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segunda-feira, 25 de junho de 2012

Frio no sul do Brasil: atração turística - Martha Medeiros

"O pessoal não vem pra cá pelos nossos espetáculos ou por nosso patrimônio histórico. Eles vêm conhecer de perto esse tal de inverno"

O Rio tem o Corcovado, Salvador tem o Pelourinho, o Amazonas tem a floresta. Cada região possui um foco de interesse para estimular o turismo: natureza, monumentos, teatros. Em Porto Alegre, onde vivo, tem tudo isso também — até praia! — mas é o que menos se divulga. Nossa atração turística é peculiar. O pessoal não vem pra cá pelos nossos espetáculos ou por nosso patrimônio histórico. Eles vêm conhecer de perto esse tal de inverno.

Entre numa agência de turismo e procure um cartaz divulgando o Sul. É certo que encontrará imagens de vinho, fondue e lareira — essa composição fotográfica virou nosso Pão de Açúcar. A promessa é: você vai enfrentar temperaturas abaixo de dez graus: brrrrrr. Para muitos brasileiros do Norte, isso é tão inusual como é para nós gaúchos o fenômeno da pororoca.


São curiosas as entrevistas de rua realizadas com os turistas que se deslocam para a serra, onde estão Gramado e Canela. Por mais belezas naturais que estas cidades ofereçam, os viajantes não comentam sobre o que estão vendo, e sim sobre o que estão sentindo. E o que eles sentem é um frio de enrijecer ossos, de congelar mandíbulas. É aí que a viagem se paga. O adolescente que veio do Recife fica perplexo com a fumacinha que sai da sua boca. A moça que veio de Alagoas telefona pra mãe para contar que está vestindo gorro, casacão, cachecol e luvas, jura por Deus. O casal que veio de Goiânia tira dúzias de fotos segurando toda a neve que conseguiu juntar e que cabe na palma da mão. Não há suvenir mais cobiçado.


Há fartura de sol neste Brasil abençoado por São Pedro. E dá-lhe biquíni, cerveja, samba, futebol, surfe, tudo o que compõe nosso cartão-postal oficial. Já o Rio Grande do Sul, pra quem é do Sudeste pra cima e pros lados, não é o Brasil oficial. É terra estrangeira onde são experimentadas sensações térmicas abaixo de zero. É onde o inverno não acontece numa manhã de julho, e sim uma estação que dura três meses inteirinhos. É o Brasil que troca o chinelo de dedo pela bota de couro, o tomara que caia pela gola rulê, a displicência pela elegância. Sai o Brasil escaldante, entra o Brasil freezer. Sai o Brasil multicolorido, entra um Brasil gris, com uma atmosfera de cinema europeu. Um Brasil com cara de Brazil.


Aqui de Porto Alegre mando notícias para o Brasil com “s”: também temos praia, mulatas, samba, cerveja e um verão tórrido, de derreter concreto. Mas neste instante faz seis graus lá fora. É a época ideal para ficar na frente do fogo — e não raro de fogo: não esqueça que o vinho é tinto, farto e premiado. Se é nestas condições que somos mais atraentes, então que se cumpra o destino de sermos novidade para os sem-inverno. Venha e confirme que somos o Brasil que faz frio, mas não um Brasil sem calor.


 

Fonte: O Globo

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