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sábado, 24 de março de 2012

Minha História - Nadia Foes


Meu nome é Gardênia. Explica-se, minha mãe quando se separou do meu pai vendeu tudo o que possuíamos em casa, menos os seus livros. Ela amava ler. Adorava romances. Sua biblioteca era respeitável. Ela chegava algumas vezes a encarnar os personagens. Algumas vezes ela era Rebeca, outras Margarite Goutier, a dama das camélias, e no final de seu casamento foi Ana Karenina. Ela era trágica. Venho de uma família que tem o dom da tragédia e alguns membros tem o dom da comédia. Eu herdei os dois lados. O nosso brasão devia ser o do teatro, a tragédia e a comédia. Até tenho um par de brincos e um anel representando o símbolo do teatro, a tragédia e a comédia. Vejo que me estendi um pouco, pois eu quero falar é do meu nome. Quando nasci, minha mãe me achou com cara de Rebeca, depois pensou um pouco e resolveu que eu receberia o nome de Katucha, porém alguém de bom senso achou que o nome seria muito pesado para uma criança tão pequena e que existia a possibilidade de na primeira infância eu ser chamada de Kartucha. Pois minha mãe plantou gardênia. Nunca me contaram quais foram as minhas primeiras palavras, nem como eu pronunciava o meu nome. Eu não consigo imaginar, n a escola deve ter sido um fiasco. Lá pelos dez anos me perguntavam qual origem de meu nome e eu respondia, a flora. Isso me dava um ar de superioridade e a meninada não entendia mas ficava embaraçada. A medida que fui crescendo devo ter ficando cara de gardênia e hoje eu gosto de ser gardênia, até plantei um pé de gardênia no meu jardim. Pois foi na época de aprender a gostar e me fazer respeitar meu nome que a minha mãe acentuou sua mania de encarnar os personagens de romance. Minha dificuldade em saber se naquele momento ela estava incorporada por Margarite ou Rebeca. O duro era quando ela resolvia ser a Ana Karenina! Pois aí eu pensava, ela é tão perfeccionista e se ela resolve se atirar nos trilhos do trem, como vamos ficar? Três órfãs de pai e mãe? Com o passar dos anos fui perdendo este medo, pois quando ela teve que enfrentar a menopausa precoce, como ela sempre disse. Ela teve a última filha com 38 anos, ela desmaiava. Era terrível, pois ela encostava na parede e deslizava para o chão, ou caia deitada no sofá. Nunca caiu em qualquer lugar, só em lugares adequados. Aí ela já estava casada novamente, a filha foi do último casamento dela. Como deve dar para ver a minha infância e adolescência foram sem dúvidas atribuladas. Aos doze anos, minha mãe mandava confeccionar uns corpetes de tecido branco duro coberto de renda de algodão. Segundo ela era para deixar o corpo bonito, porém a coisa não funcionou e meus seios ficaram com formato de ovo frito. Eu até gostava daquela armadura. É que eu sou resiliente. Só fui descobrir isso na meia idade. Penso que na época eu era “resistente mesmo”. Pois a vida foi seguindo o seu curso e eu fui acumulando cicatrizes que a vida fez. Não sei se hoje posso me comparar a uma colcha de retalhos de tão emendada. Algumas vezes penso que devo ser uma porcelana quebrada e solada, meio craquelet. Como fui muito mal resolvida com meu pai, eu me tornei mal resolvida com os homens. Sabe aquele tipo que atrai tudo o que ruim e pode se machucar emocionalmente? Casei com um homem prepotente e egoísta, não saí do casamento porque sou preguiçosa. Certas atitudes exigem muito empenho e não tenho selo de garantia. Casamento não tem seguro de vida!É tudo muito complicado, pois fui ficando por acomodação, pois agora que eu estava pensando “ora, tanto faz como tanto fez”, eu acordei dando uma guinada na minha vida. Estou cheia de planos e sonhos, e sei que vou me realizar, é só estar no local certo na hora certa. Sonhar certa altura da vida é salutar, tenho nas mãos um leque de opções, vou ter muitas histórias para contar. Logo eu que era considerada a ovelha má da família, eu era, ou melhor, eu sou isso sim! Uma ovelha desgarrada de seu rebanho, porém isso é outra história. Nem sempre uma ovelha perdida é infeliz, minhas cicatrizes são minhas vivências. Por hora estou fazendo um retiro espiritual para iniciar a minha empreitada. Vou precisar estar bem espiritualmente carrego uma caixa de boas surpresas, sonhos e certamente muitas realizações. Seguir o atalho não é a melhor saída. É só saber onde vai dar a estrada e haverá sempre alguém disposto a nos ensinar. Gardênia sabe o que deseja, a espera foi longo, mas valeu a pena. Como disse Fernando Pessoa, tudo vale a pena se a alma não é pequena!
Restaurandora de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura, cinema, e a paixão de escrever.

Um comentário:

Nana disse...

BOA TARDE!!
BELO TEXTO..SIMPLES E COM DETALHES MARCANTES..SHOW DE BOLA!
A AUTORA NOS PROPORCIONA UM FINAL MTO FELIZ,COM A CITAÇÃO DE FERNANDO PESSOA,"TUDO VALE A PENA SE A ALMA NÃO É PEQUENA".
UM ABRAÇO,
ANA MARIA