Durante
minha estadia no sul fui ao shopping mais elegante da capital para ver como o
povo anda se vestindo. Passei em frente a vitrine de uma loja chiquerrima e vi
um acessório que saiu em uma reportagem de moda e fez a cabeça de minha filha. Entrei
na dita loja e não perguntei o preço porque é daquelas lojas onde não se
pergunta nada sob pena de te jogarem pela porta afora. Lá quem ousa entrar
compra e não faz perguntas. Se você perguntar é porque não pode pagar.
Entendeu? Pois comprei o tal acessório e paguei quatrocentos e cinqüenta reais.
Saí da referida loja com um belo embrulho de presente e uma notinha de caixa na
qual eu constava como categoria de
cliente “turista”. Na porta da loja eu estava tão distraída que sequer notei a
jovem loira com um senhor caquético. O senhor em questão usava um vestuário
esportivo e era muito elegante e se apoiava no braço da jovem loira e na outra
mão trazia uma bengala com castão de ouro. Na hora me lembrei de ter visto tal
bengala em elegante loja parisiense onde comprei apenas um lenço e não constava
na nota que era “turista” pois a jovem me recebeu fez a maior festa. Fez questão de me
apresentar para o seu namorado. Estão juntos desde que se encontraram em um
evento onde ela foi trabalhar como uma das centenas de recepcionistas. Pois a
jovem era a Anabel Betin figura que conheci quando fiz um trabalho de
laboratório em uma casa de caridade. A moça é filha de um dos senhores com quem
trabalhei. A jovem tem histórias cabeludas no seu currículo. Era gordinha, mal
apanhada e educação zero. Pois não é que Anabel emagreceu,cortou o seu cabelão
que chegava até a cintura, fez um Chanel lindo, não usa mais seus tapa sexo,
nem botas de pelinho e cores de sorvete. Devo admitir que Anabel Betin aboliu a
vulgaridade em favor dos conjuntinhos estilo Chanel. Ela estava usando uma
calça jeans com camisa branca e um casaqueto Chanel, no pescoço correntes e
perolas, discretos brincos de pérolas e um relógio Belmercier de ouro amarelo
lindo! No lugar de botas de plataforma e salto Anabela, umas sapatilhas
delicadas cor bege com camélia preta. A bolsa que ela estava usando é aquela
famosa francesa que custa vinte e seis mil euros e o período de espera é de
mais ou menos vinte e quatro meses. Isso tudo ela fez questão de me mostrar e
pedir a minha aprovação; segundo ela você sabe o que é bom e conhece grifes
famosas. A bolsa de carregar o Cherry é da Vuiton. Estávamos sentados no café
do shopping já a mais ou menos uma hora quando ela, ao me contar da bolsa de
cãozinho, pediu para o vovô, ou melhor o namorado, amor você pode ligar para o
David e pedir para ele trazer o Cherry para conhecer minha amiga. Minutos
depois o David apareceu carregando a famosa bolsinha com o Cherry. Achei lindo
o Cherry e o David é lindíssimo. E Anabel falando pelos cotovelos para me
contar sua vida de princesa. Lá pelas tantas ela saiu com essa: o que você
achou do meu gato velho? Fiz sinal que ele poderia estar ouvindo, mas ela me
disse que ele é completamente surdo. Sua surdez e senilidade, porém ela me
disse estar muito acostumada a sua nova vida de princesa. Lá pelas tantas ela
olhou para a minha sacola de compras e me perguntou você ainda compra nesta
loja? Respondi que sou freguesa turista. Ela achou muita graça e me disse que
estava ali por acaso pois a dona da loja costumava mandar a coleção da
temporada em sua casa para que ela faça as escolhas mais à vontade. Notei que
Anabel está mais à vontade em todos os sentidos! Tirando sua precária educação,
tudo nela é reluzente, suas jóias, roupas, bolsas, até seu cachorro usa uma
pulseira Tiffanis no pescoço. Perguntei pela sua mãe ela me disse que ela está
morando com seu irmão em um apartamento bem jeitoso em zona nobre. Perguntei e
o futuro Anabel? Você está se preparando para quando ele chegar? Ela sorriu e
me respondeu: ai,ai, ai, você é tão preocupada com o futuro, eu vivo o dia de
hoje! Olhei para o vovô, ou melhor, para o namorado de Anabel para me despedir,
ele estava recostado na poltrona do café cochilando. Anabel me convidou para
jantar em sua casa, quer que eu conheça a sua nova residência que é onde foi
uma famosa mostra de decoração que o vovô, digo que o namorado, comprou com
todos os detalhes decorativos, até as porcelanas de famoso antiquário que
estavam expostas na lojinha ela comprou. Perguntei: Anabel o que você vai fazer
com uma lojinha dentro de sua casa? Ela me respondeu com toda singeleza, é o
local da casa onde passo mais tempo. Algumas vezes acordo no meio da noite e
vou para lá, fica próximo da garagem e o David mora nos fundos. Anabel juntou o
útil ao agradável literalmente! Na nossa despedida o vovô namorado ainda dormia
e ela Anabel me explicou que é por conta de certo medicamento. Não pude me
despedir dele. Anabel me puxou para o lado e me pediu, por favor, na sua
próxima vinda no sul promete que vai me procurar e nos visitar, sei que ele vai
ficar feliz sabendo que tenho amizades respeitáveis. Respondi, ora bolas Anabel
você é uma moça respeitável. Ela deu risada e me respondeu, eu preciso me
cercar de pessoas respeitáveis para impor um certo respeito e ser aceita no
meio dele. Me despedi e deixei Anabel, Cherry, o vovô namorado dormindo e David
sentados na mesa do café. David é motorista e enfermeiro do namorado avô de
Anabel que aboliu o Betin de seu nome. Segundo ela só Anabel fica mais chic.
Saí dali cabisbaixa pensando na vida como ela é. Nossa, estou rodrigueana!
Anabel está com vinte e dois anos e já tem uma longa estrada percorrida. Saiu
da boca do lixo, nasceu em um ambiente provisório, morando todos os seus
familiares no mesmo terreno em casinhas grudadas. Cresceu na mesma casa onde
sua mãe nasceu. Cada casinha tem, até hoje, um quarto, e nesse quarto ela
dormia com seu pai, mãe e irmão, A promiscuidade reinava ali. Porem se o vovô
namorado partir dessa para melhor, Anabel tem uma longa experiência e vai se
dar bem. Logo arranja outro vovô namorado! Que se não teve vida dura é tão
promíscuo quanto Anabel que é fogo fatio!
Restaurandora de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura, cinema, e a paixão de escrever.
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