Publicado no jornal O Globo
"O tempora! O mores!" já dizia o velho
Cícero em latim, e repetíamos em português no colégio: "Que tempos! Que
costumes!" Mas não só os costumes e a moral mudaram com o tempo, o
clima e a linguagem também. Na minha época, por exemplo, havia quatro
estações por ano, não por dia. O capitão era o último a abandonar o
navio, não o primeiro, como o do Costa Concordia. As chuvas de verão
eram esperadas, não uma surpresa para as autoridades. Doações que não
chegavam às vítimas não eram "desvios de verba", mas roubo de dinheiro,
literalmente. Político que garantia só deixar o cargo morto morria de
fato, se suicidava, não saía na maior cara de pau para presidir um
outrora respeitável partido.
Suposto bandido não carregava
adjetivo, só arma, era bandido, e ponto final. Mais de R$200 milhões na
conta de um magistrado ou funcionário de um tribunal do Rio de Janeiro
era considerado um escândalo, não "movimentação financeira atípica". Na
terra do Ancelmo, já se faziam saliências embaixo de edredom, como as
que acabam de ocorrer entre um modelo e uma estudante no Big Brother 12,
causando tanta polêmica e a eliminação do rapaz. Só que no nosso tempo
não seria preciso recorrer à polícia para descobrir se eram "carícias
consensuais" ou abuso sexual.
A Europa, até outro dia, servia de
modelo e exemplo para o mundo todo; hoje é uma velha dama decadente, a
cada dia mais humilhada e rebaixada, carente de socorro até dos países
emergentes. Em passado não muito distante, o seio feminino era tido como
um espaço perfeito, irretocável, ao mesmo tempo zona erógena e fonte
primeira de alimentação do ser humano. A moda de "consertá-lo" por
imposições cosméticas transformou-o de produtor de leite materno em
depósito de silicone capaz de sujeitá-lo aos riscos de nódulos,
inflamações e infecções, como está ocorrendo de maneira absurda no
Brasil.
Joelhada e pontapé acima do pescoço
davam desclassificação em qualquer esporte. Agora dão consagração. Vejam
esse trecho da cobertura da última exibição dos chamados gladiadores do
terceiro milênio: "O golpe (aquele chute "cinematográfico" de Edson
Barboza no rosto do inglês Terry Etim) levou a torcida à loucura e foi
elogiado como um dos mais belos da história do UFC." No meu tempo,
"belo" pontapé era o que se dava na bola, não na cara do adversário.
Afinal, uma coisa parece não ter mudado: hoje, prende-se bicheiro do
mesmo jeito que antigamente - para soltar logo depois, como deve
acontecer com Anísio Abraão, da Beija-Flor, daqui a pouco, até o
carnaval.
2 comentários:
Boa noite!!
O texto de Zuenir Ventura, retrata um tempo, qq não tão longe, mas parece distante àqueles qq viveram e ainda vivem, e como ele, o autor, relembra e trás à tona valores imprescindíveis,como era a moral, a ética, os bons costumes, a amizade, a família e outros tão salutares detalhes, qq hoje não se vê e nem se verá jamais...Gostei mto.
Um abraço,
Ana Maria
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