terça-feira, 17 de agosto de 2010
O ócio produtivo - Cientistas se isolam para ver como cérebro reage sem tecnologia
Do New York Times
Todd Braver sai de uma barraca montada numa área do Glen Canyon, em Utah. Ele tem um leve bronzeado, exceto pela estreita faixa pálida no pulso. Pela primeira vez em três dias de viagem não está usando seu relógio: “Eu esqueci”, diz. É um detalhe, mas é algo que muitos veranistas percebem ao relaxar e perderem a noção do tempo. No caso de Braver e seus colegas, todos pesquisadores renomados, tais detalhes levaram a uma pergunta: o que está acontecendo com os nossos cérebros? Braver, professor de psicologia da Universidade de Washington, foi um dos cinco neurocientistas que participaram de uma jornada incomum de uma semana a uma remota área ao sul de Utah, praticando rafting no rio San Juan, acampando e fazendo trilhas.
O objetivo: tentar entender o quanto o uso excessivo de aparelhos digitais e outros recursos tecnológicos alteram o funcionamento do nosso cérebro, a forma de pensarmos e agirmos, e se um refúgio na natureza poderia reverter esses efeitos.
Celulares não funcionam na região, o email estava inacessível, e laptops foram deixados para trás.
Foi uma viagem ao coração do silêncio, algo cada vez mais raro, agora que as pessoas podem ficar online, mesmo de férias em lugares remotos.
Para o líder da viagem, David Strayer, professor de psicologia da Universidade de Utah, estudar o que acontece quando deixamos de lados nossos aparelhos eletrônicos e descansamos o cérebro, em particular as áreas de atenção, memória e aprendizagem, é importante: — Atenção é o Santo Graal. Tudo o que você tem consciência, o que você deixa armazenado, o que pode lembrar e esquecer, depende dela.
Para Strayer, entender como a atenção funciona poderia ajudar a tratar uma série de doenças, como transtorno de déficit de atenção, esquizofrenia e depressão. E afirma que muita estimulação digital pode levar as pessoas que estão bem a ter problemas psicológicos.
A busca para entender o impacto no cérebro do abuso de tecnologia — num momento de grande expansão de informação — está no início. E os cientistas dizem que essa pesquisa é tão importante quanto investigar os efeitos do consumo excessivo de carne vermelha ou álcool.
Strayer e Paul Atchley, professor na Universidade de Kansas, argumentam que o excesso de tecnologia inibe a reflexão profunda e causa ansiedade, e que se isolar na natureza ajuda a contornar o problema.
Esse grupo diz ainda que o excesso de dados cria uma falsa sensação de urgência que pode afetar a habilidade de as pessoas se concentrarem.
Para esses cientistas, o cérebro atarefado se cansa e perde a capacidade de se concentrar
Mesmo os céticos recomendam pausa
Strayer aposta que a natureza pode atualizar o cérebro: — Nossos sentidos mudam. É um forma de recalibrar. Você percebe os sons, como os dos grilos, escuta o barulho do rio, sente os cheiros, fica mais ligado ao ambiente físico, à terra, em vez do artificial.
Estudos mostram que a performance é prejudicada quando se assume multitarefas. A memória de trabalho é prejudicada. Já os céticos não estão convencidos de que terão algo conclusivo depois das férias, do ponto de vista pessoal ou científico. O grupo inclui Braver, Steven Yantis, chefe do Departamento de Ciências do Cérebro na Johns Hopkins, e Art Kramer, da Universidade de Illinois.
Os participantes da experiência ainda não sabem como seus cérebros reagiram. Mas mesmo aqueles que acreditam que esse órgão tem a capacidade de se adaptar aos estímulos e se tornar capaz de executar várias tarefas ao mesmo tempo também recomendam o ócio como caminho para organizar o pensamento.
