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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Controle Remoto, por Nadia Foes


Ela amanheceu diferente. Acordou e viu que estava só e foi para a sacada olhar o mar. Sempre que ela olha para o mar sente certo conforto. O mar transmite uma calmaria danada. Só não dá para entrar mar adentro. Foi educada sabendo respeitar as leis da natureza.
O dia estava tão lindo que resolveu tomar o café da manhã na sacada, olhando o mar. Após o café começou a rotina de todos os dias. Empregada não veio, ela foi lavar a varanda, e depois de dar uma geral na casa, vestiu o maio, uma camisa e foi para a praia pensando em como gostaria de ser vista de outra maneira. Não pelos vizinhos ou amigos, mas pelo outro. Recordou a valsinha do Chico na esperança de, como diz a música, mais ou menos assim: um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de chegar, olhou-a de um jeito muito mais quente do que costumava olhar e para seu espanto convidou-a para dançar, etc, etc.
Ficou algumas horas na praia e de volta para casa resolveu preparar um jantar delicioso. A filha chegou e as duas resolveram transformar a sala num bistrot bem romântico. O sofá foi retirado. No lugar do sofá colocaram mesas bem decoradas, só ficou uma poltrona. O ambiente ficou lindo. Terminada a tarefa da decoração, mãos a obra no preparo do jantar.
Nesse meio tempo ele chegou, tirou a roupa de trabalhar, vestiu uma bermuda, sem camisa, nos pés chinelão e nas mãos o controle remoto. E haja TV.
Os filhos foram chegando e a noite foi muito gostosa. Foi tão boa que ela até esqueceu do detalhe do controle; afinal era só um mero detalhe.
Depois do jantar, servida a sobremesa, cada um voltou para sua casa. Quem não tinha aula, tinha trabalho. Ele foi dormir.  E ela e as duas filhas desmontaram o cenário.
Na manhã seguinte, ela acordou com o ovo virado. Olhou para o espelho, não teve mesa na sacada, nem olhada para o mar, não deu sequer um jeitinho na cobertura. Queria ir a forra e resolveu fazer o teste da construção. “Sabe, aquele que você passa por um edifício em construção e os operários ficam gritando: ei gostosa, ô tia, ô boazuda.”
Na esquina, quatro prédios estavam sendo construídos. Ela se vestiu e foi caminhando pelo meio da rua para poder  ser vista em todos os ângulos. E nada, nem um assobio. Ela pensou: já não existem mais operários como os de antigamente. Deu volta na quadra, foi para casa onde caiu na cama e só acordou na boca da noite. Não teve jantar, foi só lanche básico, sem cenário, nem figurino. E ele ficou com o controle remoto. E ela voltou para a cama pensando: amanhã será outro dia... Ficou tudo igual.
Ficou os três meses de férias com a idéia fixa de chamar a atenção. Na volta, fim das férias, ela deu início à tarefa da sedução. Aquilo não era jogo de sedução, era tarefa mesmo. Cortou os cabelos, cada mês pintou de uma cor. Comprou roupas novas, maquiagens, sapatos, bijuterias. Mudou de estilo. Aliou-se à amiga de bom gosto, que tem loja, e amiga de bom gosto se encarregou do visual. Era uma loucura. Roupas coloridas; amiga de bom gosto que tem loja não se fez de rogada. A cada viagem para as compras trazia algo diferente. E ela fez um investimento à altura. Ali ele notou, afinal o dinheiro era dele e ficou furioso. Não notou as roupas mas notou o custo final. E assim acabou a tarefa da sedução. Ela se aquietou. Procurou outra ocupação; foi estudar. Algum tempo depois a filha resolveu se casar e ela enlouqueceu de vez. Dizia essa menina está jogando tudo para o ar: bom emprego, liberdade. Pra que? Se logo logo o noivo, ao se tornar marido, descobrir o controle remoto. Mas não teve jeito. Dizia para a noiva: vai estudar na Europa e leva o noivo junto... Baldados esforços. A filha firmou o pé e casou. Hoje tem duas filhas lindas, lindas e é muito feliz e ela se conforma. Hoje está feliz com a vida da filha bem equilibrada e realizada. Que bom que a história não se repetiu. Pelo menos a filha nunca se queixou do controle remoto. E é até muito bem resolvida com ele – o  controle.
Passado algum tempo, a filha chegou do norte, onde mora, e trouxe a netinha para passar as férias. Ela ficou tão feliz já nem se lembrava mais da época da sedução. Estava livre e solta. Uma tarde a filha combinou de irem ao shopping fazerem umas compras. Ela, como ia para ajudar a filha, se decidiu por sapatos rasteiros, porque se tinha uma coisa que ela sempre usava eram aqueles saltos bem altos, altíssimos. Cair do salto, isso nunca. Até dentro de casa ela andava de salto. Pois bem, nesse ela usou rasteirinha, vestidão bem fresco, rabo de cavalo, óculos, bolsa, um par de brincos e lá foram às compras. Como ela é meio distraída, já havia perdido a neta no aeroporto, parou para ver uma vitrine e a pequena que estava dentro do carrinho, escapuliu. Ela só notou quando a mãe da pequena chegou e perguntou onde estava a criança. E ela respondeu: aqui apontando o carrinho. Olhou e não estava. E saiu estabanada procurando a neta. Outra vez, deixou a pequena perder os sapatos e a filha pensou: em vó assim não dá pra confiar e ficou de olho nas duas: na filha e na vó. De dentro da loja com um olho ela escolhia e com o outro cuidava das duas. Da porta da loja ao lado, saiu um senhor muito bem apessoado e foi falar com ela, com a vó e com a neta. Elogiou a pequena, disse que ela era muito bonita, perguntou se a pequena era dela e depois pediu licença para fazer um elogio para a vó. Foi quando ele disse: você é muito bonita, tem uns traços tão harmônicos, não pude deixar de notar a sua beleza. Ela surtou e começou a gritar, chamando pela filha, dizia: olha só o que este homem está me dizendo e o senhor gentil do elogio só conseguia pedir desculpas e dizia não faltei com respeito, me desculpe por favor. Ao que a filha respondeu: o senhor por favor desculpe mas é que ela não está acostumada com isto e pegou nas mãos da mãe e disse: fique calma e não faça mais isso que é muito feio. Acontece que ela esperou tanto tempo que quando o elogio chegou veio da pessoa errada e ela, apesar de se dizer moderna, é muito arisca e não esperava mais nada porque já estava acostumada com o outro que continua com o controle remoto e ela está tão em paz com a situação que se um dia ele chegar tão diferente como ela sonhava ela vai surtar novamente e fazer feio como disse a filha. Assim como estão vivendo já está de bom tamanho e os dois vão bem obrigada. Só que agora ela está usando sapatos baixos e só sai de casa de rabo de cavalo. E enquanto rolar a moda dos vestidões é assim que ela vai andar. Mas, macacos de mordam, se logo logo ela não subir nos saltos novamente, pois deixa o andar mais bonito e o bum-bum empinado. Deu pra ver: ela não se entrega.

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