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quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O que era para ter sido e não foi - Nadia Foes

A violência ainda gigantesca. A violência domestica, assalto, furtos, crimes contra criança, contra os animais, contra os idosos, contra os diferentes, até dentro de nossas casas. Dá até medo de ligar a televisão, pensou ela. E, de repente, lembrou, hoje tenho que ir até o centro. Pegou o carro e saiu. Encontrar onde estacionar é que era a grande dificuldade. Depois de algumas voltas, encontrou lugar em um daqueles estacionamentos explorados por flanelinhas. Fechou o carro e foi fazer as compras. Na volta jogou os pacotes no banco traseiro e fechou a porta. Nisso chegou o guardador e ela estendeu duas notas de um real. Ele olhou e disse: isso não dá tia, gringo está pagando em dólar e isso só para pagar um café. Ao que ela retrucou: em primeiro lugar não sua tia e segundo não tenho mais dinheiro. E deu início a uma discussão. Ela alegando que não era gringa e sim da cidade e ele fazendo pressão. Foi quando ela viu que várias pessoas iam passando e fingindo que nada estava acontecendo até que uma senhora estacionou o carro perto do carro dela e sequer olhou para os lados. Ela pensou, graças a Deus, essa senhora na hora e foi avisar a polícia que está na esquina. Esperou e nada. O rapaz cada vez mais agressivo até que ela ligou o motor. Ele pulou para a frente do carro e quase deitado no pára-brisa gritava: me dá a bolsa!!! Ao que ela respondeu: não vou dar nada e sai já daí da frente senão eu vou passar por cima de você. E ele ficou segurando a frente do carro e rindo. Quando ela olhou para aquela boca, faltando alguns dentes, aquela boca horrorosa, dizendo: ô tia, ô tia, ta com medo, ela respondeu: não tenho medo de nada e estou dando o último aviso, saia ou passo por cima. Ele não saiu e ela acelerou e saiu a toda velocidade. Da esquina ainda olhou pelo espelho e viu que ele estava vivo e já atazanando ávida de outra pessoa. Passou pela polícia na esquina, deu o aviso e foi para casa. Lá chegando teve uma crise de choro. Chorava e agradecia a Deus por não ter acontecido uma tragédia. Como ela poderia deitar a cabeça num travesseiro e dormir depois de matar um homem. Afinal era ela ou ele. No dia seguinte, tentou pegar no carro mas não conseguiu. No outro tentou mais uma vez e acabou ficando alguns anos sem dirigir na cidade. Na praia ela dirigia para todos os lados. Ia de uma praia a outra, pegava estrada, na cidade nada. Um belo dia, em uma discussão com o marido, ela disse: você não entende, vou pegar um instrutor de auto-escola para dar umas voltas pela cidade e enfrentar o medo. Depois, estou sem carro, o que eu usava foi roubado e quer saber de uma coisa: você jamais me deu um carro; diga, algum dia você pôs um carro em meu nome? Passado algum tempo, um cliente dele não tendo dinheiro para fazer o acerto financeiro, pagou uma parte em dinheiro e outra com um carro preto, que o marido pôs em nome dela. Era um carro usado, mas para ela era o máximo. Ela agora poderia sonhar, depois de tantos anos ela amou a idéia de ter um novo carro. Mas como a filha estava fazendo faculdade, e saia o dia inteiro, ela foi adiando o contrato da auto-escola, Depois a filha se formou e foi embora para longe e o carro ficou estacionado na garagem e ela arrumou um trabalho. No primeiro dia de trabalho pediu carona para o marido e ele disse vai com o teu. Ela ainda pediu por favor e aproveite e fale com o instrutor que eu também quero voltar a dirigir para não depender de ninguém, nem sair de taxi. Passado algum tempo, um dia ele entrou no trabalho dela e lhe disse: venha comigo. Ela, como fantasiava tudo, pensou: o que será que ele vai fazer? Será que vamos providenciar o passaporte para ver a filha ou vamos visitar a filha que mora no norte?  Será que ele vai me levar em algum lugar especial e saiu feliz da vida ao lado do homem, o único, diga-se de passagem, que ela teve na vida, e teve uma grande surpresa: o convite era para ir ao cartório pois o carro dela acabara de ser vendido. Ela foi, assinou a transferência e voltou para o trabalho pensando: acorda Alice, já está na hora... Ainda bem que ela já está acordada e bem curtida. Cada um tem o destino que merece...

Restaurandora de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura, cinema, e a paixão de escrever.

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