Estamos cada vez
mais velhos e somos cada vez mais, formando uma população abjeta, invadindo e
conturbando as cidades. O que fazer com essa realidade crescente, de gente com
mais de 60, que vai perdendo a massa muscular, caminhando devagar, atravancando
tudo, nas ruas, calçadas, ônibus, nas filas dos bancos; alguns ainda na ativa
(pasmem) como office boys, pois que o INSS já não dá pra cobrir os ínfimos
gastos. Outros, mais afortunados, aposentados de vez, antes atleta nas horas vagas,
hoje impossibilitados pra quase tudo, até de um simples futevôlei que seja, ou
mesmo de uma inocente partidinha de peteca no sítio; pulmão bichado,
gradativamente revestido pela nicotina alheia, e volta e meia ainda vivendo
assaltado pelo temor recorrente de um temível trombadinha ou pela osteoporose
silenciosa, ambos espreitando sorrateiros em cada desvão ou degrau da esquina,
levando quem sabe à sina de uma queda iminente. E de repente lá se vai a tíbia
ou o fêmur por água abaixo.
Mas o destino é
igual pra todos, viver é assaz impreciso e perigoso nessa idade. Esse trânsito
terrível, esse estresse inclemente de buzinas, qualquer coisa bôba altera a
glicose pra níveis preocupantes. Haja insulina, que o pâncreas, coitado,
alquebrado já não produz direito.
A alimentação tem
de ser balanceada, diz o doutor, regrada e em intervalos regulares que nunca
condizem com o apetite da gente. Seja como fôr, não convém abusar, pois a
vesícula já se foi, e desse jeito não há fígado que aguente. Para o alzheimer
espantar tem o joguinho de damas na decrépita pracinha do bairro; mas qual, os
bancos agora de cimento (que é pra ninguém roubar) vão queimando a coluna,
deixando a bunda dormente, desconcentrando a gente e pondo o jogo a perder. Já
desisti de jogar, não dá mais !
Leitura, é só
recostar na poltrona que o sono vem ligeiro logo nas páginas iniciais de um
livro pego na estante ao acaso; óculos pousados no tapête, aquele sono danado
que nos abandonou na madrugada inteira, agora se faz presente. Que saudade da
tão sagrada madrugada de antigamente, quando bebíamos seguidas rodadas no bar,
batucando sempre um sambinha na mesa; éramos gente bonita, de bem com a vida,
brindando por tudo até o Sol nascer. Beber agora, sem chance, a hipertensão não
deixa.
Os amigos, que
solidão, esses se foram e se vão, de uma forma ou de outra, tão misteriosamente
que nem dá pra contar da turma escolar quantos ainda são. Música, se tento
cantarolar alguma, a lêtra bandida me escapa, os versos se perdem à toa.
Rebuscando pelo menos o refrão, só me vem das canções mais antigas, pois
memória de idoso é assim, seletiva, seletiva...
Dança de salão na
terceira idade, que maldade, é um arrastar de pés pra lá e pra cá, o esporão
fisgando no calcanhar; a dama com fogacho, impaciente e já abandonando o
claudicante par nos primeiros passos. Desisto também! Meu Deus, o que fazer com
toda essa gente, tem a próstata pra tratar (quando ainda dá), tem a
incontinência urinária, o fraldão, a urticária e a babá, já não querendo aturar
alguém tão impertinente. Nessa hora o verbo asilar (é assim mesmo) já começa a
nos rondar sub-repticiamente, insinuando-se nas conversas paralelas, malicioso,
envolvente.E dizer que já fomos importantes, inteligentes...
Estudamos,
graduamos, trabalhamos, geramos empregos, enfim, ajudamos a desenvolver esse
país; hoje tão infeliz, assolado por crimes hediondos, roubalheiras mil,
crueldades por toda parte. Dá até uma dor no coração ao pensar que não tem mais
remédio. Não com esses políticos que aí estão, corruptos sem fim, corporativistas
caras de pau, só atilados ao extremo em como melhor fraudar a nação. Pelo menos
com a maioria é assim.
E numa súbita
taquicardia relembro com nostalgia do meu primeiro amor. Nunca mais tive
notícias...
Será que viva
ainda está? Solteira, viúva, será?Se eu soubesse nessa tal de internet entrar ,
vasculharia tim tim por tim tim descobrindo afinal seu paradeiro.Quem sabe
aquele amor, impossível naquela época, como fênix não renasceria agora. Será
que ela ainda guarda um pouquinho daqueles belos traços de outrora, os olhos
vivos, o porte altivo que me tirava do ar?Certamente envelheceu, mas será que
também se acabou, ficou gorda, ou mesmo esquelética, feia como eu, carrancuda,
diabética, a pele tracejada, do mundo desesperançada, querendo no máximo com um
breve olhar me desencorajar, dizendo que já não dá...
E sem calor me
dizer adeus? O tempo passou, e não volta mais, essa é a verdade.Também que
ridículo esse meu papel, romântico, descabido, sonhar com dois velhos
apaixonados, combalidos, em plena rua abraçados, meio tontos a se beijar.Que
quadro mais absurdo, com essa idade ! Se ainda fôsse num recanto escondido...
É, tem jeito não, acho que nada mais restou, se até mesmo o
sentimento mais sublime que é o amor, envergonhado ficou, constrangido, fugindo
de mim pra nunca mais voltar. O que fazer então senão me conformar com a
inefável solidão desse caminhar sem graça dos últimos dias ? Bem, não era bem
isso o que eu queria, não era assim que previa acabar. Solitário, abandonado,
triste e tão sem lugar.
Nilson Ribeiro, poeta ao acaso desde menino, fluminense de 57 anos, dos quais 42 de labuta,
lidando com gente de todo quilate, fiz disso inspiração diária pra aguentar os trancos da vida.
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