O “maldita inclusão digital” já virou
uma expressão com vida própria. Ela é uma maneira rápida de mostrar
desagrado diante de um texto mal escrito, uma montagem brega no youtube
ou qualquer outra coisa que denuncie um gosto ou origem mais popular.
Quem usa acha que disse tudo numa tacada só: reconhece algo mais popular
quando o vê, sabe do recente aumento da capacidade de
consumo, se declara como parte de uma classe que estava aqui muito
antes e que lamenta a entrada de novos membros. O que ele consegue, na
verdade, é ser preconceituoso.
Essa inclusão é maldita, é algo a
se lamentar? Lamentar a inclusão digital é desejar que as distâncias
sociais continuem tão profundas como eram antigamente; que os de origem
diferente (inferior?) nem de longe possa frequentar os mesmos lugares
dos de origem igual (superior?), nem ao menos os espaços virtuais.
Qualquer coisa diferente do que seria a maneira correta de escrever e
gostar é punida, é motivo de chacota. Pelo jeito, a igualdade social é
admirada apenas quando praticada nos outros países.
Eu também
me incomodo quando leio um “quizer” por aí. Mas se eu tivesse que eleger
o maior problema da vida virtual, nem pensaria em citar esses erros.
Aqui há tanta oferta de qualidade que só lê coisa ruim quem quer. O que
realmente me incomoda aqui é a agressividade – cada dia maior e mais
gratuita. E não adianta dizer que a culpa é “deles”. Qualquer um que
escreva errado por aqui é massacrado, nem que seja apenas por um erro de
digitação. A agressividade que eu vejo é justamente daqueles que se
acham mais cultos, mais escolarizados e, por isso, superiores aos
outros.
Eu vejo no lamento pela inclusão digital um ranço
escravocrata, um desprezo íntimo que todos nós aprendemos a ter por
aqueles que ganham a vida com o trabalho braçal. Ele vem de uma classe
média que sempre se sentiu muito mais rica do que realmente era, e agora
se sente empobrecida ao encarar a realidade. Se existe uma diferença
cultural tão marcante é porque nunca houve interesse em diminuir as
distâncias sociais, apenas em aumentá-las. Isso não passa apenas pela
esfera política, ela diz respeito à maneira de falar, de se vestir, de
tratar o outro.
Existe sim uma maneira correta de escrever
“quizer” e todas as outras regras gramaticais. Fora isso, quase tudo o
que torna a inclusão social “maldita” é a dificuldade de lidar com as
diferenças.
Postado por Caminhante Diurno
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