Nós - seres humanos - sempre vivemos às voltas com nossa crueldade e nossa imensa capacidade de ferirmos uns aos outros. Estivemos, assim, convivendo de perto, muito perto, com a monstruosidade que reside, sim, em todos e em cada um de nós e que ao longo do tempo recebia o detonador de algum gesto alheio, um gesto que fosse considerado uma ameaça.
Acontece desde sempre, em menor ou maior grau, no decorrer da História; e não faltam fatos comprovados, generosamente registrados pela literatura, pintura, escultura, enfim, das mais variadas formas.
Não é de hoje que o homem mata o homem e reduz sua existência e a de seus valores e direitos pessoais a nada. Não é de hoje que, quando teme, o homem aciona o dispositivo que leva à intolerância e dela a uma carnificina resta um passo.
Inventamos um mundo de facilidades para nos tornarmos mais acomodados e presumivelmente inteligentes; criamos fórmulas que nos tornaram viciados, dependentes delas e por conseguinte de quem as criou, e fizemos isso talvez para nos sentirmos melhor em relação à imensa carga genética e espiritual que carregamos como um fardo com o qual muitos - um grande número, entre nós - não sabe lidar. Criamos e criamos. Avançamos em tantas coisas, prendemos a curar doenças e tratá-las com menos dor - ao mesmo tempo, não conseguimos deixar de causar a dor.
Não. Não é de hoje. Sempre fomos impossíveis e ladrões de nossa própria felicidade, na mesma medida em que a buscamos, desenfreadamente, colocando-a sempre adiante, adornada, dourada e vazia.
Por isso, suponho,nada pode nos salvar de nós mesmos além de um vigiar constante. Algo como nos mantermos sentinelas de nossa natureza sombria. Mais do que isso: precisamos reconhecer a nossa natureza dúbia para que possamos acomodar, na nossa obscura sala de estar, a ambos: o bem e o mal.
E que eles possam estar cientes de que tanto um como outro vivem em codependência e devem reconhecer seus limites.
Já está mais do que na hora de deixarmos de temer as diferenças. Do nosso lado avesso, além dos nós que deixamos entre um ponto e outro do incansável bordado com que vamos preenchendo nossa alma, há muito mais a vencer. Muito mais.
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