A foto estrelou todos os jornais de ontem. Em Brasília, o novo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), envolvido em processo criminal, sobe a rampa do Congresso para a abertura do ano legislativo. Vinte manifestantes o recebem com faixas e cartazes onde se leem "Fora Renan!", "Abaixo o Senado!", "Até quando o Poder Legislativo envergonhará o Brasil?", e, na trilha sonora, gritos de "ladrão", "safado" e "sem-vergonha". Apesar disso, Calheiros segue impávido e marcial, passando em revista a tropa, sem ver nada de errado nela -nem ela nele.
Até pelos soldados fardados de azul e tocando tambor à sua passagem, a cena poderia estar numa opereta de Ernst Lubitsch nos anos 30, com Maurice Chevalier e Jeanette MacDonald, ou numa tampa de caixa de bombons. Calheiros tomou posse sob uma avalanche de editoriais, artigos, cartuns e cartas de leitores, todos contra, mas suas orelhas não arderam nem por um segundo.
Assim como passou pelos soldadinhos como se eles fossem de chumbo e pelos manifestantes como se não existissem, Renan ignorou também a saraivada da mídia. E por que não? Se seus colegas de 20 partidos, entre os quais o PSDB, não se importam de ser presididos por alguém com uma biografia tão cheia de sombras, por que se irritar com críticas que, para ele, têm tanto volume e alcance quanto as dos manifestantes com suas faixas?
A superioridade de Renan reflete o estado de espírito da maioria dos políticos em relação a quem os elege. É exatamente como no cinema. O Congresso é a tela em que eles interpretam seus papéis, maiores que a vida e inalcançáveis pelos espectadores. A função destes é a de, se quiserem, assistir a eles, sentados em suas poltronas, e, no máximo, ruminando sua pipoca.
E, a cada quatro anos, voltar ao guichê e comprar de novo o ingresso.
Fonte: Folha de São Paulo
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