Há
pouco tempo fui obrigada a lavar meus cabelos com o xampu “errado”. Foi
num hotel, onde cheguei pouco antes de fazer uma palestra e, depois de
ver que tinha deixado meu xampu em casa, descobri que não havia farmácia
nem shopping num raio de 10 quilômetros. A única opção era usar o
dois-em-um (xampu com efeito condicionador) do kit do hotel. Opção?
Maneira de dizer. Meus cabelos, superoleosos, grudam só de ouvir a
palavra “condicionador”. Mas fui em frente. Apliquei o produto
cautelosamente, enxaguei, fiz a escova de praxe e... surpresa! Os
cabelos ficaram soltos e brilhantes — tudo aquilo que meus nove vidros
de xampu “certo” que deixei em casa costumam prometer para nem sempre
cumprir. Foi aí que me dei conta do quanto a gente se esforça para fazer
a coisa certa, comprar o produto certo, usar a roupa certa, dizer a
coisa certa — e a pergunta que não quer calar é: certa pra quem? Ou:
certa por quê?
O homem certo, por exemplo: existe ficção maior
do que essa? Minha amiga se casou com um exemplar da espécie depois de
namorá-lo sete anos. Levou um mês para descobrir que estava com o marido
errado. Ele foi “certo” até colocar a aliança. O que faz surgir outra
pergunta: certo até quando? Porque o certo de hoje pode se transformar
no equívoco monumental de amanhã. Ou o contrário: existem homens que
chegam com aquele jeito de “nada a ver”, vão ficando e, quando você se
assusta, está casada — e feliz — com um deles.
E as roupas?
Quantos sábados você já passou num shopping procurando o vestido certo e
os sapatos certos para aquele casamento chiquérrimo e, na hora de sair
para a festa, você se olha no espelho e tem a sensação de que está tudo
errado? As vendedoras juraram que era a escolha perfeita, mas talvez
você se sentisse melhor com uma dose menor de per feição. Eu mesma já
fui para várias festas me sentindo fantasiada. Estava com a roupa
“certa”, mas o que eu queria mesmo era ter ficado mais parecida comigo
mesma, nem que fosse para “errar”.
Outro dia fui dar uma bronca
numa amiga que insiste em fumar, apesar dos problemas de saúde, e ela me
respondeu: “Eu sei que está errado, mas a gente tem que fazer alguma
coisa errada na vida, senão fica tudo muito sem graça. O que eu queria
mesmo era trair meu marido, mas isso eu não tenho coragem. Então eu
fumo”. Sem entrar no mérito da questão — da traição ou do cigarro —,
concordo que viver é, eventualmente, poder escorregar ou sair do tom. O
mundo está cheio de regras, que vão desde nosso guarda-roupa, passando
por cosméticos e dietas, até o que vamos dizer na entrevista de emprego,
o vinho que devemos pedir no restaurante, o desempenho sexual que nos
torna parceiros interessantes, o restaurante que está na moda, o celular
que dá sta tus, a idade que devemos aparentar. Obedecer, ou acertar,
sempre é fazer um pacto com o óbvio, renunciar ao inesperado. O
filósofo Mario Sergio Cortella conta que muitas pessoas se surpreendem
quando constatam que ele não sabe dirigir e tem sempre alguém que
pergunta: “Como assim?! Você não dirige?!”. Com toda a calma, ele
responde: “Não, eu não dirijo. Também não boto ovo, não fabrico rádios —
tem um punhado de coisas que eu não faço”. Não temos que fazer tudo que
esperam que a gente faça nem acertar sempre no que fazemos. Como diz
Sofia, agente de viagens que adora questionar regras: “Não sou obrigada a
gostar de comida japonesa, nem a ter manequim 38 e, muito menos, a
achar normal uma vida sem carboidratos”. O certo ou o “certo” pode até
ser bom. Mas às vezes merecemos aposentar régua e compasso.
Leila Ferreira é jornalista, apresentadora de TV e autora do livro "Mulheres – Por que será que elas...,"
Um comentário:
Bom dia, boa tarde!!
Leila Ferreira escreve mto bem e nesse texto,ela deixa bem claro ao leitor (a), que todos nós temos essa faceta de erros e acertos em nossa vida. O importante mesmo é arriscar para ser feliz.O exemplo do shampoo foi excelente!Gostei mto.
Um abraço,
Ana Maria
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