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sexta-feira, 22 de junho de 2012

Tempo de Rio+20 - Cora Rónai

 



Tive a sorte de não precisar aprender ecologia na escola; se precisasse, estaria em maus lençóis, apesar de ter estudado no progressivo Brasileiro de Almeida. É que sou do tempo em que ecologia era só uma palavra no dicionário. Lá em casa, porém, o substantivo era verbo do dia a dia. Laura e eu crescemos com plena consciência de que nem o planeta nem nossos pais tinham recursos infinitos; assim, desde crianças, éramos orientadas a apagar a luz nos cômodos onde não estivéssemos (“Não somos sócios da Light!”) e a não ficar horas no chuveiro. A primeira lição foi muito bem aprendida. A segunda, nem tanto — mas, até hoje, quando extrapolo no banho, sinto dor na consciência pelo desperdício de água.


A preocupação dos meus pais com o ambiente ia além dessas medidas simples. Quando construíram o sítio, nos anos 60, instalaram uma composteira, onde o nosso lixo doméstico era transformado em adubo, e correram atrás de aquecimento solar para a água que usávamos. O conceito era tão novo que Mamãe só teve sucesso na busca dessa tecnologia muitos anos depois.


Embalagens plásticas eram evitadas lá em casa sempre que possível. Desde que me tenho por gente, vejo Mamãe levando uma sacola de pano na bolsa. Durante muito tempo, aliás, bolsas assim não atendiam por “ecobag”, mas sim por “esquisitice”; Mamãe, porém, não estava nem aí. Outra coisa muito útil que aprendemos com ela foi não nos preocuparmos com a opinião alheia.


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Quando moramos nos Estados Unidos, estranhamos o uso alucinado de pratos, copos e talheres de plástico: será que poupar o trabalho de lavá-los compensava a poluição perpétua do planeta? Também não entendíamos os microcopinhos plásticos que continham uma colher de sopa de leite para o cafezinho. Custava deixar o leite numa jarrinha, junto ao café? Quatro décadas se passaram, e nada mudou por aquelas bandas. Continuo perplexa com o descarte de um copinho não biodegradável a cada pingado que se tome, com o uso indiscriminado de produtos plásticos descartáveis e com a quantidade de embalagens ecologicamente irresponsáveis.


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Reciclávamos tudo quando eu era criança, de pedaços de barbante a vidros de geleia. Até hoje não consigo jogar fora potes vazios, caixas bonitas, laços de fita. Mas o que menos se jogava fora lá em casa era comida. Isso ia além de princípio ecológico, e entrava na categoria pecado. Crescemos ouvindo falar das criancinhas da África e da Índia, e aprendemos a não pôr no prato nada além do tamanho da nossa fome.


Hoje o mundo produz mais alimentos do que se imaginava possível naqueles tempos, mas a noção de que comida é algo sagrado não se apaga só assim do DNA. Fico impressionada com a quantidade de frutas e legumes que ficam pelas calçadas nas feiras livres, e me faz muito mal saber que a comida que sobra nos restaurantes que servem por bufê ou por quilo vai para o lixo no fim do dia. Confirmando essa impressão de desperdício, o Ancelmo informou, domingo passado, que somos um dos países que mais jogam comida fora: segundo pesquisa recente do Banco Mundial, 61% do nosso lixo são restos de alimentos. A título de comparação, no lixo alemão encontram-se apenas 14% de material orgânico.


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Li uma reportagem, há alguns anos, sobre um grupo de resistência cultural californiano que só consumia o que encontrava nas lixeiras dos supermercados. Seus membros, que não faziam isso por razões econômicas, argumentavam que era um absurdo deixar de consumir um produto no dia 15 porque algum burocrata estabelecera que seu prazo de validade ia só até o dia 14. Para evitar ações do grupo, muitos supermercados passaram a destruir os alimentos antes de jogá-los fora. A polícia prendeu algumas pessoas que tiraram comida do lixo, mas não prendeu nenhum comerciante que destruiu comida. Isso me deu muito o que pensar.
Fonte: Jornal O Globo

Um comentário:

Unknown disse...

O sentimento de preservação da natureza, respeito a ecologia, acho que nós já praticávamos há anos, através do ensino dos nossos pais. Hoje, depois da Rio+20 e nada resolvido, fico pensando que a conscientização da sustentabilidade do planeta é uma questão de educação. É hereditário, vem de família. Os governos do mundo jamais chegarão a um denominador comum!