Restaurandora
de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi
classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros
publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais
domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura,
cinema, e a paixão de escrever.
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
A culpa é da Xulipa - Nadia Foes
No norte faz calor e o povo é muito agradável. Todo o mundo
se comunica e todo dia é dia de festa. Se não tem festa, dá-se um jeito. Sempre
tem alguém disposto. É assim: vamos fazer um tacacá? Um pirarucu de casaca? Um
baião de dois? É uma animação danada. É como se diz por lá: um povo arretado. E
isso é maravilhoso! A união deles me emociona. Sempre que vou visitar a filha
me sinto muito bem acolhida.É um povo hospitaleiro, quente. Aqui no sul faz
frio. É tudo diferente. No verão baita festa. Passa o verão e todos se recolhem
para suas tocas hibernando, mas no norte é diferente. Até já andei pensando em
trocar por uns tempos o sul pelo norte. Uma ocasião fomos conhecer um local
lindo, chamado Hotel Pakaas, no meio da floresta amazônica, onde passamos um
final de semana maravilhoso. Ficamos na piscina do hotel até a meia noite,
olhando o luar e o encontro dos Rios Madeira e Mamoré. A gente tem impressão
que está no meio do rio. As cabanas ficam sobre palafitas e a vegetação natural
foi respeitada. Não cortaram uma árvores sequer. A fauna e a flora são muito
ricas lá. Confesso que sou de procurar encrenca e se não tem eu arranjo. Pois
no paradisíaco hotel encontrei com a nora do proprietário com um cãozinho muito
bonitinho no colo. Como gosto muito de animais fui xeretear o cãozinho
bonitinho no colo da dona e de barriga pra cima. Fiz festa pra ele, contei que
minha neta tem uma igual e na animação encostei o meu rosto no cãozinho
bonitinho. E o cãozinho bonitinho não gostou da intimidade e sem reserva deu
uma mordida na ponta do meu nariz que na minha adolescência me incomodava
muito. Vivia louca para fazer uma plástica. Até que fui num cirurgião e ele me
explicou que estava dentro dos padrões para meu rosto anguloso e a boca grande.
Ali não cabia um narizinho. Algum tempo ouvi dizer que o nariz da gente cai com
o passar dos anos. Não é que acho que estava nesse tal de passar dos anos,
porisso dona Xulipa comeu um pedaço. Foi um alvoroço danado. A dona do cãozinho
bonitinho chorava, os empregados correndo com toalhas e o sangue que não ia
estancar pois era uma zona muito vascularizada; foi um cenário de terror. Além
de perder parte do nariz ainda tive que consolar a moça e os funcionários. Pedi
a eles: por favor, a culpa não foi dela, tragam soro fisiológico. Não tinha.
Tem médico aqui. Não tinha. Só na cidade mais próxima a poucas horas de viagem.
E lá fomos em busca de socorro, segunda duas toalhas no rosto e como tudo
estava fechado nos indicaram o hospital. Lá chegando uma enfermeira telefonou
para a residência do médico e me levou para uma sala onde tinha uma mesa e no
canto uma pia. Na pia um sabão azul e uma esponja grossa. E a tal enfermeira
lavando a esponja com o sabão azul. Olhei desconfiada e perguntei: o que você
vai fazer com isso? E ela responde: lavar seu ferimento. Perguntei: tem soro
fisiológico? Me respondeu: não tem. Tem gaze? Não tem. E é com isso que você
vai fazer a limpeza no meu nariz? Foi aí que fiquei doida, ensandecida.
Respondi: não vai fazer isso comigo coisa nenhuma. Deixa que eu mesma limpo.
Peguei um pedaço da dita toalha que o hotel me emprestou, lavei com o dito
sabão azul e lavei meu ferimento. O que foi mais trágico foi quando o marido
olhando dizia: falta um pedaço, falta um pedaço do nariz! O médico chegou e não
tinha grande coisa para fazer. Faltava tudo. A recomendação foi volte para a
capital pra tomar soro antitetânico e vacina anti-rábica. Voltamos para o
hotel, almoçamos, pegamos a bagagem e voltamos para a capital. Na volta, com o
pessoal todo em estado de choque, só chegamos de viagem tarde da noite. Só foi
possível conseguir uma consulta no dia seguinte. Quando chegamos para a
consulta, o cirurgião examinou e disse: se for para fazer um enxerto vai ficar
uma bola na ponta do nariz. Tem que esperar a cicatrização para ver como vai
ficar e só depois fazer uma reconstrução. Recomendou os medicamentos e lá fomos
para a farmácia. Cada farmácia tem um anexo, uma espécie de posto de
atendimento com pessoal capacitado. E comecei a fazer os curativos duas vezes ao
dia: de manhã e à noite. Uma manhã fui atendida por uma enfermeira e a noite
por um senhor. Tudo muito limpo e, dentro do possível, até que o curativo era
bem feito. Parecia que eu tinha um pião na ponta do nariz. Em uma das vezes a
delicada enfermeira que me atendia disse que trabalhava no hospital de
hanseníase e lá eles só fazem curativo com açúcar grosso. Tem que ser do bem
grosso. Perguntei: e as formigas? Ela disse: não tem perigo. Pensei com os meus
botões: que fazer, eu é que não vou contrariar essa maluca. E saí de lá com
açúcar grosso. À noite, na troca do curativo, perguntei ao enfermeiro que
estava me atendendo a história do açúcar. E ele explicou que era para acelerar
a cicatrização. Minha filha que andava muito triste pelos cantos porque achou
que a volta para a casa seria adiantada para vir consultar o meu
dermatologista, ficou feliz quando resolvi ficar a temporada programada. De
curativa, chapéu ou boné, era assim que eu andava. E um pião na ponta do nariz.
Na volta fui ao meu dermatologista que quando o estrago me abraçou e chorou. O
tratamento durou doze meses. Saiu o curativo e entrou o esparadrapo e sempre de
chapéu, até no inverno. Pois não é que a pele se regenerou; usei um medicamento
que preencheu o buraco e o resultado que a dona Xulipa me fez uma plástica,
pois a ponta do nariz ficou mais empinada. Agora, se alguém se candidatar a
levantar o nariz, é só ir no Pakaas, lugar bonito, comida boa, tratamento de
primeira e plástica gratuita. É só pagar as diárias. E olha que poderia ter sido
um macaco porque lá eles pulam de galho em galho bem em cima de nossas cabeças.
Na próxima temporada do norte, pretendo dar uma chegada lá, mas, por via das
dúvidas, telefono antes para saber se a Xulipa está lá. Nunca se sabe...
Postado por
ORACY
às
09:30
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