Siga o Blog do Oracy

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Olhar urbano - O presente do chefe, Teresa Santos

Ele chegou com aquele sorriso indisfarçadamente irônico e esticou a mão.
- Toma! Este é o meu presente para o dia das secretárias.
E continuou:
- Você vai receber  um outro em nome do escritório. Mas este é o meu . E enfatizou no pronome possessivo.
Agradeci. Era uma caixa de palha envolta em papel celofane e um com um grande laço de cetim vermelho.
Olhei e vi que eram produtos de beleza e uma sensação de “déjà vu” passou pela minha cabeça.
Deixei-a em um canto e resolvi abri-la, com calma, em minha casa.
Algumas horas depois, lá vem ele novamente me dizer:
- Tê (é assim que ele me trata) verifica se eu não deixei a etiqueta com o preço. Você sabe como sou distraído. Já cometi muitas gafes por ser assim. Dei uma olhadinha rápida e disse que estava tudo correto.
Ele já ia saindo quando salientou:
- Você vai gostar destes produtos. Eu os uso.
Não me ative àquela frase...”Eu os uso” e continuei com o meu trabalho.
Cheguei em casa e tranquilamente comecei a desatar o laço quando uma visão passou pela minha cabeça:
... Meu chefe adentra no escritório com uma caixa, com papel celofane, que ele havia ganhado como brinde em um almoço para executivos organizado pelo empresário João Dória Jr.
Meu dedos, então, aceleraram na abertura daquela caixa e qual não foi a minha surpresa ao constatar que eram...brindes!!!
Aquela bela cesta não tinha sido comprada por ele!!!!
Todo aquele blablablabla de etiqueta com preço era pura balela.
Ele, ao guardar na sua casa, esqueceu-se por completo que os produtos eram brindes e criou toda uma história para se mostrar gentil e simpático!
Uma raiva se apossou de mim. Xinguei-o de tudo quanto foi palavrão. Senti-me desprezada, enganada, desrespeitada.
Liguei para uma colega, para desabafar a minha ira e ela confirmou tê-lo visto levando para casa a tal caixa.  Foi aí que mais possessa fiquei.
Não tive dúvida. Guardei a cesta e coloquei os produtos (shampoos, creme rinse, blush, estojinho de maquiagem, batom, e outras quinquilharias) dentro de uma sacola.
No dia seguinte, lá estava eu distribuindo os produtos “comprados com carinho pelo chefe” nas mesas das colegas de trabalho.
Somente aquela colega/amiga sabia do por que de minha atitude. Para as demais, eu dizia:
- Aceite este presentinho, do Papai Noel fora de hora.
Tempos depois ao comentar  com outro colega, sobre este assunto, soube que ele fez a mesma coisa com a namorada.
Ao retornar de uma viagem do exterior se esqueceu de comprar algo para ela e deu-lhe aqueles pequenos sabonetes que ficam no toalete do hotel !!!
A namorada, ao receber aquilo, teve um acesso de raiva, jogou fora e ficou sem falar com ele uns bons quinze dias.
Eu, do meu lado, esperei o momento oportuno.
E aconteceu quando no dia 08 de Março um almoço foi organizado para as mulheres do escritório.
Fui a única que não compareceu.
Foi a forma – delicada – de lhe dizer:
- Dispenso a sua gentileza.  O conheço de velhos carnavais.
Comemorei a data sozinha. E muito bem por sinal. Fui andarilhar pela Av. Paulista, aportei na Livraria Cultura, depois fui a um restaurante árabe de velhos conhecidos meus, tomei um banana split que há muito desejava e voltei para casa.
Ao chegar um ramalhete de rosas vermelhas e amarelas me aguardavam. Vieram de muito longe.
E para encerrar aquele dia, meu querido irmão preparou um jantarzinho especial para mim.
Fiquei sabendo que meu chefe – embora não tivesse sido convidado – apareceu no final do evento para fazer as suas gracinhas habituais e mostrar-se gentil com o chapéu alheio.
Notou a minha falta e perguntou porque eu não tinha ido.
Inventaram uma desculpa e ficou tudo por isso mesmo.

Teresa Santos, 60 anos, paulistana. Aposentada, mas na ativa. Formada em Letras pela Universidade São Paulo. Gosta de estudar idiomas, de viajar, de ler  e de observar o mundo. Considera o ser humano a melhor personagem para seus escritos. É grata à vida  e se considera uma pessoa feliz.

Nenhum comentário: