Horas a menos de repouso levam ao acúmulo no cérebro de uma proteína
ligada à doença. Se confirmação se der em humanos, médicos terão uma
forma de antecipar o surgimento do mal degenerativo
Paloma Oliveto
À medida que a idade avança, a tendência é
dormir menos. Não é à toa que os idosos costumam acordar antes do raiar
do dia. É também na velhice que alguns tipos de demência, como o mal de
Alzheimer, começam a se manifestar. De acordo com diversos estudos, essa
doença neurodegenerativa, contudo, se estabelece até 15 anos antes de
os sintomas aparecerem: quando isso ocorre, o cérebro já está bastante
danificado. Distúrbios no sono podem fornecer as primeiras pistas de que
algo não vai bem no funcionamento dos neurônios, segundo um estudo
publicado nesta semana na revista científica Science Translational
Medicine. Para o neurologista David M. Holtzman, da Universidade de
Washington em St. Louis, que há mais de uma década investiga o
Alzheimer, existe uma forte relação entre poucas horas de sono, idade e
demência.
Uma das causas do Alzheimer é o acúmulo, no espaço entre os
neurônios, da proteína beta-amiloide. Em pessoas saudáveis, ela é
eliminada naturalmente, mas, por motivos ainda não completamente
esclarecidos, a substância pode começar a se agrupar, formando placas de
gordura. A equipe de Holtzman constatou, em ratos, que a deprivação do
sono faz com que esse processo ocorra antes e mais rapidamente. Caso o
mesmo se confirme em humanos, será possível, no futuro, detectar o
Alzheimer precocemente, antes que a demência se estabeleça. Embora ainda
não exista cura para doença, as pesquisas sobre possíveis intervenções
já estão aceleradas. “Estamos trabalhando para isso”, garante Holtzman.
Há dois anos, o laboratório do cientista aplicou uma técnica,
chamada microdiálise in vivo, para monitorar os níveis de beta-amiloide
no cérebro dos animais. Com esse exame, os pesquisadores notaram que a
quantidade da proteína aumentava quando os ratos estavam acordados e
caía enquanto dormiam. O mesmo foi observado em humanos, em um estudo
paralelo de outro laboratório da Universidade de Washington, um centro
de referência de pesquisa em distúrbio do sono.
Os cientistas, liderados pelo neurologista Randall Bateman,
coletaram amostras do líquido cefalorraquidiano (LCR) de voluntários de
vários grupos etários, com ou sem Alzheimer. O LCR circula pelo cérebro e
faz uma faxina no órgão, chegando até a medula espinhal, de onde pode
ser retirado. O líquido carrega metabólitos, o “lixo” resultante das
reações químicas ocorridas no cérebro e, por isso, é possível verificar a
presença e as taxas de determinadas substâncias, como a beta-amiloide.
“Em pessoas saudáveis, os níveis da proteína cai para seu patamar
mais baixo cerca de seis horas depois do sono e retorna ao ponto máximo
seis horas após elas despertarem. E o único fator fortemente relacionado
ao aumento e à queda da proteína no LCR foi o sono”, afirma Bateman.
Maior concentração Agora, Holtzman investigou se a deprivação do
sono pode influenciar nesse ciclo natural, levando ao acúmulo da
proteína. Para isso, ele utilizou ratos geneticamente modificados, que
desenvolvem Alzheimer quando envelhecem. A pesquisa mostrou que, à
medida que as placas começam a se formar, o intervalo entre sono e
vigília é interrompido bruscamente. Da mesma forma, quando os cientistas
forçavam os animais a ficarem acordados por mais tempo, isso se
revertia em um aumento na concentração da proteína e, consequentemente,
na formação de placas (veja arte).
A relação entre período de sono e o acúmulo de beta-amiloide foi
confirmada em mais um teste. Os pesquisadores imunizaram parte dos ratos
modificados geneticamente com uma substância que impede o agrupamento
da proteína. Mesmo programados para terem Alzheimer, os animais não
desenvolveram placas beta-amiloides e seus padrões de sono continuaram
normais, com os níveis da substância aumentando e caindo normalmente,
como o esperado em um cérebro saudável.
Ainda não se sabe por que a formação de placas está relacionada ao
aumento do tempo de vigília. Os cientistas desconfiam que, ao começar a
se acumular, a beta-amiloide interrompa a atividade dos neurônios no
córtex cerebral, impactando na qualidade do sono. Também é possível que
as placas danifiquem regiões específicas relacionadas ao ciclo
cicardiano.
Para Holtzman, é importante intensificar as pesquisas para
desenvolver um método não invasivo e seguro que detecte o Alzheimer até
uma década antes do estabelecimento da demência. De acordo com ele, a
Universidade de Washington em St. Louis também pretende fazer uma
pesquisa epidemiológica para estudar os padrões de sono em pacientes de
Alzheimer e, assim, obter dados populacionais que confirmem as
descobertas que ele fez em laboratório.
Risco elevado para atletas
Jogadores profissionais de futebol
americano são mais suscetíveis a danos nas células cerebrais, condição
que pode desencadear diversos males neurológicos, incluindo o mal de
Alzheimer e a doença de Lou Gehrig, caracterizada por paralisia
progressiva e problemas cognitivos. Um estudo publicado na revista
científica Neurology, da Academia Americana de Neurologia, comparou a
causa de óbito de atletas que competiram em pelo menos cinco temporadas,
entre 1959 e 1988, à da população americana em geral e descobriu que os
primeiros correm mais riscos de morrer devido a males
neurodegenerativos.
O estudo examinou os atestados de óbito de 337 jogadores da Liga
Nacional de Futebol, que tinham cerca de 57 anos quando morreram, e se
concentraram nos documentos daqueles cuja causa havia sido Alzheimer,
Parkinson ou Lou Gehrig. Os riscos de morrer de mal de Parkinson não
foram significativamente maiores, comparando-se à população em geral.
Porém, em relação às outras duas, houve a probabilidade foi quase quatro
vezes maior. “Esses resultados estão consistentes com estudos recentes
que sugerem um aumento no risco de jogadores de futebol desenvolverem
doenças neurodegenerativas”, disse, em nota, Everett J. Lehman,
principal autora do artigo e pesquisadora do Instituto Nacional para
Segurança Ocupacional e Saúde dos EUA.
De acordo com ela, embora o estudo tenha analisado as causas de
morte a partir das certidões de óbito, é possível que a encefalopatia
traumática crônica (ETC) tenha sido o fator primário ou secundário
dessas mortes. Essa condição surge depois de traumas sucessivos no
crânio e tem sido associada a boxeadores, lutadores e jogadores de
futebol americano. (PO)
FOLHA DE S.PAULO
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