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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Rose e o celular, da série: Olhar Urbano - Teresa Santos


Foram quarenta e cinco minutos, divididos em três telefonemas de estratégicos quinze minutos.
No primeiro ela dizia que iria ao cinema acompanhar a senhorinha que estava sob seus cuidados. Não poderia estar com ele e que dormiria no emprego.
E uma discussão, sem mais nem menos, começou.
Aquele sotaque vindo - quase certeza - do Ceará ecoou dentro daquele ônibus e consequentemente nos meus ouvidos, pois eu estava sentada no banco da frente.
Um bla...bla... bla...interminável e que terminou com um seco:
Tchau!.
Eu, que até então tentava escutar músicas, pensei comigo:
Ufa! Acabou!
Ledo engano.
E lá foi a fulana para o seu segundo telefonema.
Desta vez para o pai. Repetiu não sei quantas vezes as mesmas frases e a palavra painho. Tudo indicava que o homem era surdo.
E começou com a despedida.
- Bença, pai. Depois nois conversa.
Estava crente que desligaria,  quando recomeçou uma conversa sobre a saúde da mãe.
Nesta altura eu já havia tirado os fones do ouvido e resolvido engantar um cochilo  embora soubesse ser impossível.
E novamente o tal do “Bença, pai. Depois nois conversa” encerrou definitivamente a ligação.
Pensei  que aquela matraca finalmente iria calar, quando ouço...
- Chica, tu sabe quem tá falando? É a Rose. Tu tá bem tá?
Aquela boca, semelhante a uma metralhadora, desembestou novamente a falar...a falar....
Percebi que o motorista também notou e começou a conversar com o cobrador.
- Fulano, tu pensa que tá em casa é? Tu fala pra *******   hein? Tá ouvindo?
E o cobrador:
- Tô. Sim. Och! Tu fala pelos cotovelos hein colega?
De repente Rose solta esta frase:
-  Chica, vou precisar desligar porque estou com sinusite e morrendo de dor de cabeça. A garganta “tá” seca. Não posso falar muito!
Quando, finalmente, fechou a matraca cheguei ao meu destino.
 
 
Teresa Santos, 62 anos, paulistana. Aposentada, mas na ativa. Gosta de estudar idiomas, de viajar, de ler  e de observar o mundo. Considera o ser humano a melhor personagem para seus escritos. É grata à vida  e se considera uma pessoa feliz.

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