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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A História de Nana - Nadia Fóes


Nana contava cinco anos quando entrou com sua mãe naquela casa; jamais vira em sua vida ambiente tão suntuoso e pensou nos contos de fada que sua mãe costumava contar para fazê-la adormecer. As portas altas de folhas duplas davam para um pequeno saguão onde um belo anjo barroco dava as boas vindas. Na sala da lareira, os móveis eram de época, mas pareciam vindos de um castelo. Seus olhos não cansavam de percorrer a sala; os espelhos, as telas, os lustres, tudo encantou Nana, mas o que mais encantou Nana foi a dona da casa e suas duas filhas. Uma da idade de Nana e outra um pouco menor. A dona daquela casa magnífica era uma médica e o marido também era médico. O consultório ficava anexo à residência. A doutora estava a procura de alguém para cuidar da rouparia e que soubesse costurar para fazer lençóis, roupas para o dia a dia, uniformes, e etc. A mãe de Nana apresentou-se trazendo a filha pela mão, menina linda, loirinha de olhos escuros. As meninas da casa também eram loirinhas. A mãe de Nana veio com recomendação partida da sogra da médica. Logo após a entrevista ficou combinado de começar no dia seguinte. Era o tempo da mãe de Nana arrumar as poucas coisas das duas e colocar a pequena casa onde moravam para alugar. No mesmo dia mudaram para a residência da doutora. Nana e a mãe receberam o apartamento da parte superior da garagem, amplo e arejado, mobiliado com bom gosto, e cortinas de voil listado que pareciam um arco-íris. Na cabeceira da cama de casal, um crucifixo e um terço enorme lembravam o divino. Nas mesas laterais, dois lampiões belgas. No chão de tábuas, tapetes coloridos entonando com a cortina. Era o apartamento de hóspedes. A mãe de Nana encantada com a oportunidade de viver bem e em um lugar tão elegante e seguro, recomendou: Nana, não faça bagunça, só brinque com o que é seu. Nana carregava muitos livros de história. Um baú de livros presente de seu pai desaparecido. Como a mãe de Nana gostava de ler à noite, as duas se recolhiam mais cedo para ler na cama, e a mãe de Nana contava aquelas lindas histórias. Certo dia a babá das meninas da casa adoeceu e foi se curar na sua própria casa, levando todos os medicamentos, frutas e verduras para se recuperar mais rápido e a mãe de Nana foi escalada para substituir a babá. A mãe de Nana pediu permissão para a dona da casa para levar as meninas para a rouparia que era um grande quarto com armários grandes para guardar tecidos, máquinas de costura, mesas com gavetas de corte, e mesas de passar e engomar. A mãe de Nana gostava de engomar as roupas com gelatina. Todas as roupas das meninas e as de cama e mesa eram engomadas. No canto do quarto de roupas a mãe de Nana improvisou uma mesa e três cadeiras, mandou o jardineiro cortas os pés de três cadeiras que estavam separadas para doar. Ela pintou uma velha mesa e as cadeiras, colocou um quadro negro na parede e ali, entre uma costura e outra, começou a alfabetizar as três. No início de abril a doutora comprou tecidos mais pesados de muito bom gosto. Comprou também organdi e rendas e pediu para a mãe de Nana fazer os vestidos de páscoa; comprou vários figurinos infantis italianos. A mãe de Nana reuniu as meninas e consultou as três e elas fizeram as suas escolhas. Não teve confusão, uma escolheu o tecido xadrez, outra o listado e outra o estampado. A mãe de Nana confeccionou os vestidos que ficaram tão lindos que a doutora a elegeu a costureira oficial da casa. Ela passou a confeccionar todos os vestidos da mãe e das filhas. Aí ficou estabelecido que nos meses de outubro, novembro e dezembro seriam confeccionadas as roupas de verão e que em abril seriam confeccionadas as roupas de inverno. A doutora comprava os aviamentos, tecidos e figurinos para confeccionar as roupas das cinco mulheres. A mãe de Nana era muito jovem e bonita, a doutora também. Certo dia a doutora disse ao marido, vou fazer a matricula das três meninas no colégio. O marido perguntou você pensou bem? Porque as meninas são muito unidas, mas de origem diferente. E o pai de Nana, não se sabe sequer se a mãe da Nana não é solteira. A doutora que era adepta da justiça social perguntou, e daí? Mas resolveu consultar a mãe de Nana que jamais falara no pai da menina tão educada. E foi aí que ela explicou, eu não gostaria