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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Amor e Ódio - Nadia Fóes



Não tinham a mesma origem social, nem o mesmo caráter, eram de natureza distinta, tiveram uma relação intensa. Quando romperam a violência foi proporcional ao grande afeto que tinham um pelo outro. Um era generoso e outro continua dando demonstrações de mesquinharia e insolência, parecendo acreditar que tudo lhe é permitido e devido. Eles se amaram e eram notáveis. Ela foi perfeita em tudo, se encontraram no ginasial e seguiram grandes amigos. A turma de amigos era a mesma, os locais que freqüentavam eram os mesmos. Naquela relação tudo foi perfeito demais, seguiram a mesma profissão, foram para a Itália onde se aperfeiçoaram na arte dos molhos e das pastas, depois seguiram para Paris onde se dedicaram aos sabores da culinária francesa. Voltaram para a Toscana onde se aprimoraram nos temperos. Da Toscana voltaram para a França, o destino foi a região de Provence onde foram trabalhar com renomado chef. Na volta já eram notórios e abriram na antiga mansão familiar o mais luxuoso restaurante do país. As coisas correram bem até eles notarem que um era a continuação do outro. Não se sabe ao certo quando se instalou a rivalidade entre eles,e o casal perfeito desfez a sociedade. Ele era filho único e único herdeiro. O palacete fora de seus avós. Na partilha ele sugeriu que tudo fosse dividido de forma de ninguém se sentir prejudicado. Ela não concordou, queria comprar a parte dele e ficar com o nome fantasia da empresa e o palacete. Teve mais um impasse, o palacete por hora era de sua mãe. Ele lembrou, ela não concordou e continuaram trabalhando juntos até que certo dia começou tudo com mais intensidade a briga pelo palacete e pelo nome da empresa. Os dois foram inflexíveis, ele deixou o restaurante, por ora, com a mulher e foi viajar pela Amazônia. Seu advogado cuidava de tudo. No início ele dava e pedia notícias. Ela manteve o livro caixa sem qualquer rasgo de desonestidade. Nos primeiros dois anos eles se comunicaram até parar de chegar notícias. Suas contas bancarias não estavam sendo movimentadas, ele não deu mais notícias e a situação foi ficando intolerável. Ela já estava se achando espoliada, pois só ela trabalhava e o dinheiro era dividido. Aquilo não estava certo. Perderam o contato e a mãe dele não estava bem. Não sabiam por onde iniciar as buscas. Ele se encontrava na Amazônia, mas onde? Quando ela descobriu o palacete fora doado em vida pela sua herdeira direta. Foi aí que o advogado explicou, por ocasião da morte do marido da referida senhora foi feito o inventário dos bens e a divisão. E foi este dinheiro que proporcionou todos os cursos e mordomias no exterior e a montagem do luxuoso restaurante, restauração do prédio, etc, etc. Porém o palacete foi a parte que a mãe do desaparecido reivindicou para si, entre outros bens. E o palacete foi doado para o Estado onde seria a fundação que levaria o nome do patriarca. Assim sendo, eles tinha direito a herança que era grande, porém não o palacete que foi o motivo da ida do desaparecido para a Amazônia e toda a confusão que fora armada. E mais, ele sabia e concordava com a vontade de sua mãe, tanto que deixou procuração com o seu advogado e procurador. Ele foi dado como desaparecido a partir do momento em que não se teve mais qualquer notícia dele. Sem corpo, a situação tornou-se delicadíssima. Ela vendeu o restaurante, o procurador dele ajustou tudo. Um curador passou a administrar a fundação que leva o nome do patriarca e cinco anos após, seu monomotor foi encontrado no meio da selva. A notícia foi que ele foi encontrado com vida, porém perdeu a memória. Teve uma amnésia profunda e estava morando com uma tribo onde foi tratado e adotado como um deles. Foi localizado e reconhecido. Um taxi aéreo foi apanhá-lo e trouxe direto para o hospital onde ficou em observação. Três meses após o ocorrido ele recebeu alta e voltou a vida normal, porém já não era mais a mesma pessoa. O sofrimento, a convivência com outra cultura, tudo de certa forma mexeu com o outro lado dele, porém o ódio por ela foi proporcional ao amor que sentira. Tudo aquilo aconteceu por causa de uma casa velha! Era demais! Ele proporcionou os cursos, as viagens, todo conforto e muito luxo para a mulher de seus sonhos. Sua dúvida foi a seguinte: ela casou com ele ou com o restaurante luxuoso e o palacete. Ele ainda possuía muitos bens e o seu casamento dói em regime de separação de bens. Eles casaram quando o restaurante ficou pronto e ela estava esperando um bebê, que segundo ela, perdeu. Foi aborto espontâneo. Ela não desejou mais ter filhos. Durante a ausência dele, ela não procurou se aproximar. Quem deu pela ausência dele foi o seu procurador, quem pagou todas as buscas foi seu procurador, e quem abriu as portas do apartamento quando ele saiu do hospital foi a sua amiga de infância, afilhada de sua mãe e que foi criada como se fosse da família. A moça herdou de sua madrinha um belo apartamento onde montou uma suíte para ele, esperando o seu retorno. Sua mulher queria apenas ter seu estado civil definido, pois a sua leal amiga acompanhou todo o tratamento posterior. Tirou a sua licença prêmio para poder servir de enfermeira, motorista e companheira. Na separação oficial a mulher ficou com parte dos bens, coisa que o advogado não concordou, porém ele fez questão para não prolongar mais tantas desavenças. Ele abriu um novo restaurante que é a mania dos estrelados no momento. Casou com sua fiel amiga. Apaixonado, porque até então ela não fora vista como mulher por ele. Ele nunca imaginou que o amor estava tão próximo e ele foi buscar tão distante. Eles casaram e estão felizes e sua ex parece ter esquecido que eles hoje já não tem qualquer vinculo. Se ela acorda espirrando é para ele que ela liga, se falta a empregada é para o seu restaurante que ela apela. Se vai viajar é para o agente de viagem dele que ela liga, e quando encontra ele e sua mulher ela ignora a sua acompanhante e fica pendurada no braço dele. Nunca usou o sobrenome famoso no tempo em que foi casada com ele, pois hoje ela faz questão de usar – diz que isso facilita a vida dela. Agora ele acabou de receber um presente de aniversário maravilhoso. Sua mulher vai ser mãe de gêmeos, um casal. Estão felicíssimos e a boa notícia é que eles vão morar na Costa Azul por uma longa temporada. Toda a família dele por ora se resume na mulher e dois filhos. Eles se amam, segundo ele para a vida inteira.

Restaurandora de bens culturais, pintora, escultora, ourives, Em 2010 foi classificada em concurso internacional em contos e cronicas, Três livros publicados e uma coletânea do concurso Edições AG. Mora em Florianópolis, na ilha, casada, três filhos, gosta de animais domésticos, de cultivar plantas, reunir os amigos, viajar, leitura, cinema, e a paixão de escrever.

Um comentário:

sylvia disse...

Linda história...adorei!!