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quarta-feira, 27 de junho de 2012

A mecânica de um braço - Ruy Castro

À fratura na cabeça do úmero esquerdo, quebrado em quatro pedaços, seguiu-se uma cirurgia de cinco horas. Mas precisei ter o local imobilizado durante dois meses e só então começar a fisioterapia para me dar conta da maravilha que é o funcionamento de um braço. É uma mecânica de absurda sofisticação, e da qual só nos damos conta quando ela nos causa incômodo e dor.

A princípio, ao conforto da tipoia e proibido de qualquer atividade, ainda brinquei de listar coisas que exigem os dois braços e talvez eu nunca voltasse a fazer -como se as fizesse todo dia-, como bater um lateral, cobrar um lance livre no basquete, levantar a Copa do Mundo, dar bananas para os desafetos ou enviar mensagens com bandeirinhas no convés do porta-aviões. Pois bastou o ortopedista me liberar para os primeiros movimentos para eu descobrir que mesmo o gesto mais simples pode ser uma obra-prima.

Levar a mão ao bolso traseiro para puxar a carteira, por exemplo, envolve um complexo de ossos, músculos, nervos, ligamentos e articulações numa operação quase desproporcional à banalidade do ato.
Levar água à boca com as mãos, conduzir o cinto pelos passadores da calça, lavar o cabelo, cortar um bife com garfo e faca, bater palmas no teatro, digitar com sete ou oito dedos, abraçar uma mulher -todos se tornam proezas, metas a se atingir um dia.

Mulheres com o mesmo problema me dizem que sofrem com tudo isso e até mais -impossível prender um colar ao pescoço ou desprender o fecho do sutiã nas costas.

Mas, a cada sessão de fisioterapia, o braço abre mais um grau ou sobe mais um centímetro. São grandes conquistas. Daqui a muitos graus e centímetros, conseguirei fazer de novo os movimentos que fazia e todo mundo faz, e temo que voltarei a dá-los de barato, como se não fossem nada demais.

Folha de S.Paulo

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