de ver minha filha estudando em colégio tão tradicional, porque eu não posso usar o nome do meu marido, e foi esta a causa que me fez candidatar ao emprego na sua casa. Aqui estamos seguras, ele sumiu nos porões da ditadura militar, foi à uma reunião de operários dar uma palestra e nunca mais apareceu. Como a sua sogra sabia do caso, pois ela ajudou muita gente a sair do país, ela resolveu que em sua casa, ninguém se atreveria a procurar. Ficou decidido que Nana iria para outro colégio e com o nome de solteira de sua mãe. Mas as meninas sempre andaram juntas até terminar o curso normal. Comemoraram a festa de quinze anos das duas, o baile de debutantes, a formatura. Depois de formadas e já com namorados em vista, a mãe de Nana trabalhou dobrado. Ela já possuía um pé de meia considerável, mas não quis se afastar do seu porto seguro. A primeira a casar foi Nana; casou com um rapaz muito bom, de boa família, era professor universitário e não se envolvia em política, que a mãe de Nanda gostou. O casamento de Nana foi lindo, vestido de alta costura confeccionado pela mãe da noiva. A igreja estava linda; na época era costume recepcionar os amigos íntimos, parentes e padrinhos. E a mãe de Nana quis ter o prazer de oferecer a festa como uma forma de agradecer tudo o que recebera da maravilhosa família. Festejou o casamento da filha em um restaurante que possuía anexo um luxuoso salão de festas, porem pequeno, o espaço físico era para cem pessoas. E a decoração foi um conto de fadas, as mesas receberam toalhas amarelas e sobre-toalhas brancas; louças com motivo floral, amarelo ouro e branco; guardanapos de tecido leve floral confeccionados pela mãe da noiva; e o centro de mesas, luminárias filigranadas de marfim igual ao porta-guardanapo; as cadeiras vestidas de amarelo com laços brancos; a mesa de doces era redonda com toalhas amarelas e sobre-toalhas brancas; dois enormes querubins seguravam uma gaiola dourada onde dois pássaros amestrados faziam coreografias, aliás os pássaros eram premiados em exposição, o único luxo da mãe da noiva que era ornitóloga; a iluminação das mesas dava uma efeito cênico que anos depois ainda se comentava; o bolo da noiva, um enorme colchão de noiva branco com dois pássaros, aves do paraíso, de plumas brancas; na época estava fora de cogitação o casal de noivinhos em cima do bolo; a ceia digna de príncipe, os vinhos os melhores. Foi tudo tão perfeito e luxuoso, luxo que só se repetiria no casamento da filha da doutora que foi madrinha de Nana e que casou dois anos após. E como não poderia deixar de ser, foi a mãe de Nana que organizou a festa e se esmerou, pois aí ela já estava se tornando profissional em organização de festas. Suas idéias eram tão surpreendentes que quanto mais festas organizava, mais se superava. Nana casou e foi morar em local nobre, decorado pela sua mãe que passou também a fazer decoração de interiores. Nana fez faculdade e passou a trabalhar com o marido, foi ser professora universitária. Teve duas filhas que hoje moram em Londres e estão cursando o San Martin College of Art and Design. Sua mãe continua a morar na casa de sua amiga médica e seu marido, no apartamento da garagem. Do pai de Nanda nunca se teve notícia e com a anistia política a mãe de Nana pode assumir a sua verdadeira identidade e passou a procurar pelo marido que desapareceu na ditadura militar. O que ela soube foi que ele foi preso quando estava a caminho do local onde ia dar a palestra. Foi levado pela polícia para depor e nunca mais foi visto. Segundo a pessoa que deu essas informações, é bem possível que tenha sido lançado ao mar. Ela, com a ajuda dos amigos, fundaram uma organização que luta pelos direitos das viúvas da ditadura. A mãe de Nana nunca se refez da perda do marido e não se casou mais. Aos domingos as quatro famílias, mais a mãe de Nana, se reúnem no sitio de Nana onde podem descansar a cabeça, tomar banho de cachoeira e relembrar a infância das três meninas inseparáveis. Final do ano, época de festas de natal e ano novo, todos se encontram na residência do médico que é a mesma casa onde cresceram Nana e suas amigas. Elas continuam inseparáveis, são mulheres bem resolvidas e têm maridos feitos sob encomenda para a sua mulher exemplar.



Restaurandora de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura, cinema, e a paixão de escrever.

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