"O pessoal não vem pra cá pelos
nossos espetáculos ou por nosso patrimônio histórico. Eles vêm conhecer
de perto esse tal de inverno"
O Rio tem o Corcovado, Salvador tem o Pelourinho, o Amazonas tem a
floresta. Cada região possui um foco de interesse para estimular o
turismo: natureza, monumentos, teatros. Em Porto Alegre, onde vivo, tem
tudo isso também — até praia! — mas é o que menos se divulga. Nossa
atração turística é peculiar. O pessoal não vem pra cá pelos nossos
espetáculos ou por nosso patrimônio histórico. Eles vêm conhecer de
perto esse tal de inverno.
Entre numa agência de turismo e procure um cartaz divulgando o Sul. É
certo que encontrará imagens de vinho, fondue e lareira — essa
composição fotográfica virou nosso Pão de Açúcar. A promessa é: você vai
enfrentar temperaturas abaixo de dez graus: brrrrrr. Para muitos
brasileiros do Norte, isso é tão inusual como é para nós gaúchos o
fenômeno da pororoca.
São curiosas as entrevistas de rua realizadas com os turistas que se
deslocam para a serra, onde estão Gramado e Canela. Por mais belezas
naturais que estas cidades ofereçam, os viajantes não comentam sobre o
que estão vendo, e sim sobre o que estão sentindo. E o que eles sentem é
um frio de enrijecer ossos, de congelar mandíbulas. É aí que a viagem
se paga. O adolescente que veio do Recife fica perplexo com a fumacinha
que sai da sua boca. A moça que veio de Alagoas telefona pra mãe para
contar que está vestindo gorro, casacão, cachecol e luvas, jura por
Deus. O casal que veio de Goiânia tira dúzias de fotos segurando toda a
neve que conseguiu juntar e que cabe na palma da mão. Não há suvenir
mais cobiçado.
Há fartura de sol neste Brasil abençoado por São Pedro. E dá-lhe
biquíni, cerveja, samba, futebol, surfe, tudo o que compõe nosso
cartão-postal oficial. Já o Rio Grande do Sul, pra quem é do Sudeste pra
cima e pros lados, não é o Brasil oficial. É terra estrangeira onde são
experimentadas sensações térmicas abaixo de zero. É onde o inverno não
acontece numa manhã de julho, e sim uma estação que dura três meses
inteirinhos. É o Brasil que troca o chinelo de dedo pela bota de couro, o
tomara que caia pela gola rulê, a displicência pela elegância. Sai o
Brasil escaldante, entra o Brasil freezer. Sai o Brasil multicolorido,
entra um Brasil gris, com uma atmosfera de cinema europeu. Um Brasil com
cara de Brazil.
Aqui de Porto Alegre mando notícias para o Brasil com “s”: também temos
praia, mulatas, samba, cerveja e um verão tórrido, de derreter concreto.
Mas neste instante faz seis graus lá fora. É a época ideal para ficar
na frente do fogo — e não raro de fogo: não esqueça que o vinho é tinto,
farto e premiado. Se é nestas condições que somos mais atraentes, então
que se cumpra o destino de sermos novidade para os sem-inverno. Venha e
confirme que somos o Brasil que faz frio, mas não um Brasil sem calor.
Fonte: O Globo
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