Nunca foi tão cômodo ser solitário, e o ermitão deixou de ameaçar: agora, ele é cool
Medianeras
é o nome do novo filme argentino que está em cartaz no Brasil. Corri
pra ver e descobri o significado do título: medianera, em espanhol, é
aquela parte do edifício que não tem janela. É a lateral de concreto sem
serventia pro morador, que o deixa sem comunicação com a cidade e que
só é utilizada para a colocação de anúncios publicitários.
Pois
esse paredão é o símbolo do filme, que conta a história de Mariana, uma
garota que vive sozinha num pequeno apartamento de Buenos Aires, e de
Martin, que vive sozinho em outro pequeno apartamento na mesma rua. São
vizinhos de prédio, mas nunca se viram.
O que seria impensável
num pequeno vilarejo – dois vizinhos que não se conhecem –, nas grandes
cidade se tornou banal. O diretor Gustavo Taretto acredita na influência
das metrópoles na vida de seus habitantes e criou uma fábula
cinematográfica sobre a ambiguidade dos tempos de hoje: o que nos une é,
ao mesmo tempo, o que nos separa.
Estamos todos conectados, mas
pouco nos comunicamos. A fartura de redes sociais e a superpopulação
urbana dão a impressão de que convivemos com nossos pares, mas o que a
tecnologia e a arquitetura fazem, cada uma a seu modo, é oferecer um
certo conforto para a nossa clausura. Nunca foi tão cômodo ser
solitário.
Tudo conspira para que tenhamos uma boa vida em nossa
própria companhia: o computador, os celulares e a variedade de serviços
de tele-entrega, que trazem à porta comida, DVDs, revistas,
medicamentos, livros e até sexo. Sair de casa pra quê?
Antigamente,
o ermitão era uma anomalia da sociedade, desconfiava-se dele: qual será
sua tara? Hoje, pesquisas apontam para uma quantidade cada vez maior de
pessoas morando sozinhas. O isolamento virou tendência. E o ermitão
deixou de ameaçar: agora, ele é cool.
Para fugir da resignação –
a solidão pode ser prazerosa, mas é uma resignação –, é preciso
atravessar paredes. Mariana e Martin são dois jovens beirando os 30 anos
que estão se desacostumando a se relacionar com gente de carne e osso.
Têm dificuldade de conversar em primeiros encontros e só se sentem eles
mesmos no refúgio de seus cafofos.
É uma vida escura. É um filme
escuro. Que só começa a se iluminar quando, cansados da claustrofobia
física e também emocional, resolvem abrir uma janela na medianera. Um
buraco clandestino naquele paredão inútil, para que permitam a entrada
de um pouco de luz e possam enxergar o que acontece lá fora.
É
comum os solitários justificarem sua solteirice dizendo: os homens são
todos iguais, as mulheres são todas malucas, não há ninguém
interessante. De fato, encontrar alguém que seja o nosso número é mesmo
uma espécie de “Onde está Wally?”. Mas com um pouco de romantismo, muita
sorte e fazendo a sua parte – quebrando a parede e inventando uma
janela –, o happy end pode ser avistado lá embaixo, caminhando pela
calçada.
Fonte: Jornal O Globo
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