Heleno de Freitas, Raul Seixas e Chico Anysio. O primeiro no futebol, o
segundo na música e o terceiro no humor. Os dois primeiros foram tidos
como loucos, o terceiro, como normal, o que dificulta a caracterização
dos tipos a que chamamos de gênios. Podem ser esquisitos ou malucos,
mas podem ser também gente como a gente, aparentemente. Em menos de 15
dias estive em contato com os três: dois na tela grande — "Heleno", de
José Henrique Fonseca; "O início, o fim e o meio", de Walter Carvalho —
e Chico em todas as TVs, jornais e revistas do país.
Não vi Heleno jogar, só ouvi (sou da época em que se ouvia, mais do que
se via futebol), mas ele foi meu ídolo, mesmo sendo botafoguense
incurável, tanto quanto a doença que o matou. Raul também só conheci de
ouvido. Embora eu tivesse lido muito sobre eles, os filmes me foram
indispensáveis para a compreensão desses trágicos personagens. Não
concordo com os que acham que Heleno foi o precursor de bad-boys ou
rebeldes sem causa como Edmundo. Há pelo menos uma diferença: mesmo
bebendo e cheirando éter, Heleno, o angustiado perfeccionista, só fez
mal a si mesmo. Sem sífilis e com barba e cabelos grandes, ele estaria
mais para contestadores como Sócrates e como Afonsinho, outro
botafoguense maltratado pelo clube de Dapieve e Sérgio Augusto.
Em relação a Raul, o documentário de Walter, que é também o
extraordinário fotógrafo de "Heleno", desfaz o mito que atribui sua
genialidade às drogas (impressionante a revelação de Paulo Coelho de
que ele, o mago, foi quem iniciou o parceiro no vício). O compositor
foi genial apesar delas, que, junto com o alcoolismo e a pancreatite,
só serviram para abreviar sua vida. Heleno e Raul pertenceriam à
categoria dos "iracundos", dos seres radicalmente inconformados, na
qual o antropólogo Darcy Ribeiro se incluía e incluía Glauber Rocha.
De Chico Anysio também não fui próximo, a não ser por meio de seu irmão
Zelito, meu amigo. Graças a isso, tive o privilégio de passar alguns
fins de semana no sítio da família e, em uma dessas vezes, pude
observar que o inacreditável criador de mais de 200 tipos (Fernando
Pessoa criou 68 e quatro heterônimos) não correspondia à expectativa de
que profissional do riso tem que fazer graça o tempo todo. Não ri uma
vez sequer com ele, só com o irmão cineasta, que, esse sim, parecia o
humorista da família.
O que se pode concluir desses exemplos é que não há receita para a
matéria-prima com que são feitos os gênios. Trata-se de um enigma. O que
há de comum é o fato de que cada um é uma matriz, um padrão original,
uma fôrma que não consegue ser replicada. Em outras palavras, eles são
aqueles raros exemplares que vieram ao mundo para serem fundadores de
novos modos de proceder em qualquer ramo de atividade.
Um comentário:
Boa noite!
Excelente texto e bem verdadeiro em suas descrições.Realmente eles têm mais é que fazer parte do clube dos gênios mortos.Na certa, continuarão a atuar com os seus devidos talentos.
Um abraço,
Ana Maria
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