A princípio, ao conforto da tipoia e proibido de qualquer atividade, ainda brinquei de listar coisas que exigem os dois braços e talvez eu nunca voltasse a fazer -como se as fizesse todo dia-, como bater um lateral, cobrar um lance livre no basquete, levantar a Copa do Mundo, dar bananas para os desafetos ou enviar mensagens com bandeirinhas no convés do porta-aviões. Pois bastou o ortopedista me liberar para os primeiros movimentos para eu descobrir que mesmo o gesto mais simples pode ser uma obra-prima.
Levar a mão ao bolso traseiro para puxar a carteira, por exemplo, envolve um complexo de ossos, músculos, nervos, ligamentos e articulações numa operação quase desproporcional à banalidade do ato.
Levar água à boca com as mãos, conduzir o cinto pelos passadores da calça, lavar o cabelo, cortar um bife com garfo e faca, bater palmas no teatro, digitar com sete ou oito dedos, abraçar uma mulher -todos se tornam proezas, metas a se atingir um dia.
Mulheres com o mesmo problema me dizem que sofrem com tudo isso e até mais -impossível prender um colar ao pescoço ou desprender o fecho do sutiã nas costas.
Mas, a cada sessão de fisioterapia, o braço abre mais um grau ou sobe mais um centímetro. São grandes conquistas. Daqui a muitos graus e centímetros, conseguirei fazer de novo os movimentos que fazia e todo mundo faz, e temo que voltarei a dá-los de barato, como se não fossem nada demais.
Folha de S.Paulo
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