Cérebro está preparado para a sobrecarga
Para cientistas brasileiros, o órgão consegue se adaptar ao excesso de informações
Para o neurocientista Sidarta Ribeiro, chefe de laboratório do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra e professor titular de neurociências da UFRN, a viagem dos pesquisadores americanos não é um estudo científico conclusivo, mas uma experiência de imersão na natureza e isolamento eletrônico. Ele acha significativo, entretanto, que os participantes mais apegados ao email e ao celular tenham percebido vantagens no isolamento.
O cérebro é certamente um órgão multitarefa superpotente, diz Sidarta, mas afirma que estamos evidentemente criando uma situação limite com as novas tecnologias.
— Recebo diariamente mais de 50 mensagens, podendo chegar a cem.
Não tenho como responder a todos e, para escrever a maior parte deles, preciso ser extremamente pragmático, com a atenção reduzida. O espaço mental para a reflexão diminui consideravelmente — afirma.
Na opinião do neurocientista, a internet cria a possibilidade de termos uma relação virtual com centenas e até milhares de pessoas, bem mais do que aquilo para o que nosso cérebro evoluiu, que era uma tribo com dezenas de conhecidos. Isso torna tudo rápido e superficial, e as ações são realizadas com base no impulso, mais do que na ponderação.
Roberto Lent, professor titular da UFRJ e diretor do Instituto de Ciências Biomédicas, lembra que, durante a semana de férias, o grupo de cientistas não fez pesquisas para analisar o comportamento do cérebro. E que seria preciso validar a experiência.
Porém não acredita que o cérebro sofra de “fadiga” com excesso de informação: — Para mim, o cérebro é autorregulável, isto é, se ele fica sobrecarregado não processa uma determinada informação. Isso não significa que está cansado.
Iván Izquierdo, do Centro de Memória do Instituto de Pesquisas Biomédicas da PUC-RS e especialista em compreensão da base celular do armazenamento e evocação da memória, diz que o estudo americano é bem feito, mas não permite muitas conclusões: — Pode ajudar a entender um pouco mais o déficit da memória de trabalho que se observa na esquizofrenia, e o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH); embora este último implique mais uma incapacidade de focalizar a atenção.
E acrescenta que estamos muito longe de ter atingido o limite de “fadiga mental” ou de “capacidade de adaptação do cérebro” ao bombardeamento de informação.
— Na esquizofrenia os pacientes estão mais perto desses limites pelas falhas funcionais da memória de trabalho, mas no TDAH é possível reverter este problema com metilfenidato e outras drogas — explica o neurocientista. — O que chama de “fadiga do cérebro” é, na verdade, a saturação da capacidade funcional da memória de trabalho. Ela é muito mais potente do que se imaginava.
Renato Malcher-Lopes, professor do Departamento de Fisiologia da Universidade de Brasília, diz que o cérebro humano é um órgão multitarefa superpotente e que a tecnologia traz novas possibilidades de explorar esse potencial. Para ele, é um erro supor que a vida moderna passou a exigir mais do cérebro neste sentido: — As mulheres são as mais aptas a multitarefas. Neste sentido, a tecnologia, de certa forma, permite aos homens se aproximarem um pouco delas nesta capacidade. Em muitos casos, as novas tecnologias de comunicação estão permitindo a mente humana fugir do tédio que a vida moderna urbana lhe impôs.
Em um estudo da Universidade de Stanford, nos EUA, divulgado em julho, no entanto, constatou que as pessoas que executam várias tarefas ao mesmo tempo, na verdade, se distraem com mais facilidade e são menos hábeis em filtrar informações irrelevantes. E que não haveria diferenças significativas entre homens e mulheres.
Postado por
ORACY
às
09:47
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Um comentário:
Meu amigo Oracy. Você sempre se superando no envio de e-mails. Tens uma fonte muito rica que te abastece com generosidade e prazer, prova disso é o nível de seus conteúdos. Agora melhorou mais porque além de um bom companheiro tivemos o privilégio de presenciar a clonagem de mais outro Oracy; o Junior. Qual sua idade ? mora contigo ? abç ailton
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