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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Ultrapassando o abismo - Heloísa Lima

Publicado originalmente por O Sentido do Ser

“A amizade sincera é um santo remédio,
É um abrigo seguro.
É natural da amizade
O abraço, o aperto de mão, o sorriso.
Por isso se for preciso,
Conte comigo, amigo disponha.
Lembre-se sempre que mesmo modesta,
Minha casa será sempre sua.
Amigo…”
In: Amizade Sincera – de Renato Teixeira
Muita gente pergunta: o que fazer nesse momento tão emblemático mas, ao mesmo tempo, tão confuso e desorganizado?
Ora, num país com tantos desacertos e tamanha miséria não podemos nos dar o luxo do pessimismo. É preciso manter acesa a chama da esperança nos aquecendo a todo instante. Necessitamos ser otimistas. Olhar adiante com alegria e entusiasmo – porque é só para a frente que devem seguir nossos passos. E é imprescindível não ter pressa.
Há um abismo entre nossa história, como país colonizado e submetido aos desmandos das várias metrópoles que se foram alternando no alvissareiro posto, e a possibilidade de nos tornarmos uma civilização definitivamente independente e verdadeiramente humanizada.
Tal dicotomia, aparentemente, resulta dos acontecimentos históricos e dramáticos que nos envolveram desde o princípio da colonização e que fizeram desmoronar quaisquer possibilidades de construirmos uma identidade nacional, um amor fidedigno ao que entendemos ser “pátria” e uma teia consistente de boas relações sociais e, consequentemente, pessoais.
Como sobreviventes de guerra, nos mantemos dentro de uma arena onde os conflitos são cotidianos e impregnam todas as nossas relações interpessoais. E é este ambiente competitivo, hostil, indiferente, feroz e, basicamente, insano, que nos conserva muito distantes dos laços da fraternidade, amizade, solidariedade – mais comuns nas sociedades que não viveram guerras declaradas ou veladas – igualmente desumanizadoras.
Logo, perdemos um mundo possível para vivermos em uma espécie de dimensão transitória, em um limbo onde tudo ainda está por vir, ser e acontecer.
Enquanto nação precisamos resolver as questões de base que conceberam evidentes e profundas desigualdades que não são mais passíveis de serem camufladas.
Nossa sociedade criou condições terrivelmente favoráveis para as injustiças, os preconceitos de todas as ordens, os ódios de diversas matizes, as discriminações e os piores racismos.
Desta forma, as novas e atuais gerações se ressentem muito da falta de saberes e de experiências consistentes acerca de laços de afetos, companheirismos e camaradagens.
Muito bom seria se os intelectuais, os formadores de opinião (seja lá o que isto signifique), os astutos, os peritos, os estudiosos e os cientistas – que permanecem comodamente trancados dentro de suas salas, de suas academias empertigadas, realizando pesquisas encomendadas por interesses privados, esperando honras e prêmios, certos de que estão cheios das sabedorias que, longe do povo, não servem para absolutamente nada – funcionassem, neste rico momento, como uma ponte, uma espécie de contrabandistas dos conhecimentos de uma lado para o outro.
Talvez, desta forma, abandonassem seus longínquos castelos e viessem testar suas (vãs?) teorias no meio da sua gente. E, assim, uma nova ciência se forjaria a partir desta preciosa matéria prima.
Mas, como não podemos esperar tal deferência  – ao menos neste momento – vamos pensar no que é possível fazer com aquilo que foi conquistado.
Sabemos que tudo se transforma de dentro para fora. Não existe nenhuma outra maneira de fazer nascer um ser, uma história, uma pátria.
É preciso começar lá do começo – onde éramos animais gregários, fortemente adaptáveis e, de forma absoluta, intrinsecamente afetivos e solidários.
Tecer nossa rede de relações fundamentada nas necessidades básicas de sobrevivência da espécie, proteção, cuidado mútuo, empatia, observação, criação, benevolência, amor e, acima de tudo, na intuição que urge ser resgatada.
Todos os laços podem ser fortalecidos pela imprescindível semente da confiança – substrato indispensável para a construção da coletividade baseada na igualdade e na fraternidade.
Mas, como disse o poeta americano Walt Whitman: “Sermões e lógicas jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo em minha alma.”
Descontando o temor e a incerteza – sentimentos que quase nos compõem integralmente, com bons motivos para tanto – fora a ambição que impulsiona o desejo de estar acima dos outros, de ser mais e maior que tudo o que nos cerca e, sem considerar, ainda, a sedução pelo poder e o orgulho exacerbado que nos domina, temos ainda uma maravilhosa capacidade humana de nos amarmos com atenção e ternura.
Vamos entender que “nossa pátria” nasce na nossa família que, por sua vez, nasce a partir dos laços que estabelecemos com nossos semelhantes. Não existe outra sequência possível.
Se observarmos que a razão da paz que nosso país parecia representar se assenta sobre coisas que não conhecemos, entenderemos que é para isso que servem as competições, a falta de parceria e amizade, as drogas, os circos, as novelas e os programas de auditório – para que ninguém descubra os demônios e nem abra a “caixa de pandora”.
Se nos concentrarmos no que realmente importa, ou seja, em construir relações pessoais realmente afetivas e profundas que possam criar vínculos profícuos de confianças, teremos condições de reencontrar um fio da meada.
Por isso, a receita é bem simples: não se impressionar com as flácidas dimensões das coisas. Elas podem se esvaziar rapidamente.
Daí, a importância de reter o que sobressai da bruma oriunda dosgazes vorazes emanados das armas nas mãos das milícias ferozes.
Conversar muito, reunir mais, trocar impressões e ideias. Ler, debater, estudar. Desenvolver laços, sair da frente do computador e experimentar o revolucionário contato pessoal. Abraçar não apenas causas, pautas, reivindicações mas, sobretudo, os parceiros de jornada.
Que desta magnífica experiência se crie uma estrutura mais ampla de relações humanas porque apenas estas serão capazes de sustentar e defender os justos ideais e, assim, transformar nosso país em um lugar onde se possa desejar viver – com orgulho e apreço.


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