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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Você jurou que eu ia ser feliz - Nadia Foes

 Ela acabou de entrar em casa. Tudo tão perfeito, tão minucioso, tirou o aplique de cabelos louros da cabeça e colocou com toda delicadeza no suporte de perucas e pensou: até quando? Sentou na poltrona floral predileta, próxima da janela do seu quarto, um lindo quarto estilo inglês. Logo a seguir entrou a empregada com umas frutas para o seu lanche e ela ficou a pensar: meu Deus! Hoje devo resolver a situação dela! São mais de trinta anos de serviços prestados à família. A senhora em questão começou a trabalhar para a família logo que a patroa casou. Existe uma diferença de oito anos entre elas e elas são amigas. Ela pensou: como foi bom encontrar alguém tão responsável e dedicada. Os últimos tempos ela tentou colocar mais uma empregada, mas a fiel escudeira não aceitou, pois tudo estava correndo tão bem. E nesse meio tempo, ela, a patroa, adoeceu, e como em um filme preto e branco, tudo voltou à sua memória: o inicio da vida de casada – ela até demorou para se casar, pois sabia que com a profissão que escolhera, seria difícil encontrar um marido que pudesse aceitar o fato de ter uma mulher que, além do consultório medico, ainda era chamada fora de hora para atender os seus pacientes, ela é obstetra e os bebês não têm hora para chegar. E no início o marido até gostou de sair no meio da noite para atender os chamados da maternidade, mas passada a fase do eu só vou se você for, ela passou a sair só, depois engravidou e nasceu uma linda menina. O casamento acabou, mas ela ficou com a guarda da filha. Foram anos complicados, uma criança para cuidar, plantão na maternidade, atendimento no consultório, mas ela teve na empregada uma aliada e tanto, e quando a empregada casou, já mais passada em anos, ela tentou colocar outra para cuidar da menina. Mas a empregada não aceitou. Tirando as férias e as chegadas dos próprios filhos, a empregada nunca faltou ao serviço. São trinta anos de dedicação. Depois da luta contra a doença, ela passou a se preocupar com o lado prático das coisas, pois a filha terminou a faculdade e foi estudar na França; filha única, foi fazer o ensino de elite na França, o Institut des Sciences Politiques, por onde passam as cabeças que governam o país. O mínimo que um ex-aluno dela exige, depois de passar também pela École Nationale Du Administration (ENA) ou a Écola Polytechnique (POLI) é tornar-se ministro. Pois bem, com a filha já meio caminho andado, a preocupação dela, agora, é com a justiça social. Procurar o mais rápido possível aposentar a serviçal que tão bem desempenhou o seu papel naquela família, pois com a filha na França, só restou recorrer ao ex-marido. E nada mais justo. Ele também foi servido pela empregada no tempo em que estiveram casados e logo depois, com a separação, era a empregada que ia todos os finais de semana acompanhar a menina à casa do pai. E lá ela cuidava da menina e das refeições do pai e da pequena. Foi o arranjo que a mãe encontrou para poder ir trabalhar em paz. E passou fazer os seus plantões sábados e domingos. Foram anos difíceis, muita dedicação, muito suor, mas ela estava realizada, pois nunca dependera de ninguém. E não se casou mais. Sabia que a sua profissão era incompatível com o casamento. Pois logo agora, quando estava pensando em se transferir para a França por algum tempo para acompanhar de perto sua única menina, descobriu que estava doente. Marcou a cirurgia para as férias da moça e fez tudo para não atrapalhar o andamento de suas vidas. Atendeu seus pacientes, desmarcou as consultas de suas pacientes que estavam no inicio de suas gestações, pesssoalmente, telefonou para todas elas. Pois, diga-se de passagem, que a maioria de suas novas pacientes são filhas de antigas pacientes. Enfrentou com coragem e determinação um situação tão frágil, pois agora só queria resolver a situação de sua fiel escudeira. Chamou o ex-marido, que compareceu com a nova mulher e está com ele a 20 anos. Eles chegaram pontual como ele sempre foi. Ela ficou olhando para o casal; engraçado, ela sentia uma certa simpatia pela mulher dele. E logo que eles chegaram foi servido o café que a empregada sabia como ele gostava, e ela ficou só nas suas frutas. E como num passe de mágica, ele deve ter esquecido o motivo do encontro, pois estava dando ordens dentro da casa dela. Que situação! Ele continua o mesmo, e isso o aproximou mais ainda da mulher dele, pois só as duas para compreender como ele pode ser desagradável. Imediatamente ela pediu a ele para procurar resolver a situação da aposentadoria da empregada, uma ajuda financeira, um seguro saúde, coisa que ele fez pela metade, porque é homem, é machista e achou que o que ela pedira era um exagero. Só a aposentadoria já estava de bom tamanho. Mas isso ela vai resolver, pois venceu a doença, já está recuperada e já deu o grito de alerta: Paris lá vou eu! Sua menina está a sua espera e agora ela vai trazer franceses ao mundo. Uma clínica está a sua espera e quem sabe, um novo amor.

Olhando o mar e as montanhas azuis,
Fitando a praia com seu colar de luz
Ai, ai, ai, na Praça Paris
Você jurou que eu ia ser feliz
E.B. - 1950


Restaurandora de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura, cinema, e a paixão de escrever.

2 comentários:

Nana disse...

Bom dia!!
Belo texto de Nadia Foes..
Gostei da coragem e determinação qq ela enfrenta todas as situações e... embaraçosas..Mto legal!!O final é jóia!!!
Um abraço,
Ana maria

Mauro Castro disse...

Beeelo texto. Muito bom mesmo.
Há braços!!