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domingo, 21 de outubro de 2012

Cartas do meu tempo - Irrelevâncias

Não me cabe descrever coisas que sente uma mulher em relação a seus filhos, ao futuro deles ; em relação a seus companheiros, ao presente da relação que mantêm com eles. A mim cabe apenas escrever, entre um dia e outro, o que vejo e sinto. Mas meu sentir, por tantos motivos, nem é relevante. Sou apenas uma pessoa que se escreve e se repete em seu tempo e nas marcas que encontra e vai deixando, como pegadas: algumas profundas, outras nem tanto.
As relações humanas têm um grau de simplicidade tamanha que coube a todos nós concebermos a necessidade de complicá-las, talvez para que tivessem um valor acima do que nos era demonstrado ou imposto. Talvez porque ao longo do tempo ter filhos era apenas uma missão, um ofício que, por mais que sagrado, representava muito mais uma obrigação que era medida pela quantidade e, principalmente, pelo sexo dos bebês. É. Os bebês, que chegavam para multiplicar a raça humana e nossos sonhos de eternidade.
Tanta areia passou pelas ampulhetas todas. Tantas mulheres tiveram tantos filhos e filhas e muitas os perderam e se consumiram por isso ou foram consumidas pelo fogo de suas perdas e até pela volúpia de alguns ganhos pessoais, que acabou restando para o hoje um conjunto de complicações – há culpas e tristezas, há mazelas e intensidades desmentidas; há negações e cada mulher sabe o quanto lhe é negado para ser
conquistado depois, à custa de uma série longa e muitas vezes enfadonha de renúncias.
A mim, não me cabe falar de tanto mais do que me foge ao sentir além do que somos - nós, as mulheres que formam um grupo imenso que nasceu para ser ímpar. Talvez porque sejamos remanescentes das que, um dia, disseram não à obrigação de se ajustarem a um modelo adaptável aos olhos de um mundo perfeito.
Não. A mim não cabe julgar isso.
São irrelevâncias de uma mulher que ainda se cobra nuances por ser mãe de outra mulher e viver entre a amizade e a maternidade na constância dos dias que se deseja fazer melhores para ambas.
Entretanto, há um sentido em tudo isso. É preciso apreciar homens e mulheres que não façam parte de um protótipo, e um padrão imposto – há pessoas que não se vendem a modismos, mas que sabem jorrar as águas do bem-querer e, principalmente, do momento crucial que estamos começando a viver: o da separação [ e me perdoem a alusão a uma expressão bíblica] entre o joio e o trigo. 


Aglaé Gil,  de Curitiba – com formação em revisão e produção de textos; pesquisadora de História e Literatura; aprendiz de viver; poeta;mãe; cidadã. [não necessariamente nessa ordem]

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