A violência ainda gigantesca. A violência domestica,
assalto, furtos, crimes contra criança, contra os animais, contra os idosos,
contra os diferentes, até dentro de nossas casas. Dá até medo de ligar a
televisão, pensou ela. E, de repente, lembrou, hoje tenho que ir até o centro.
Pegou o carro e saiu. Encontrar onde estacionar é que era a grande dificuldade.
Depois de algumas voltas, encontrou lugar em um daqueles estacionamentos
explorados por flanelinhas. Fechou o carro e foi fazer as compras. Na volta
jogou os pacotes no banco traseiro e fechou a porta. Nisso chegou o guardador e
ela estendeu duas notas de um real. Ele olhou e disse: isso não dá tia, gringo
está pagando em dólar e isso só para pagar um café. Ao que ela retrucou: em
primeiro lugar não sua tia e segundo não tenho mais dinheiro. E deu início a
uma discussão. Ela alegando que não era gringa e sim da cidade e ele fazendo
pressão. Foi quando ela viu que várias pessoas iam passando e fingindo que nada
estava acontecendo até que uma senhora estacionou o carro perto do carro dela e
sequer olhou para os lados. Ela pensou, graças a Deus, essa senhora na hora e
foi avisar a polícia que está na esquina. Esperou e nada. O rapaz cada vez mais
agressivo até que ela ligou o motor. Ele pulou para a frente do carro e quase
deitado no pára-brisa gritava: me dá a bolsa!!! Ao que ela respondeu: não vou
dar nada e sai já daí da frente senão eu vou passar por cima de você. E ele
ficou segurando a frente do carro e rindo. Quando ela olhou para aquela boca,
faltando alguns dentes, aquela boca horrorosa, dizendo: ô tia, ô tia, ta com
medo, ela respondeu: não tenho medo de nada e estou dando o último aviso, saia
ou passo por cima. Ele não saiu e ela acelerou e saiu a toda velocidade. Da
esquina ainda olhou pelo espelho e viu que ele estava vivo e já atazanando
ávida de outra pessoa. Passou pela polícia na esquina, deu o aviso e foi para
casa. Lá chegando teve uma crise de choro. Chorava e agradecia a Deus por não
ter acontecido uma tragédia. Como ela poderia deitar a cabeça num travesseiro e
dormir depois de matar um homem. Afinal era ela ou ele. No dia seguinte, tentou
pegar no carro mas não conseguiu. No outro tentou mais uma vez e acabou ficando
alguns anos sem dirigir na cidade. Na praia ela dirigia para todos os lados. Ia
de uma praia a outra, pegava estrada, na cidade nada. Um belo dia, em uma
discussão com o marido, ela disse: você não entende, vou pegar um instrutor de
auto-escola para dar umas voltas pela cidade e enfrentar o medo. Depois, estou
sem carro, o que eu usava foi roubado e quer saber de uma coisa: você jamais me
deu um carro; diga, algum dia você pôs um carro em meu nome? Passado algum
tempo, um cliente dele não tendo dinheiro para fazer o acerto financeiro, pagou
uma parte em dinheiro e outra com um carro preto, que o marido pôs em nome
dela. Era um carro usado, mas para ela era o máximo. Ela agora poderia sonhar,
depois de tantos anos ela amou a idéia de ter um novo carro. Mas como a filha
estava fazendo faculdade, e saia o dia inteiro, ela foi adiando o contrato da
auto-escola, Depois a filha se formou e foi embora para longe e o carro ficou
estacionado na garagem e ela arrumou um trabalho. No primeiro dia de trabalho
pediu carona para o marido e ele disse vai com o teu. Ela ainda pediu por favor
e aproveite e fale com o instrutor que eu também quero voltar a dirigir para
não depender de ninguém, nem sair de taxi. Passado algum tempo, um dia ele
entrou no trabalho dela e lhe disse: venha comigo. Ela, como fantasiava tudo,
pensou: o que será que ele vai fazer? Será que vamos providenciar o passaporte
para ver a filha ou vamos visitar a filha que mora no norte? Será que ele vai me levar em algum lugar
especial e saiu feliz da vida ao lado do homem, o único, diga-se de passagem,
que ela teve na vida, e teve uma grande surpresa: o convite era para ir ao
cartório pois o carro dela acabara de ser vendido. Ela foi, assinou a
transferência e voltou para o trabalho pensando: acorda Alice, já está na
hora... Ainda bem que ela já está acordada e bem curtida. Cada um tem o destino
que merece...
Restaurandora de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura, cinema, e a paixão de escrever.
Nenhum comentário:
Postar um comentário