Eu não quero escrever uma história de amor. Fico olhando para a tela do
computador e para o teclado como se conseguisse olhar para dentro de
mim, da minha alma, e insisto: eu não quero escrever uma história de
amor.
No entanto, sobre o que escreve uma mulher se sua própria
existência é, do início ao fim, um tatear à procura de letras e palavras
e gestos que descrevam uma linha extensa e intensa com a vibração de
força e luz do amor?
Olho para o tempo atrás de mim como quem olha
para um caminho percorrido com vagar e vejo mil histórias intercaladas.
São como rios e seus afluentes que, invariavelmente, desaguam no grande
mar da vida. Então, tudo se explica e se retrata tão nitidamente, que me
parece muito fácil escrever sobre qualquer outra coisa que não seja
absurdamente banal. Porque, na verdade, o amor se abre diante do que é
banal para se mostrar inteiro, completo, superior às mazelas que se
criam ao redor e que são mensageiras de bobagens insípidas, como o que
se convém, hoje, chamar de “amor”.
Hoje, quando uma criança de
poucas semanas segurou minha mão, ou melhor, meu dedo indicador, e
sentiu-se segura o suficiente para parar de chorar e adormecer, eu tive,
mais uma vez, a noção exata do que é se dar sem reservas e oferecer,
com esse gesto, a possibilidade de o outro confiar, parar de temer,
reconhecer diante de si alguém que está apenas oferecendo calor e
ternura. A mãozinha quente e macia vacilou por alguns minutos ao sentir a
pele de minha mão, desconhecida ao toque dela, porém igualmente
desejosa de ser útil, de oferecer segurança e bem-estar. Em questão e
minutos ela soube: poderia confiar e se deixar cuidar, poderia
abandonar-se a mais um sono calmo e quente. Agarrou-se com ternura,
porém firmemente, ao meu dedo e senti que seus pequenos músculos
relaxavam e ela adormecia com a expressão digna e tranquila dos bebês
saudáveis e prontos para uma longa estrada a percorrer.
Reaprendi
ali que é muito simples atender ao chamado do sentimento desinteressado e
iluminado que liga as pessoas tão-somente porque são semelhantes. O
outro não precisa ser um inimigo. É um ser semelhante. E ponto. Não
precisa ser um irmão invocado pelos exageros de uma pseudo-fé que a nada
que é diferente aceita. Não precisa ser objeto de uma paixão
desenfreada e a razão de viver de mais ninguém. É uma pessoa. Este fato
deveria nos bastar para respeitarmos e, simplesmente, amarmos.
Seria
muito melhor se nossa religião, a de todos nós, estivesse voltada para o
nosso semelhante. Porque o sagrado nos acompanha na mesma medida em que
o profano nos invade e, com nossos erros tantos, com as nossas
imperfeições, forma esse mosaico raro que somos nós.
Um dia, muito
tempo atrás, alguém me surpreendeu em minha meninice com palavras de que
jamais me esqueci: “não olhe para o céu para procurar por Deus...o que é
Dele vem de lá, mas está por aqui, aqui embaixo mesmo, em tudo,
principalmente nos iguais a nós. Procure por Deus nos olhos de uma
pessoa.Ame Deus amando as pessoas e ensinando-lhes a amar você.”
Desde então comecei a me prender ao que os grandes mestres que passaram
por este mundo tentaram ensinar. Tão simples são os ensinamentos...assim
como é simples um lírio no campo, vestido de festa todos os seus dias,
porque todos os dias, na verdade, são uma festa, se levarmos em conta
quem somos, de onde viemos e que todos temos essa mesma origem e esse
mesmo destino. Todos os dias têm o mesmo sentido e nos murmuram: “para
adiante...sempre à frente”
É. Eu não quero escrever uma história de
amor. Mas, dificilmente eu conseguirei escrever algo que não seja uma
história de amor. Porque cada um de nós está impregnado e formado por
páginas e páginas de histórias que merecem ser escritas e gritam por
isso. E, sendo histórias vividas por pessoas, não há como não serem
histórias de amor.
Porque não existe neste mundo quem não viva por
amor, ainda que a própria vida seja um fiapo, um frágil roçar de asas de
uma borboleta, o correr alegre e breve de uma bolha de sabão...uma
folha amarelada caindo sobre outras pelos gramados ou calçadas, a nuvem
formando desenhos preguiçosos no céu...
Pois é assim. Por mais
efêmera que possam considerar a própria vida, as pessoas vivem movidas
pelo amor. O que as difere é o rumo que escolhem dar a esse sentimento.
Aglaé Gil, de Curitiba – com formação em revisão e produção de
textos; pesquisadora de História e Literatura; aprendiz de viver;
poeta;mãe; cidadã. [não necessariamente nessa ordem]
Nenhum comentário:
Postar um comentário