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domingo, 11 de agosto de 2013

Meu pai - Teresa Santos

Trabalhou dos 16 aos 58 anos.
Dos 58 aos 91 aproveitou, com parcimônia, sua aposentadoria.
Não ganhava bem, mas também não ganhava mal. Nunca dependeu dos filhos.
Casou-se com o único amor de sua vida, minha mãe. Viveram juntos 60 anos, que não conseguiram completar pois ela  faleceu 17 dias antes.  Naquele triste 11 de dezembro de 2006.
Não completou o curso primário pois tinha que trabalhar. Ajudava minha avó a cuidar da chapelaria do meu avô, quando este desistiu de viajar pelo Brasil.
Minha avó era uma mulher encantadora. Alta, forte, descendente de alemães era ela quem tocava a casa e o pequeno negócio - chapelaria - nas longas ausências de marido. Ausências estas que ela conhecia muito bem.
Meu pai tudo via e nada podia fazer, pois meu avô tinha um gênio irascível..
Faleceu com uma enorme mágoa e detestava quando eu dizia que devia ao "Velho" , como era chamado, meu gosto pelas artes em geral.
Minha avó aguentava tudo calada, pois era aquilo ou a rua.
E o tempo passou. Aos 18 anos meu pai foi servir o exército e sempre dizia que foram os melhores anos de sua vida porque lá tinha roupa, sapatos e uma boa comida.
Ficou durante 3 anos e só não foi para a  Segunda Guerra porque o destino e Nossa Senhora Aparecida (palavras de minha falecida mãe) não quiseram.
Aos 27 anos casou-se com minha mãe que tinha 23. Antes comprou uma casa, pois dizia que nunca iria pagar aluguel igual ao seu pai.
Quando casou levou parte da família. Meu avô, minha avó, uma irmã e uma tia avó.
Em 1951 eu nasci. Quatro anos depois nasceu meu irmão.  Em 1955 uma tragédia abate sobre a nossa familia.
Ficou somente meu avó residindo conosco. Meu pai, o filho que ele tanto maltratou, foi o único a lhe estender a mãos. Os outros quatro filhos do primeiro casamento (esse sim, legalizado) simplesmente o abandonaram.
Meu pai era um homem que sempre cumpriu com suas obrigações. Considerado um profissional competente, quando foi mandado embora da Vidraria Santa Marina (onde trabalhou por 25 anos) devido a uma greve, e que ele não havia participado, sua profissão de  vidreiro foi deixada para trás.
Desempregado, e com filhos pequenos para sustentar, foi trabalhar como pedreiro e durante algum tempo ganhou a vida assim.
Até que apareceu uma oportunidade para trabalhar na fundição de uma empresa chamada Sofunge.
Foi então que o destino lhe dá uma oportunidade de trabalhar em um laboratório químico ao invés de ir para macharia.
Com uma força de vontade hercúlea lá foi ele. Aprender fórmulas e mais fórmulas e se tornar auxiliar de analista químico.
Até o final de seus dias se lembrava das fórmulas e eu o sabatinava e nos divertíamos, porque muitas vezes eu as esquecia e ele prontamente me dizia.
Na Sofunge  trabalhou durante muito anos também. Depois foi para a MWM, volltou para a Sofunge e lá se aposentou.
Quase para se aposentar era ele quem instruia os estudantes de química que lá estagiavam.
Não se considerava inteligente, mas eu sabia muito bem que ele era. Durante anos manteve a nossa humilde casa sempre em ordem. Era marcineiro, pedreiro, eletricista, pintor e tudo o que se pode imaginar.
Ele olhava uma vez como se fazia e pronto! Lá estava ele fuçando aqui e acolá.
Sempre nos ensinou o valor do trabalho e da honestidade.
Foi o homem mais bondoso e íntegro que conheci.
Vivia da casa para o trabalho. Do trabalho para a casa.
Sua vida era a esposa e os filhos. Nunca nos deixou faltar nada e tinha uma maneira peculiar de nos educar.
Dizia sempre que não deveríamos dar o passo maior do que as pernas e que uma vez "pé de chinelo, sempre pé de chinelo".
E era aí que entrávamos em discussão. Ele via a vida de uma maneira objetiva, quase crua.
Eu, do meu lado, a via de maneira mais suave e  lhe dizia que poderíamos mudar o nosso destino, de certa maneira, e mostrava  que eu era o exemplo mais próximo dele.
Afinal, ele sem estudo, deu instrução para os seus filhos seguirem a vida. Meu irmão, que detestava estudar, foi aprender uma profissão no Senai e durante anos foi torneiro ferramenteiro até que a empresa onde ele estava foi vendida e resolveu trabalhar por conta própria e se tornar motorista de táxi.
Meu pais diziam sempre uma frase e que me acompanha até hoje: " Cabeça oca é oficina do diabo".
Quando meu pai percebeu que meu irmão não queria estudar disse:
- Filho meu, não vagabundeia. Filho meu ou estuda ou trabalha.
Eu preferi estudar. E fizemos um trato: eu não trabalharia e me contentaria com o que ele pudesse me oferecer.
Tanto é que comecei trabalhar tarde. Aos 25 anos.
Meu pai, apesar de nossas divergências, sempre foi um homem com quem eu pude contar.
Diferente de meu avô tinha uma excelente índole. Não era mulherengo e nunca o vi em um bar bebendo.
Tinha pouquíssimos amigos e muitos conhecidos.
Viveu sua vida e sempre escolheu em não se espelhar em seu pai.
E eu dizia que apesar dos pesares meu avô foi um exemplo para ele. Um exemplo a não ser seguido.
Ele muitas vezes discordava. Só deu o braço a torcer quase no final da vida.
Este era meu pai. Um homem que sofreu nas mãos de meu avô e que não quis o mesmo para seus filhos.
Um homem que gostava de ouvir música. Tinha predileção por pistão, saxofone, trombone e banjo.
Que pedia para minha mãe tocar ao piano o tema do filme Em algum lugar do passado e Clair de Lune.
Que foi companheiro de todas as horas tanto para mim quanto para sua amada e seu filho.
Que adorava uma cervejinha (dizia que beber era bom, mas em casa), um bom vinho e sempre elogiava os pratos deliciosos que minha mãe preparava.
Que gostava de arroz doce, pudim de pão, "bolo porta de circo" (como ele dizia brincando), cassata siciliana (presente em todos os seus aniversários), de uma boa dobradinha, de uma gostosa feijoada e tantas outras delícias.
Que não gostava muito de ver TV, mas de um bom filme. Preferia escutar o bom e velho rádio.
Que admirava atrizes de carnes fartas (achava Sophia Loren o máximo) .
Há dois anos se foi. Tinha 91 anos. Lúcido e reclamando da política do Lula.
Lula que - semelhante à filha - detestava.
Dizia sempre:
- Este homem ainda vai acabar com o nosso país!

 Teresa Santos, 62 anos, paulistana. Aposentada, mas na ativa. Gosta de estudar idiomas, de viajar, de ler  e de observar o mundo. Considera o ser humano a melhor personagem para seus escritos. É grata à vida  e se considera uma pessoa feliz.

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