Cora Ronai
O fundo do poço é igual à boca do poço, só que é diferente. No fundo do poço tudo parece continuar na mesma. Os dias se sucedem, os problemas e os livros na mesinha de cabeceira se acumulam, as contas chegam, o elevador para para manutenção, chove e faz sol como a meteorologia é servida. A aparência de normalidade é tão angustiante que dá vontade de gritar. Para quem está no fundo do poço, “normalidade” é um estado que não existe.
Problemas e contratempos que, na superfície, têm enorme significado, passam a acontecer num universo paralelo, sem substância. No fundo do poço nada tem importância além do que realmente importa: a pedra no peito, o medo de pensar, o pavor do silêncio, a ausência de sinais de vida verdadeira.
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O ar é pesado no fundo do poço, mais ou menos como a água que, em mergulhos profundos, é tão pesada que achata as bolhas de ar. Quem já esteve no mar sabe como é. É por isso que, no fundo do poço, às vezes até respirar dói.* * *
O mundo e as pessoas são diferentes vistos do fundo do poço; os gestos – ou a ausência deles – ganham dimensões às vezes amplificadas, às vezes distorcidas, como imagens vistas à distância num deserto escaldante. Por outro lado, se há uma vantagem no fundo do poço, é a nitidez com que se percebem os sentimentos, nossos e dos outros.Amigos próximos que não dão sinal de vida talvez não sejam tão amigos ou tão próximos; conhecidos distantes, às vezes até geograficamente, revelam-se surpreendentemente próximos. No fundo do poço, qualquer carinho reverbera nas paredes e, como um eco, é por elas amplificado; um abraço mais apertado, um olhar que diz “Estou aqui”, um email. O silêncio, inversamente, escorre poço abaixo, como uma gosma gelada, criando dúvidas e distâncias onde, em circunstâncias normais, nada existiria. Mas, eu não sei se já disse, no fundo do poço não há circunstâncias normais.
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A vida não para no fundo do poço, mas se torna bastante difícil. Acordar é uma decisão penosa, e muitas vezes inútil: acorda-se na cama para pouco depois se adormecer no sofá. Nos dias bons dorme-se o tempo todo no fundo do poço, um sono pesado e sem sonhos. Nos dias ruins quase não se dorme, porque basta fechar os olhos para que os sonhos se transformem em pesadelos. Os dias bons, felizmente, são maioria.* * *
No fundo do poço o cérebro é, na melhor das hipóteses, um orgão inútil. Não serve para nada. É incapaz de se lembrar de um nome, de um número ou de tarefas a cumprir. Não consegue se concentrar o suficiente para a leitura de um livro, ou para que um filme faça sentido: no fundo do poço, um filme é apenas uma sucessão de imagens desconexas e desinteressantes, incapazes de segurar o olhar.Reduzido ao seu nível mais primário de funcionamento, o cérebro serve apenas para executar tarefas simples, como jogar Angry Birds ou subir fotos para o Instagram.
Mas não me entendam mal: um cérebro imprestável desses é uma benção, porque nos dias em que funciona como deveria, o cérebro é a mais eficiente máquina de lembranças e pensamentos torturantes.
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Nada vale a pena no fundo do poço: sair de casa, andar pela cidade, ir ao shopping, criar ikebanas, montar quebra-cabeças. Dizem que exercício ajuda, mas para fazer exercício é preciso chegar à academia, e para chegar à academia é preciso sair de casa – sair de casa sendo, talvez, uma das coisas mais difíceis de se executar no fundo do poço. Até encontrar os amigos é complicado, porque as conversas se tornam tão difíceis de acompanhar quanto a atmosfera feliz que costuma reger tais encontros.Viajar quebra um pouco essa rotina asfixiante, mas na verdade não resolve nada, apenas leva o fundo do poço para outra paisagem.
Um comentário:
Então... nada a fazer... a não ser esperar pelo "abençoado" TARJA PRETA que vai ajudar a decifrar, reconhecer, compreender e quem sabe fazer entender que não é assim... assim... tão...tão... poderoso!!!
E a partir daí, deixar de ser frequentador assíduo...
Cora Ronai é iluminada...
acho que ela me conhece...
que venham os tarja preta!!!!!
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