Siga o Blog do Oracy

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Amor criança - Nilson Ribeiro

   Tivesse eu o coração que dei, poderia ainda amar uma outra vez, celebrando assim a sua memória, fazendo jus ao seu último desejo ao partir.
  Essa possibilidade, porém, já não existe. Sua ausência, minha querida, me invade ainda hoje de uma forma por demais dolorida.
  Depois de tanto tempo ainda é assim.
  Lembro-me daquele distante verão. Havia sempre um céu dourado e azul, o Sol refulgia na areia incrustada de madrepérolas em toda a extensão da pequenina praia que amávamos tanto. A nossa prainha particular, bucolicamente perdida em definitivo em nosso passado; tão bonita, com céu de raras nuvens em forma de castelo, com o marulhar incessante das pequenas vagas que iam e vinham aos nossos pés; com o cheiro gostoso do mar,trazido pela brisa das manhãs, que acentuava no seu rosto o afogueado radiante, resultante dos momentos de amor às escondidas por entre os rochedos desertos, testemunhas ímpares do nosso idílio criança.
   E assim vivemos, a sós, nós dois, aquele mágico verão.
   Por um momento chego a te abraçar, sentindo novamente o seu perfume,
Calandre, tão único naqueles idos dos anos 70.
 Nos amávamos distraídamente como só duas crianças podem se amar, sem pensar no preço que pagaríamos por tamanha felicidade, no sofrimento certo quando tudo por fim acabasse, como aliás acabam todas as coisas belas sobre a face da terra, por vezes da pior maneira , deixando em quem fica o peso trágico da responsabilidade pela perda de tudo.
  E assim foi. Chegamos ao ápice muito rapidamente, experimentamos um amor infinito, emoções dígnas dos deuses. Ninguém teve um amor assim.
  E logramos por fim ter fecundado definitivamente aqueles dias felizes quando a semente do nosso amor germinou em voce. Foi o máximo pra nós, vislumbrávamos então um futuro de riso e cor.
  E num repente tudo mudou e sobreveio a dor. Partíamos céleres de um extremo ao outro; num instante a felicidade estonteante, em seguida o nada absurdo, a dor lancinante, o espasmo doído que me acompanha até agora, apertando-me o peito quando relembro de tudo. Como vê, meus crepúsculos são tristes. Imerso em soturno silêncio discordo de Hemingway ao dizer que os melhores escritos derivam da experiência pessoal.
  Nem sempre é assim, meu caro, nem sempre.
  Quem sabe ele mesmo mais tarde tenha se dado conta disso ao dar cabo da própria vida, provando também a fraqueza da triste condição humana.
  De minha parte não tenho a menor dúvida. Certamente teria eu escrito uma outra crônica que não essa, e com um desfêcho feliz como deveria ter todo grande amor.


Nilson Ribeiro, poeta ao acaso desde menino, fluminense de 57 anos, dos quais 42 de labuta, lidando com gente de todo quilate, fiz disso inspiração diária pra aguentar os trancos da vida.

Nenhum comentário: