Siga o Blog do Oracy

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Sexo selvagem



Lula Vieira

Será que eu já contei esta história? Juro, mas de vez em quando não me lembro do que eu já escrevi. São dois anos de coluna, muito mais de cem histórias diferentes. Aliás, eu acho que só duas pessoas guardam na memória tudo que saiu publicado. Um cara que de vez em quando manda e-mail me esculhambando quando eu repito qualquer coisa é o Paulo Gontijo, que deve ter parentesco com elefante viciado em ginco-biloba. Então, com as devidas desculpas pela memória de merda, vou falar de minha maravilhosa viagem ao Amazonas.
Vai daí que nós fomos filmar em São Gabriel da Cachoeira. E, logo ao chegar, os índios roubaram a roupa do diretor, Fred Naban, na certa confundindo com alguma veste sagrada, já que o Fred se veste um tanto espalhafatosamente.
Pois foi em São Gabriel da Cachoeira, fronteira com a Venezuela, que o Fred, um cara de hábitos sofisticados e consumidor de grifes internacionais, saiu em busca de uma casa de roupas para comprar uma camisa. No armarinho local, que vendia fumo, cachaça, penico, remédio para bicheira e roupas da mais fina procedência, o Fred resolveu experimentar os modelos do enorme estoque da loja. Nem o Mauro Campos na loja da Armani em Nova York escolheu com tanto cuidado.
Das duas que tinha, ele levou todas. Uma era mais bonita que a outra. Belíssimas combinações de figuras geométricas sobre fundo roxo, azul-celeste e vermelho.
Foi só o Fred Naban surgir com aquela indumentária de Clóvis Bornay interpretando “Catedral Submersa” para a tribo inteira sair das ocas. Veio toda a hierarquia Ianomâmi ver homem branco fantasiado de arara.
A produtora do filme, que de shortinho e camisa amarrada abaixo dos seios fartos olhava o tacape dos silvícolas com cara de quem sempre sonhou com uma vida mais próxima à natureza, não se cansava de explicar ao Fred que estava comovida com a simplicidade daqueles índios tão selvagens, tão naturais, tão puros, encantados como crianças diante da explosão colorida.
O Fred, que jamais gostou da vida natural, achava aquilo tudo uma merda, embora olhasse com respeito o outro tacape dos índios (o de madeira).
Estavam as duas civilizações numa comovente tentativa de se comunicar, vencendo séculos de diferença cultural, quando um dos índios propôs: “Troca camisa por câmera VHS na embalagem, já transcodificada para PAL-M?”.
Mais tarde, sentados à margem do Rio Negro, eu e o cacique estávamos tomando manguaça e falando da Bolsa de Nova York e da desvalorização do cruzeiro diante do dólar, quando o papo derivou para mulheres. Como sempre.
Sábio como todo cacique, o Leão das Pradarias ou coisa que o valha confessou:
“Eu gosto é de mulher branca. Mulher branca mexe mais. Índia fica parada.”
Papo vai, papo vem, abrimos uma garrafa de batida de açaí que o morubixaba tinha escondido atrás do gerador, e depois do gole pro santo recebi minha definitiva consagração como antropólogo, ouvindo um segredo milenar dos primitivos donos da terra. O velho cacique olhou o sol no horizonte, balançou a cabeça e concluiu: “Índia não chupa”.