Na era do Twitter, das redes sociais e dos reality shows, marcada pelo que Tutty Vasquez chama de "evasão de privacidade", quando a intimidade é oferecida ao público em busca de fama e fortuna, é nas grandes tragédias que chega ao paroxismo a exibição de imagens de dor e sofrimento humano nas telas de televisão e nas páginas de jornais. No Japão sóbrio e decoroso, as dores das perdas, por maiores que sejam, se expressam com discrição e pudor, e testemunhar o sofrimento alheio impõe recato. Não é um espetáculo, como nos Estados Unidos, em que a excelência da cobertura jornalística abriga também a exploração de choros e dores dilacerantes em busca de uma audiência em que compaixão e sadismo se misturam. Há quem goste de ver gente sofrendo, quem goste de sofrer junto, quem se alivie por não viver aquele horror. Mas quem gostaria que sua dor pessoal e intransferível fosse exibida para todos? Quanta solidariedade se nutre da dor e do sofrimento alheio para tentar expiar as próprias culpas? Quem chora por quem? Uma das coisas mais tristes a que nos habituamos a ver são imagens de pessoas em momentos de extrema dor e comoção, diante de uma câmera que espera o choro para fechar a zoom nas primeiras lágrimas. Covardia? Exploração? Informação? Pode ser tudo isso, mas ninguém é obrigado a ver. Ultimamente, se não há possibilidade de um real gesto solidário, não vejo mais: baixo os olhos com pudor japonês, mesmo sozinho em casa diante TV. Talvez seja da idade e do velho coração cansado de tanto bater e apanhar, mas já não consigo aguentar outros sofrimentos além dos que a vida nos impõe e que somos obrigados a enfrentar, na intimidade. Por isso me recuso a ver filmes tristes e dolorosos, ainda mais os "baseados em fatos reais", em que alguém, como eu ou você, passa por sofrimentos insuportáveis e, às vezes, sobrevive. E quanto melhor o filme, pior: o realismo é proporcional ao sofrimento de quem vê. Pode ser senilidade emocional, fraqueza diante da dor, ou simples covardia humana, mas radicalizei: não pago mais para sofrer. Já basta a vida real nos jornais e na televisão.
Nelson Motta - O Globo
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