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terça-feira, 27 de março de 2012

A palavra - Martha Medeiros

Freud costumava dizer que poetas e escritores precederam os psicanalistas na descoberta do inconsciente. Tudo porque literatura e psicanálise possuem um profundo elo em comum: a palavra.

Já me perguntei algumas vezes como é que uma pessoa que tem dificuldade com a palavra consegue externar suas fantasias e carências durante uma terapia. Consultas são um refinado exercício de comunicação. Se relacionamentos amorosos fracassam por falhas na comunicação, creio que a relação terapêutica também naufragará diante da impossibilidade de se fazer entender.

Estou lendo um belo livro de uma autora que, além de poeta, é psicanalista, Sandra Niskier Flander. E o livro chama-se justamente a pa-lavra, assim, em minúsculas e salientando o verbo contido no substantivo. Lavrar: revolver e sulcar a terra, prepará-la para o cultivo.

Se eu tenho um Deus, e tenho alguns, a palavra é certamente um deles. Um Deus feminino, porém não menos dominador. Ela, a palavra, foi determinante na minha trajetória não só profissional, mas existencial. Só cheguei a algum lugar nessa vida por me expressar com clareza, algo que muitos consideram fácil, mas fácil é escrever com afetação.

A clareza exige simplicidade, foco, precisão e generosidade. A pessoa que nos ouve e que nos lê não é obrigada a ter uma bola de cristal para descobrir o que queremos dizer. Falar e escrever sem necessidade de tradução ou legenda: eis um dom que é preciso desenvolver todos os dias por aqueles que apreciam viver num mundo com menos obstáculos.

A palavra, que ferramenta.
É pena que haja tamanha displicência em relação ao seu uso. Poucos se dão conta de que ela é a chave que abre as portas mais emperradas, que ela facilita negociações, encurta caminhos, cria laços, aproxima as pessoas.

Tanta gente nasce e morre sem dialogar com a vida. Contam coisas, falam por falar, mas não conversam, não usam a palavra como elemento de troca. Encantam-se pelo som da própria voz e, nessa onda narcísica, qualquer palavra lhes serve.

Mas não. Não serve qualquer uma.

A palavra exata é uma pequeno diamante. Embeleza tudo: o convívio, o poema, o amor. Quando a palavra não tem serventia alguma, o silêncio mantém-se no posto daquele que melhor fala por nós. Em terapia – voltemos ao assunto inicial –, temos que nos apresentar sem defesas, relatar impressões do passado, tornar públicas nossas aflições mais secretas, perder o pudor diante das nossas fraquezas, ser honestos de uma forma quase violenta, tudo em busca de uma “absolvição” que nos permita viver sem arrastar tantas correntes.

Como atingir o ponto nevrálgico das nossas dores sem o bisturi certeiro da palavra? É através dela que a gente se cura.

2 comentários:

Nana disse...

Boa noite!
A palavra é um meio de linguagem, qq nos leva à comunicação.Martha Medeiros, deixa claro e se expressa com simplicidade o qq a palavra pode vir a ser para alguns e tb define mto bem o slêncio, como um meio de comunicação e qq nos torna, ás vezes, até mais próximos uns aos outros.. Interessante...Texto mto legal..Gostei mto.
Um abraço,
Ana Maria

Suelen disse...

Boa tarde;
Esse texto caiu para interpretação na prova para Advogado do concurso da Caixa Economica Federal, ontem, 15/04/2012.
Muito mais que ter ciência dos acontecimentos geo-políticos que ocorrem pelo mundo, antes de tudo, aprender a se expressar com "clareza, simplicidade, foco precisão e generosidade das palavras" como bem diz o texto.
Eu moro no norte do Brasil e aqui a displicência em relação ao uso e interpratação da palavra, com a utilização de expressões pobres e muitas vezes sem sentido nenhum para a frase dita é muito utilizado. Fico triste quando vejo que muitas vezes, pessoas cultas, instruídas, se predispõem a colocar as palavras de forma desordenada por pura preguiça de pensar com clareza.
É um belo texto e achei interessantíssimo a Fundação Cesgranrio trazer a tona aos meus nobres colegas Advogados um texto tão simples e ao mesmo tão rico que pelo que pude ver, pegou a maioria dos oradores que ali realizam a prova, por não saberem interpretar "a palavra"!