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segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Maíra - Nadia Fóes


Durante algum tempo aquela jovem senhora ocupou meus pensamentos ou por outra minha curiosidade. Ela chegava pontualmente às sete horas e trinta minutos e estacionava o seu carro na frente da Igreja de Nossa Senhora das Necessidades. Eu estacionava logo em seguida e me escondia atrás do jornal, fingindo ler as notícias do dia. Ela trazia sempre uma sacola. Descia do carro e ficava a espera de um jovem. Ela vestia roupas esportivas e notava-se que ela malhava muito. Eu acredito que devia puxar muito ferro para se manter tão enxuta. Como não sou adepta de malhação, e nem gosto de vestuário esportivo, ficava pensando com meus botões: como é que pode uma pessoa ficar tão bem em roupas de malhar e tênis. Pois ela era elegante até de tênis. O jovem que a jovem senhora esperava era muito bonito. Aparentava ter uns vinte anos, mais ou menos. Ele se aproximava e mal falava com ela. Apenas apanhava a sacola e se despedia. Certo dia resolvi ficar mais um tempo para ver de onde ele surgia, pois a praça da igreja é um labirinto. E como sou curiosa fiquei observando o seu caminho e vi se aproximar do jovem três elementos mal encarados e tirar a sacola das mãos dele. Como disse, isso durou meses. Para ser mais exata, foi todo o período escolar. Eu notava que quando a jovem senhora se despedia, ela estava sempre chorando, até que certo dia ela chegou na praça e ficou esperando um bom par de horas. Ele apareceu e vi os dois discutirem. Ela entregou a sacola e partiu e as figuras mal encaradas deram um esbarrão no rapaz e ele caiu no chão e a sacola rasgou e todo o seu conteúdo ficou exposto. Eram roupas masculinas, de boa qualidade, que ele recebia e era imediatamente espoliado. Na semana seguinte, ela chegou atrasadíssima. O rapaz não apareceu. Ela esperou, esperou, e nada. Não sei se foi nesse dia que ela notou a minha presença. O fato é que ela ficou me olhando e de repente caiu num pranto convulsivo. Eu a acompanhei até o quiosque no meio da praça e lhe ofereci água. Ela aceitou e deu vazão ao desespero. Depois de muito chorar, já refeita, me contou a sua desdita. O rapaz era o seu filho que aos vinte e dois anos abandonou uma precoce trajetória profissional para se recolher dentro de si, quase a margem da vida, depois de uma experiência gerada pela prática de meditação. Um dia ele parou com tudo e começou o que hoje chamamos de cessação de formalização da linguagem e ficou quatro dias sem falar, mudo, entrando, após, em um estado de contemplação, se comunicando o mínimo possível. E a experiência evoluiu para extremos. Logo após essa experiência ele se isolou em um sitio da família e foi morar em uma cabana usando a mesma roupa durante vinte dias. Totalmente isolado e bebendo apenas água. Depois disso ele retornou para casa e já não era mais o mesmo. Virou uma ilha, isolado e se preparando para ser morador de rua, mendigo. E a família não pode fazer nada para contornar a situação. Ele foi pressionado pelo pai para voltar a normalidade, mas ele fez a sua opção, virou mendigo. Morador de rua
A moderna psiquiatria e a neurologia afirmam que não só aquele sem condição alguma de viver em sociedade são considerados doentes mentais. Há muitos graus de distúrbio que não comprometem totalmente a pessoa, mas que mesmo assim interferem nos seus relacionamentos e atitudes. Todas as formas de consumo desequilibrado de bebida, drogas, comida e mercadoria devem ser pesquisados, assim como toda distorção comportamental como mentiras, trapaças, irresponsabilidades, falta de higiene, falta de higiene pessoal, agressividade, indiferença afetiva, vicio de jogos, compulsão sexual, tudo deve ser investigado.


Restaurandora de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura, cinema, e a paixão de escrever.


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