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terça-feira, 6 de março de 2012

Olhar Urbano - Saudade, Teresa Santos

Ando particularmente saudosa.
Talvez devido à idade. Depois dos 60 a velhice me ronda, embora eu não a tema nenhum pouco. Muito pelo contrário.
No entanto, percebo que estou mais introspectiva e que a alegria de sempre começa a ser menos constante.
Nunca tive os famosos traumas à chegada dos 30, 40, 50 anos.
Mas estes 60 anos mexem, de certa forma, comigo.
A saudade que hoje sinto está particularmente ligada à infância. A melhor época de minha  vida.
Saudade de um tempo em que a minha única obrigação era estudar e tirar notas boas.
Saudade das brincadeiras infantis e que – infelizmente – hoje as crianças desconhecem.
Saudade de subir na goiabeira, que teve de ser podada por causa de um vizinho carrancudo. Lembro-me que chorei muito no dia em que ela veio abaixo. Mas com o tempo voltou a ter belas folhagens, embora frutos bem poucos.
Saudade da amoreira onde eu me escondia para deixar os entes queridos à minha procura.
Saudade dos banhos de chuva,  apesar dos protestos de minha mãe. Gostava (e até hoje gosto) de sentir aqueles grandes pingos caindo  sobre mim. Meu pai os chamava de “quatro centões” referindo-se a uma antiga moeda.
Saudade dos folguedos... amarelinha, passa-anel, peteca, tamborete, bolinhas de gude,lenço atrás,cabra cega, corrida de saco.
Saudade de andar de bicicleta e ter aquela sensação da primeira vez que andei sozinha sem o apoio de ninguém. Saudade daquele vento no rosto em uma tarde de domingo onde o sol tímido desaparecia dando lugar à noite. Lembro-me direitinho daquele momento. Tinha sido contagiada por uma grande alegria.  Agora também sabia andar de bicicleta.
Depois vieram os patins de quatro rodinhas. Eram emprestados por uma vizinha que residia em frente à minha casa. Quantos tombos eu levei. Quantas vezes os joelhos eu ralei. Mas também aprendi a me equilibrar de tal forma, que sabia andar melhor do que a própria dona.
Saudade de descer a Rua Tonelero, com o meu irmão, em um carrinho de rolimã e que foi feito por ele e meu pai. Parecíamos dois doidos subindo e descendo com aquele carrinho pintado de verde cor preferida de minha mãe e do meu irmão Palmeirense quase fanático.
Saudade de comer doces da venda do “Seu Germano” um simpático italiano que marcava em um caderninho as guloseimas por mim compradas e que eram pagas no final do mês pelo meu avô paterno.
Adorava saborear pé de moleque, paçoca, geleia de mocotó, chupeta com sabor de groselha, machadinha , puxa-puxa que certa vez arrancou um dente de leite meu.
Saudade de Nha Benta, o famoso DanTop que comíamos na Kopenhagen, minha mãe e meu irmão depois de irmos ao dentista.
Ela dizia que ia doer e que se não fizéssemos escândalo nos compraria Nha Benta.
Hoje vejo a incoerência e acho graça. Saíamos de um dentista para saborearmos um doce. Mas mesmo assim, minha mãe sabia das coisas. Nunca tivemos medo de dentista, de injeções, de tomar alguma medicação como o detestável óleo de figado de bacalhau. Minha mãe sempre foi sincera conosco. Não colocava panos quentes. Sim...ia doer. Sim...ia machucar um pouquinho... E nós crescemos sem ter praticamente medo de nada
Outras saudades se acumulam em meus pensamentos.
Dentre elas uma em especial: a saudade do odor da boneca novinha saída da caixa em uma manhã de Natal. Até hoje consigo sentir aquele cheirinho e que não é igual ao das bonecas de agora.
Saudade da alegria de ver o ovo de Páscoa debaixo da cama dentro de um grande ovo de madeira, coberto com um tecido cheio de coelhinhos. Ovo de madeira que meu avô paterno habilmente nos fez.
Saudade...saudade...saudade...
Quem me dera eu poder voltar no tempo! Parar o tempo.
Mas sei que isso é impossível . O tempo não para, já cantava Cazuza.
E então a saudade fica retida na memória e quando me sinto um tanto quanto intranquila, resgato aquelas imagens. Como faço agora
 
 
Teresa Santos, 60 anos, paulistana. Aposentada, mas na ativa. Formada em Letras pela Universidade São Paulo. Gosta de estudar idiomas, de viajar, de ler  e de observar o mundo. Considera o ser humano a melhor personagem para seus escritos. É grata à vida  e se considera uma pessoa feliz.

2 comentários:

Claudia de Carvalho disse...

Oi Teresa,
Mais uma vez você arrasou!
Meu pai também chamava aquela chuva de pingos grossos de quatro centões, eu chamo de chuva pastilha (os primeiros pingos a tocar o chão sempre me pareceram pastilhas).
Fui de volta à minha infância nesse relato tão gostoso de ler. Parabéns!

Luiz Roberto disse...

Teresa, como sempre, lindo texto. Suas palavras funcionam como uma máquina do tempo. Elas, de uma forma mágica, trazem de novo à memória os belos momentos da nossa infância. Meus parabéns!