No sábado passado, o Teatro Municipal do Rio viveu momentos inéditos.
Pela primeira vez, uma plateia de cerca de 2 mil pessoas aplaudiu, e com
entusiasmo, uma escola de samba paulista e cantou em coro “Trem das
Onze”, de Adoniran Barbosa. Também aplaudiu um cirurgião que só opera,
não canta e nem toca. Extasiou-se com a voz do tenor Jean William, um
jovem de 25 anos oriundo da periferia de São Paulo. E, sobretudo, se
emocionou vendo o maestro João Carlos Martins segurando a batuta e
regendo com desembaraço, um mês e meio após uma cirurgia que lhe
devolveu os movimentos do braço e da mão esquerda, cujos dedos
enrijecidos não se abriam. Há oito anos, quando os médicos lhe disseram
que nunca mais poderia tocar piano (e até isso ele fez nessa noite)
profissionalmente, por causa do golpe que recebeu na cabeça num assalto
na Bulgária, ele decidiu se dedicar à regência.
Seis meses depois, já estava estreando na função, justamente no Rio, na
sede do Centro Cultural Banco do Brasil. Ultimamente, porém, uma atonia
muscular acometeu seu braço e mão, paralisando-os e fazendo necessária a
recente e tão bem-sucedida operação. Agora, ele interrompia o concerto
para lembrar isso e, chegando às lágrimas, homenageava o autor da
façanha, o neurocirurgião Paulo Niemeyer, chamado pelo maestro de gênio.
Presente ao espetáculo, o médico recebeu do público demoradas palmas.
O programa começou com Vivaldi, passou por Bach, autor preferido do
maestro, e chegou a Villa-Lobos, acompanhado por percussionistas da
Vai-Vai, cujo enredo, vitorioso do carnaval de 2011, foi “Venceu a
música”, sobre a capacidade de superação do maestro. A partir daí o
público delirou, principalmente quando veio a surpresa prometida: o Hino
Nacional tocado em ritmo de samba, misturando instrumentos clássicos de
sua Filarmônica Bachiana com os surdos, cuíca, pandeiro e tamborins da
bateria da escola. Emocionante. O puristas podem não ter gostado, embora
esse mesmo espetáculo já tenha sido aplaudido em importantes casas de
várias cidades do mundo, inclusive no Carnegie Hall. De qualquer
maneira, missão cumprida para quem já disse que seu objetivo é “chegar
ao coração das pessoas”.
Mais tarde, num jantar na casa de Niemeyer, médico e paciente recordavam
o procedimento, que consistiu na abertura de dois orifícios no cérebro,
por onde foram introduzidos eletrodos que restituíram os movimentos
perdidos. A operação, que durou mais de nove horas, teve que ser
realizada com anestesia local, com o paciente acordado, para que o
cirurgião fosse informado das reações.
Uma das maiores alegrias profissionais de Paulo Niemeyer foi quando, ao
final, ordenou: “Agora rege... agora toca piano.” E foi obedecido, com
uma batuta e um piano imaginários. Era um pequeno milagre realizado pelo
maestro da neurocirurgia no maestro da música.
Fonte: O Globo
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