Talvez devido à
idade. Depois dos 60 a velhice me ronda, embora eu não a tema nenhum pouco.
Muito pelo contrário.
No entanto,
percebo que estou mais introspectiva e que a alegria de sempre começa a ser
menos constante.
Nunca tive os
famosos traumas à chegada dos 30, 40, 50 anos.
Mas estes 60 anos
mexem, de certa forma, comigo.
A saudade que hoje
sinto está particularmente ligada à infância. A melhor época de minha
vida.
Saudade de um
tempo em que a minha única obrigação era estudar e tirar notas
boas.
Saudade das
brincadeiras infantis e que – infelizmente – hoje as crianças
desconhecem.
Saudade de subir
na goiabeira, que teve de ser podada por causa de um vizinho carrancudo.
Lembro-me que chorei muito no dia em que ela veio abaixo. Mas com o tempo voltou
a ter belas folhagens, embora frutos bem poucos.
Saudade da
amoreira onde eu me escondia para deixar os entes queridos à minha
procura.
Saudade dos banhos
de chuva, apesar dos protestos de minha mãe. Gostava (e até hoje gosto) de
sentir aqueles grandes pingos caindo sobre mim. Meu pai os chamava de
“quatro centões” referindo-se a uma antiga moeda.
Saudade dos
folguedos... amarelinha, passa-anel, peteca, tamborete, bolinhas de gude,lenço
atrás,cabra cega, corrida de saco.
Saudade de andar
de bicicleta e ter aquela sensação da primeira vez que andei sozinha sem o apoio
de ninguém. Saudade daquele vento no rosto em uma tarde de domingo onde o sol
tímido desaparecia dando lugar à noite. Lembro-me direitinho daquele
momento. Tinha sido contagiada por uma grande alegria. Agora
também sabia andar de bicicleta.
Depois vieram os
patins de quatro rodinhas. Eram emprestados por uma vizinha que residia em
frente à minha casa. Quantos tombos eu levei. Quantas vezes os joelhos eu ralei.
Mas também aprendi a me equilibrar de tal forma, que sabia andar melhor do que a
própria dona.
Saudade de descer
a Rua Tonelero, com o meu irmão, em um carrinho de rolimã e que foi feito por
ele e meu pai. Parecíamos dois doidos subindo e descendo com aquele carrinho
pintado de verde cor preferida de minha mãe e do meu irmão Palmeirense quase
fanático.
Saudade de comer
doces da venda do “Seu Germano” um simpático italiano que marcava em um
caderninho as guloseimas por mim compradas e que eram pagas no final do mês pelo
meu avô paterno.
Adorava saborear
pé de moleque, paçoca, geleia de mocotó, chupeta com sabor de groselha,
machadinha , puxa-puxa que certa vez arrancou um dente de leite
meu.
Saudade de Nha
Benta, o famoso DanTop que comíamos na Kopenhagen, minha mãe e meu irmão depois
de irmos ao dentista.
Ela dizia que ia
doer e que se não fizéssemos escândalo nos compraria Nha
Benta.
Hoje vejo a
incoerência e acho graça. Saíamos de um dentista para saborearmos um doce. Mas
mesmo assim, minha mãe sabia das coisas. Nunca tivemos medo de dentista, de
injeções, de tomar alguma medicação como o detestável óleo de figado de
bacalhau. Minha mãe sempre foi sincera conosco. Não colocava panos quentes.
Sim...ia doer. Sim...ia machucar um pouquinho... E nós crescemos sem ter
praticamente medo de nada
Outras saudades se
acumulam em meus pensamentos.
Dentre elas uma em
especial: a saudade do odor da boneca novinha saída da caixa em uma manhã
de Natal. Até hoje consigo sentir aquele cheirinho e que não é igual ao das
bonecas de agora.
Saudade da alegria
de ver o ovo de Páscoa debaixo da cama dentro de um grande ovo de madeira,
coberto com um tecido cheio de coelhinhos. Ovo de madeira que meu avô paterno
habilmente nos fez.
Saudade...saudade...saudade...
Quem me dera eu
poder voltar no tempo! Parar o tempo.
Mas sei que isso é
impossível . O tempo não para, já cantava Cazuza.
E então a saudade fica
retida na memória e quando me sinto um tanto quanto intranquila, resgato aquelas
imagens. Como faço agora
Teresa Santos, 60 anos,
paulistana. Aposentada, mas na ativa. Formada em Letras pela Universidade São
Paulo. Gosta de estudar idiomas, de viajar, de ler e de observar
o mundo. Considera o ser humano a melhor personagem para seus escritos. É
grata à vida e se considera uma pessoa feliz.
2 comentários:
Oi Teresa,
Mais uma vez você arrasou!
Meu pai também chamava aquela chuva de pingos grossos de quatro centões, eu chamo de chuva pastilha (os primeiros pingos a tocar o chão sempre me pareceram pastilhas).
Fui de volta à minha infância nesse relato tão gostoso de ler. Parabéns!
Teresa, como sempre, lindo texto. Suas palavras funcionam como uma máquina do tempo. Elas, de uma forma mágica, trazem de novo à memória os belos momentos da nossa infância. Meus parabéns!
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