Vocês devem ter visto a brincadeira.
Os colegas do jornal imprimiram uma falsa primeira página dedicada a mim, incluindo a manchete. A emoção da surpresa quase fez comigo o que o tempo ainda não conseguiu. Por pouco me tirava de campo. Foi o presente de aniversário mais original e criativo que já recebi. Sim, porque fiz 80 anos. Não sei o que o Cristo Redentor está sentindo, já que temos a mesma idade, embora ele esteja mais bem conservado. Quanto a mim, acho que tem gente que merece mais do que eu. Em compensação, estou na companhia ilustre de João Gilberto, FHC, Chico Anysio e Alberto da Costa e Silva, dos que me lembro. Em 1962, Otto Lara Resende escreveu um artigo falando de “crise dos 40”. Hoje, 40 anos é um começo. Graças aos avanços da gerontologia, não se fazem mais velhos como antigamente. Os de hoje são muito mais jovens. Basta dizer que os velhinhos de barba e cabelos brancos daquela galeria de antigas celebridades que vemos nos livros não passaram dos 70.
Quem diria que o vetusto D. Pedro II era cinco anos mais novo do que Pelé, com 71? E Machado de Assis de pincenê parece da idade de Roberto Carlos? O provecto Marx tinha quatro anos menos que os 69 de Caetano. A imagem do Barão de Itararé é a de um avô do Ziraldo, e era três anos mais jovem do que o quase octogenário pai do Menino Maluquinho. Já Freud aparentava o que tinha, 83. Mas duvido que aguentasse o pique do jovem Barretão, colega de idade.
Indo mais longe, Cícero, o romano, era um sessentinha que se sentiu com experiência suficiente para escrever um clássico sobre o tema: “De senectute”. Já Norberto Bobbio, muito tempo depois, só se achou maduro para fazer o seu “De senectute” com mais de 80 anos. Entre a exaltação de Cícero e a depreciação de Bobbio (“Quem louva a velhice não a viu de perto”), prefiro o meio termo. Não caio de paixão pela velhice, mas não concordo com Oscar Niemeyer, que a acha “uma merda” (mas não quer sair dela). A própria adolescência, tão idealizada à distância, é uma das fases mais atormentadas da existência. Não acredito, porém, no mito da ancianidade como fonte de sabedoria. Conheci idiotas aos 18 e aos 80 (vai ver vocês estão falando com um).
De todos os ritos de passagem, o mais traumático foi a virada dos 60, quando descobri que nunca mais faria outros 60 e que passaria a ser chamado de “idoso”. Senti como agora o descompasso entre o relógio cronológico e o biológico. Ou o primeiro está adiantado ou o segundo, atrasado. Existe, porém, uma virtude anciã a ser exaltada: a tolerância. Por causa dela é que, olhando o pôr do sol, a gente consegue ver no ocaso a presença de uma serena e crepuscular beleza — quando a vista não falha, bem entendido.
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