Tivesse eu o coração que dei, poderia ainda amar uma outra vez,
celebrando assim a sua memória, fazendo jus ao seu último desejo ao
partir.
Essa possibilidade, porém, já não existe. Sua ausência, minha querida, me invade ainda hoje de uma forma por demais dolorida.
Depois de tanto tempo ainda é assim.
Lembro-me daquele distante verão. Havia sempre um céu dourado e azul, o
Sol refulgia na areia incrustada de madrepérolas em toda a extensão da
pequenina praia que amávamos tanto. A nossa prainha particular,
bucolicamente perdida em definitivo em nosso passado; tão bonita, com
céu de raras nuvens em forma de castelo, com o marulhar incessante das
pequenas vagas que iam e vinham aos nossos pés; com o cheiro gostoso do
mar,trazido pela brisa das manhãs, que acentuava no seu rosto o
afogueado radiante, resultante dos momentos de amor às escondidas por
entre os rochedos desertos, testemunhas ímpares do nosso idílio criança.
E assim vivemos, a sós, nós dois, aquele mágico verão.
Por um momento chego a te abraçar, sentindo novamente o seu perfume,
Calandre, tão único naqueles idos dos anos 70.
Nos amávamos distraídamente como só duas crianças podem se amar, sem
pensar no preço que pagaríamos por tamanha felicidade, no sofrimento
certo quando tudo por fim acabasse, como aliás acabam todas as coisas
belas sobre a face da terra, por vezes da pior maneira , deixando em
quem fica o peso trágico da responsabilidade pela perda de tudo.
E assim foi. Chegamos ao ápice muito rapidamente, experimentamos um
amor infinito, emoções dígnas dos deuses. Ninguém teve um amor assim.
E logramos por fim ter fecundado definitivamente aqueles dias felizes
quando a semente do nosso amor germinou em voce. Foi o máximo pra nós,
vislumbrávamos então um futuro de riso e cor.
E num repente tudo mudou e sobreveio a dor. Partíamos céleres de um
extremo ao outro; num instante a felicidade estonteante, em seguida o
nada absurdo, a dor lancinante, o espasmo doído que me acompanha até
agora, apertando-me o peito quando relembro de tudo. Como vê, meus
crepúsculos são tristes. Imerso em soturno silêncio discordo de
Hemingway ao dizer que os melhores escritos derivam da experiência
pessoal.
Nem sempre é assim, meu caro, nem sempre.
Quem sabe ele mesmo mais tarde tenha se dado conta disso ao dar cabo
da própria vida, provando também a fraqueza da triste condição humana.
De minha parte não tenho a menor dúvida. Certamente teria eu escrito
uma outra crônica que não essa, e com um desfêcho feliz como deveria ter
todo grande amor.
Nilson
Ribeiro, poeta ao acaso desde menino, fluminense de 57 anos, dos quais
42 de labuta, lidando com gente de todo quilate, fiz disso inspiração
diária pra aguentar os trancos da vida.
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