de Anitinha conta oitenta
anos e o pai de Aninha, 85 anos. O casal está se revezando nas idas a Miami em
busca da filha. Eles compraram uma casa ao lado da casa de Manfredo, em Miami, estão
tentando resgatar a filha que fica agitadíssima quando se fala em mudar de uma
casa para outra. A sobrinha neta de Anitinha que é psicóloga já deu a opinião
como parente. Tia Anitinha sofre de uma doença grave, fixação chamada
Manfredo.., Debaixo do tapete de Anitinha e Manfredo tem muito lixo escondido,
é bom nem pensar... A pergunta é até quando o fauno vai agüentar a situação. E
que situação!
Restaurandora de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura, cinema, e a paixão de escrever.
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